Roberto Soares 07/03/2021“Podres de Mimados” traz reflexões acerca da sociedade atual e as consequências do culto ao sentimentalismo e a predominância do sentimento nos assuntos humanos. Aqui, o sentimentalismo é pensado como o excesso coletivo de emoções falsas, doentias e sobrevalorizadas em detrimento da razão, sem um julgamento racional de como se deve reagir à situação. O autor discute os impactos desse mal em várias esferas da vida: a educação, os relacionamentos, a justiça, a economia, a política, o entretenimento, o jornalismo, entre outros. Um dos assuntos que ele levanta e que mais me interessou foi o que ele chama de “o culto à vítima”, onde a vulnerabilidade e a vitimização foram elevadas ao patamar de grandes virtudes. Essa posição confere à pessoa uma autoridade moral especial e o direito de ser ouvida com um respeito único, quase reverente, para falar de questões definitivas da vida humana. Essa escuta deve ser acrítica, por “empatia” aos supostos sofrimentos do locutor, excluindo objeções, por mais lógicas e bem fundadas que sejam. Ou seja: o direito a uma convicção irrefutável é conquistado graças a expressão veemente de fragilidade, e a vítima não é mais responsável por suas ações ou por sua condição, e nada lhe pode ser negado. Isso gera indivíduos dissimulados, que sentem que nada podem fazer para ajudar a si mesmos e que dependem dos outros para manter o próprio equilíbrio. Graças a estes “privilégios”, o desejo de se proclamar uma vítima tornou-se tão grande, que hoje algumas pessoas se vitimizam por qualquer coisa, mesmo pelas frustrações mais banais, inevitáveis e próprias da existência humana. Disputam quem passou por mais adversidades, e o vencedor é promovido ao status de herói. Isso é nutrido pela ideia de que a vítima é simplesmente aquela que se crê como vítima, não sendo necessário indícios objetivos disso, uma vez que acusação e culpa hoje são sinônimos. É um livro que precisa ser lido com bastante cuidado e discernimento, pois é tênue a linha que separa o excesso emocional tóxico das manifestações e sintomas genuínos de sofrimento mental. Dalrymple não poupa, ele toca nas feridas sem rodeios, embora de forma "elegante". Embora reconheça essa demanda, ele não tem a preocupação de não ofender ninguém, mesmo em assuntos delicados e tabus engessados, que sim, pode incomodar. Afinal, nós, leitores, não estamos imunes ao sentimentalismo. Mas claro, assim como qualquer livro (em especial os de não-ficção), o leitor não precisa concordar com tudo que o autor propõe: trata-se de um convite a reflexão. Mas não dá para negar que o culto ao sentimentalismo destrói o pensamento racional, a responsabilização por si próprio e o exercício da justiça. O que se discute não é se deve ou não haver expressão das emoções, mas como, quando e em que grau elas devem ser expressadas, e que papel elas devem desempenhar na vida humana, privada e coletiva.