João Pedro 02/04/2021Uma mortalha de lágrimas e poesia"Morreste-me", primeiro livro do escritor português José Luís Peixoto, é uma espécie de declaração de luto do autor pela morte de seu pai. Breve, porém tocante, esta carta dirigida ao falecido pai é a materialização de um processo de luto que, não fosse pela prosa poética de José Luís Peixoto, passaria despercebida por muitos leitores.
O livro surpreende pela forma com que o autor (re)constrói sua visão de mundo a partir da ausência sentida. É uma mortalha feita à base de lágrimas e de poesia. É feita de dor, da dor da falta, mas também da percepção de que quem se foi está sempre conosco, tanto em nosso íntimo quanto no exterior, nas experiências compartilhadas, nos locais visitados. Além disso, acaba por ser um convite a descobrir as outras obras de José Luís Peixoto.
"Regressei hoje a esta terra agora cruel. A nossa terra, pai. E tudo como se continuasse. Diante de mim, as ruas varridas, o sol enegrecido de luz a limpar as casas, a branquear a cal; e o tempo entristecido, o tempo parado, o tempo entristecido e muito mais triste do que quando os teus olhos, claros de névoa e maresia distante fresca, engoliam esta luz agora cruel, quando os teus olhos falavam alto e o mundo não queria ser mais que existir" (p. 7)