Keila Peretto 06/03/2022
Sentimentalismo nosso de cada dia (infelizmente, tão presente)
Demonstração legítima de sentimentos? Quando a ocorrência é em esfera pública, não sabemos mais se é digna de confiança - isto é, se é válida e verdadeira - uma vez que atualmente, em nossa sociedade, o apelo ao sentimentalismo como forma de manipulação é tão comum. Dalrymple, nesta obra de poucas páginas, demonstra muitíssimo bem como o sentimentalismo está impregnado nas relações contemporâneas, valendo-se de exemplos reais a fim de comprovar suas teses. Fiquei bastante surpresa ao saber da cobrança pública sobre a Rainha Elizabeth durante a morte da Princesa Diana: a sociedade inglesa esperou por uma demonstração de lamento por parte da monarca, com o propósito de verificar quais seriam os reais sentimentos desta pela princesa: se a rainha não demonstrasse publicamente seus pesares pela morte de Diana, significaria, para o público, basicamente a ausência de tristeza real. Que absurdo! Quanta desconfiança. Essa cena ilustra como, nos dias atuais, a exposição pública se tornou uma necessidade para validar aquilo que sentimos, pensamos e somos. Não me isento de culpa: também espero que as pessoas expressem publicamente suas emoções e acho estranho quando isso não é feito. Isso é resultado da forma em que pensamos hoje - o autor tirou uma venda dos meus olhos.
Além disso, dentre outras questões, Dalrymple também discorre acerca da condição de vítima na qual muitas pessoas se colocam a fim de serem isentas de responsabilidades e julgamento - se sou vítima de algo, torno-me "intocável", pois não se pode medir, discorrer e julgar o sofrimento alheio, pouco importando se a condição é legítima ou se contribuo para a minha própria infelicidade (é quase um pecado desconfiar e analisar a causa "dos males"). Segue um trecho da obra:
"O desejo ou ânsia de se transformar numa vítima tornou-se tão grande que hoje as pessoas afirmam ser vítimas do seu próprio mau comportamento [...] assim, o viciado se transforma numa vítima e, quanto piores os efeitos do seu vício, para si e para outros, mais vítima ele é. [...] o sofrimento se tornou a marca da condições de vítima, não importando a sua origem. Não se faz qualquer distinção entre o sofrimento que é autoinfligido e aquele que é inteiramente fortuito (e muito menos entre todas as sutis gradações intervenientes)."
Para finalizar, em poucas páginas Dalrymple desnuda diversas situações sociais baseadas em puro sentimentalismo, demonstrando as consequências desse modo de agir e de enxergar as coisas à nossa volta. Certamente farei a releitura. Vale muito a pena, muda a forma com que vemos as relações e situações que nos cercam diariamente.