regifreitas 05/04/2020
O BEIJO NO ASFALTO (1961); VESTIDO DE NOIVA (1943), Nelson Rodrigues.
Em relação à obra de Nelson Rodrigues, vale o lugar-comum: há aqueles que a amam e aqueles que a odeiam, geralmente com poucos meios termos.
Apesar das semelhanças, principalmente ao trazer o olhar agudo do dramaturgo no desnudamento das hipocrisias da sociedade carioca e, por extensão, da própria sociedade brasileira, aqui temos duas obras que se diferenciam estruturalmente.
O BEIJO NO ASFALTO segue a estrutura mais tradicional do texto teatral. O diferencial está na forma como o autor trabalha os temas: o sensacionalismo da mídia, a violência e abuso de poder por parte da polícia, a homofobia, os desejos ocultos e recalcados. Nelson se vale de uma lente hiperbólica - ao mesmo tempo que mostra, amplia sobremaneira esses aspectos. O exagero no tragicômico é proposital, e uma das características da crítica social rodrigueana.
Já VESTIDO DE NOIVA apela principalmente para o melodrama, mas se destaca por apresentar uma construção mais elaborada do texto teatral. Por conta desse aspecto, e das inovações trazidas por ela, esta peça é considerada o marco inicial do Modernismo no teatro brasileiro. O que chama a atenção, e foram consideradas arrojadas para a época, são as soluções engendradas por Nelson na construção das cenas no palco. Este é dividido em três quadros: da realidade, da alucinação e da memória, nos quais se desenrolam as ações.
Conforme mencionado acima, o trabalho de Nelson Rodrigues pode causar reações divergentes no público/leitor. Comigo não foi diferente. Quando me pus a pensar sobre o que escrever - especificamente sobre essas peças -, algumas das minhas primeiras impressões e considerações se alteraram, o que me fez, inclusive, mudar a avaliação das obras.
Mas aí reside justamente a função principal da obra de arte: para ser relevante, ela deve provocar. Se o resultado final for apenas indiferença, é sinal que ela fracassou.