spoiler visualizarmaria paula 01/03/2024
Medeia: bruxa, infanticida e mulher.
Por onde começar?
Não é preciso entender muito sobre mitologia grega pra saber que a Medeia é famosa pelo infanticídio. Também não é preciso ser o maior conhecedor pra saber que, justamente pelo seu ato, ela é tratada como histérica. Porém as coisas se mostram um pouco diferentes quando se presencia a situação de perto, de muito perto, de dentro da mente da mulher ? supostamente ? histérica.
Medeia vai muito além de uma história sobre uma mulher considerada histérica e pecadora. Medeia é sobre uma mulher traída, negligenciada e cercada de misoginia. É sobre uma mulher cansada de ser ordenada pelo sexo oposto. É sobre uma mulher que quer e pode ser mais do que uma fonte de fertilidade. O que, exatamente, afastaria uma mulher revoltada contra o sistema em que vive de um crime hediondo como o assassinato dos próprios filhos?
Medeia é sobre mim, sobre você, sobre todas nós. Ela é tratada bem quando é útil para o marido com seu poder mas deixada de lado assim que "cumpre a sua tarefa" de colocar herdeiros no mundo. Ela é bem vista pelos deuses quando realeza mas desprezada quando faz suas próprias escolhas. Acima de tudo, Medeia é uma mulher que não aceita ser tratada como menos do que o gênero masculino e ? majoritariamente por essa razão ? é recebida com desgosto pelos demais.
Porém, o que exatamente a diferencia de outros homens em sua mesma mitologia? O que diferencia Medeia de Agamenon, por exemplo, que permitiu o sacrifício de sua filha pela Guerra de Troia? Absolutamente nada. E continua não sendo diferente.
Mas para nós, apenas.
Para os homens, nós somos inferiores. E continuaremos sendo. Enquanto nossos direitos não forem iguais, enquanto formos tratadas como fornecedoras de herdeiros e demais comportamentos misóginos, seremos novas Medeias. E homens tem medo de Medeias, homens tem medo quando mulheres passam a agir como eles as pintam, por isso as destroem.
Medeia é, acima de tudo, uma sofredora. Esse é o ponto da peça. Ela sofre pelos próprios crimes, pelos próprios atos, pois sabe que não há vida melhor para ela se não os cometer. Muito se fala sobre o infanticídio, mas pouco se fala sobre como ela sofre por ele. Porém, como a própria diz, matá-los é como um ato de misericórdia. Seria melhor que fossem mortos pelo ventre do qual saíram do que por qualquer outro. Medeia não faz o que quer, faz o que considera necessário para que não seja colocada na posição de mulher enfraquecida novamente. É preferível ser uma bruxa profana e maldosa do que uma mãe deprimida abandonada por uma pessoa pela qual largara tudo, crendo na ilusão do amor por um homem.
E Medeia abraça seu destino. Afinal, melhor seria guerrear três vezes, com escudo e tudo, do que parir uma só vez.