Maria - Blog Pétalas de Liberdade 19/02/2018Resenha para o blog Pétalas de LiberdadeAlgumas partes são narradas por Noah aos 13 anos, e outras por sua irmã gêmea, Jude aos 16. Vemos no livro como eles, antes, inseparáveis, foram se distanciando com o tempo. Aos 13 anos, os dois passavam pelos complicados momentos da adolescência. Noah era gay mas guardava isso em segredo. Jude se rebelava com a mãe que não queria que ela fosse "esse tipo de menina", uma menina que só pensava em garotos.
"Não me importo com o fato de não ser tão difícil quanto eu achava fingir ser como todos os outros, mudar a cor da pele como um sapo." (página 130)
Aos 16, as coisas estão completamente mudadas. Jude não quer de jeito nenhum saber de namoro ou de meninos, e está na escola de arte onde Noah é que sonhava em estudar. Enquanto isso, ele aparentemente tem uma namorada e é um garoto como todo os outros, não mostrando mais seus dons artísticos. O que aconteceu para que esses dois mudassem tanto? É o que vamos descobrindo ao longo da história que nos reserva surpresas até nas páginas finais.
"Meu estômago revira. A Queda do Diabo, o segundo maior salto na colina, que eles pretendem suar para me jogar, tem esse nome por algum motivo. Lá embaixo há um punhado de rochas afiadas e um rodamoinho que puxa seu corpo todo quebrado para o mundo subterrâneo." (página 12)
A trama já começa com Noah sendo alvo de bullying por parte de outros garotos, há uma cena desesperadora e revoltante onde eles querem jogá-lo de uma penhasco. Esse foi o segundo livro da Jandy Nelson que li. O primeiro foi "O céu está em todo lugar", que entrou para os meus favoritos. Então, eu estava com expectativas altíssimas para ler "Eu te darei o Sol". Demorei um pouco para me envolver com a história, talvez pela escrita da autora, que usava muito de sentido figurado, um exemplo: "Suas pupilas são enormes cavernas negras onde vivem morcegos." (página 132) ao invés de dizer simplesmente que "seus olhos eram escuros". Mas passados alguns (longos) capítulos, me vi sim cativada pela história e terminei o livro encantada e ainda mais fã da Jandy.
"- (...) E, por causa dos cabelos dela, uso todos os meus lápis amarelos desenhando-os. Eles têm centenas de quilômetros de comprimento e todos no norte da Califórnia temem se enrolar neles, principalmente criancinhas e poodles e agora surfistas babacas.
(...) Jude me olha do desenho, ensolarada, sábia. Obrigado, eu lhe digo em minha mente, Ela está sempre me resgatando..." (página 11)
Os personagens criados pela autora são interessantes, todos eles carregam seus traumas que se interligam de maneiras surpreendentes. Minha curiosidade era enorme para descobrir como Noah não foi selecionado para a escola de arte que tanto desejava e como ele havia "voltado para o armário" e se tornado tão "comum". No início, Jude parece ter sido uma garota que fez coisas horríveis por inveja da relação do irmão com a mãe; depois, aos 16 anos, ela se pune por isso. A "pessoa" mais próxima dela é a avó morta, com quem ela conversa, e que tinha um caderno de sabedorias populares batizado de "a Bíblia da Vovó" (tem mais um outro fantasma, que só lhe causa problemas [coloquei os trechos da Bíblia da Vovó em itálico na resenha). Mas quando descobrimos mais da história, entendemos que nada é como parece, que há segredos tão profundos nessa história, que quem parece inocente pode ser o culpado.
"- A Jude e eu nos protegemos um pouco - continua ela. - É preciso muita coisa para nos atingir. Com você e o papai, não. - Isso é novidade. Nunca pensei que fosse parecido com o papai. (...) Sou apenas alguém que 'desenha'. E dói em meu peito o fato de a mamãe pensar que Jude é parecida com ela e eu não. Por que tudo o que eu penso sobre nossa família está mudando? Por que os times estão sendo trocados? Todas as famílias são assim?" (página 289)
Gostei muito da forma como a autora abordou temas tão importantes na obra, como o conturbado momento de transição da infância para a adolescência, a disputa por atenção entre os irmãos, a relação com os pais, a homossexualidade, e a história de Jude, que passou por algo que muitas garotas passam, na fantasia de se sentirem adultas quando ainda são meninas, correndo o risco de ter sua inocência roubada gerando traumas e arrependimentos.
"- Ele tem namorada.
- Você não tem certeza disso. Ele é europeu. Eles têm valores diferentes.
- Você nunca leu Jane Austen? Os ingleses são mais recatados do que nós, não menos.
- Uma coisa que aquele menino não parece ser é recatado. - O rosto inteiro dela se contorce numa piscadela. Ela não sabe piscar sutilmente, não sabe fazer nada sutilmente." (página 218)
Acho que a mensagem que a obra quis passar foi a importância da verdade e de como o nosso egoísmo pode prejudicar muita gente quando achamos que podemos definir como nossa mãe, nosso pai, nossos irmãos ou nossos amigos devem viver em nossa função.
"Viro-me, lembrando novamente que fomos feitos juntos, célula a célula. Somos a companhia um do outro desde quando não tínhamos ainda olhos ou mãos. Antes mesmo de termos alma." (página 87)
"Eu te darei o Sol" foi um livro que me fez aprender um pouquinho sobre a Arte, que me despertou diversas emoções, me fez odiar e amar um mesmo personagem na medida em que fui conhecendo-o, e que com certeza vai ficar gravado em minha mente por um bom tempo. Os livros da Jany Nelson são assim, intensos para quem os ama. E se você ainda não o leu, leia com calma, prepare-se para a linguagem poética e cheia de figuras de linguagem e vá até o final, fazendo pausas se necessário.
"O vermelho mancha meus dedos, o batom dela. Aconteceu mesmo. Todas as pessoas têm esse sabor de laranja estragada por dentro? Eu sou assim? O Brian é assim?" (página 133)
Não tenho como escolher entre ele e o primeiro que li da autora para indicar, mas meu favorito continua sendo "O céu está em todo lugar". Li "Eu te darei o Sol" na Maratona Literária Desencalhando Livros, pouco depois de "Meu coração e outros buracos negros", e talvez para mim tivesse sido melhor dar um tempo maior entre as leituras de dois young adults com personagens que desenham.
"Sempre que há gêmeos, um deles é um anjo e o outro um demônio." (página 49)
A edição da Novo Conceito tem uma capa bonita e condizente com a trama. Há poucos erros de revisão. As páginas são amareladas. A diagramação traz letras, margens e espaçamento de bom tamanho.
"- Como Noah e eu nos envolvemos tanto em segredos e mentiras?" (página 253)
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