spoiler visualizarAgnesss 21/03/2024
Excepcional!
Foi a segunda obra de Shakespeare que li e, sinceramente, me surpreendi.
Esta edição foi apresentada em diálogos, o que deixou a leitura muito fluida e prazerosa. O livro me prendeu do início ao fim.
É uma história curta, mas, certamente, muitíssimo rica.
Queria eu tê-la lido quando estudava contratos e títulos de crédito, mais precisamente, sobre letra de câmbio.
Shakespeare traduziu da maneira mais clara possível a força vinculante dos contratos. A força do pacta sunt servanda.
Ele nos mostrou que a sociedade de 1596/98 tinha o contato como lei. Que o descumprimento era punido e que o crédito na praça era tido como honroso.
O dramaturgo nos mostra o rigor da lei Veneziana, ora regida pela premissa ?lex duri et lex? (a lei é dura, mas é a lei). Nos mostra ainda como, naquela época remota, a figura do estudioso/mestre e jurista era fundamental para o deslinde de causas exóticas.
Pórcia, investida secretamente na posição de jurista, lançou mão do viés interpretativo da hoje nomeada boa-fé contratual ao tentar fazer com que Shylock, ora credor, renunciasse à multa e aceitasse o valor em ducados, remontando, assim, o objeto precípuo do contrato e restabelecendo a comutatividade.
Vendo que Shylock não abriria mão da multa, Pórcia, em uma sacada jurídica excepcional, disse ao credor que poderia cobrar a multa devida, mas que o devedor somente poderia ser penalizado nos limites do contratado. É dizer, o credor, ao cortar uma libra de carne, não poderia derramar sequer uma gota de sangue.
Ao fim, para além da resolução da lide, vemos Shylock ser punido pela sua crueldade e abusividade com a perda de todos os seus bens.
Tal sentença revela a mais pura aplicação da atual principiologia contratual constitucional que preza pela comutatividade dos contratos, paridade entre os contratantes, dignidade da pessoa humana e relatividade contratual.