Tenda dos Milagres

Tenda dos Milagres Jorge Amado




Resenhas - Tenda dos Milagres


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João 16/01/2019

Tenda dos Milagres - Jorge Amado.

Um tapa na cara do preconceito racial: é o que sobressai da narrativa em "Tenda dos Milagres".

O romance, escrito em 1969, conta com as belas ilustrações de Jenner Augusto na edição de 1982 da editora Record.

Na esteira de outras obras de Jorge Amado, o romance revela mais uma vez o estilo provinciano do autor, dotado de uma linguagem simples, por vezes arraigada no vernáculo local com suas gírias e expressões populares. De escrita fluída e pródiga em adjetivações engraçadas, Jorge Amado une o regionalismo pitoresco a temas globais (tal como o racismo), para então desferir sua crítica social.

A estória se passa em Salvador, entre o fim do século XIX e o início do século XX. Nessa época, a cidade da Bahia teria recebido a ilustre visita do Prêmio Nobel James D. Leveason, cientista norte-americano. Conta-se que o cientista teria vindo em busca de informações sobre a vida e a obra do falecido baiano Pedro Archanjo. Figura até então desconhecida dos baianos e dos brasileiros em geral, o nome de Pedro Archanjo se torna a sensação do momento entre os intelectuais e as autoridades locais, despertando assim o interesse da imprensa em geral, todos ávidos por saber quem foi esse homem cujo senso de humanitarismo fora capaz de provocar o interesse do Prêmio Nobel James D. Leveason.

A biografia e a obra de Pedro Archanjo vão sendo narradas pelas mãos do poeta Fausto Pena, um baiano metido a sociólogo que fora contratado por Leveason para realizar a pesquisa em torno da vida e da obra do ignorado Pedro Archanjo.

Da vida de Archanjo, descobre-se que fora um mulato baiano, órfão de pai, criado na amizade das rodas de capoeira, dos terreiros de candomblé, das casas de meretrício e da Tenda dos Milagres. Archanjo foi bedel (inspetor) da Faculdade de Medicina da Bahia, mas também foi Ojuobá (olhos de Xangô) nos rituais do candomblé. Desde cedo movido pela curiosidade, demonstrou interesse pela leitura, sempre tomando nota da sabedoria popular. Assim sendo, transitava com simpatia tanto entre os intelectuais como entre os populares, demonstrando sua crença e aptidão para a ciência, sem esquecer a paixão e admiração pela cultura vulgar. Na Tenda dos Milagres, onde o amigo e compadre Lídio Corró riscava milagres, Archanjo passava a maior parte do tempo, em prosa saborosa com os amigos, a dedilhar seu cavaquinho e a se jogar nas danças envolventes do candomblé.

Da obra de Archanjo foi possível descobrir o seu talento científico para a antropologia e a etnografia. Em quatro livros até então relegados ao anonimato, Pedro Archanjo tecera importantes considerações sobre a mestiçagem enquanto traço étnico do povo brasileiro e indisfarçável fator de nosso sincretismo cultural. Archanjo demonstrara que mesmo a elite branca, enfurnada em seu tosco preconceito racial, constitui parte da árvore genealógica baiana onde brancos e mulatos comungam de antepassados africanos.

A mistura étnica entre brancos e negros que resultara no baiano mestiço é louvada na obra de Archanjo. Ali, segundo o herói da estória, reside a beleza e a rica sabedoria popular do povo baiano. Archanjo nos faz sentir que a mestiçagem contribuiu para o enriquecimento da cultura e marcou para sempre a identidade daquele povo.

No entanto, o trágico e o burlesco residem no fato de que a descoberta da obra de Archanjo só foi possível em razão do interesse que nela demonstrou o cientista estrangeiro J.D.Leveason. E pior, toda a agitação nos meios político e midiático gerada pela descoberta da obra de Archanjo possuía interesses escusos, tais como o faturamento com a venda de periódicos e a aquisição de capital político à custa da imagem do saudoso Pedro Archanjo.

Como se não bastasse, os eventos realizados em torno da comemoração do centenário de Archanjo, em plena ditadura militar, tiveram o cuidado de deturpar a imagem e a obra do falecido baiano. Não economizaram em eufemismos e na perfumaria. Atribuíram a Archanjo ares de fidalgo, fumos de nobreza, feitio de homem branco e austero. Às favas! Archanjo era bom mulato, boêmio querido, nascido do povo! De sua obra a impressa ainda arrancara a essência, escondeu-lhe o âmago, nada falou sobre a tese em torno da mestiçagem, só faltando mesmo (pasmem!) atribuir-lhe simpatia ao arianismo.

Não fosse o interesse do cientista estrangeiro, sequer seria possível aos brasileiros tomar conhecimento do poderoso senso de humanitarismo de Pedro Archanjo, calcado na mestiçagem como fator étnico a legitimar o pluralismo cultural na Bahia.

Pedro Archanjo, o herói da estória, revelou-se paladino contra a discriminação e o preconceito racial.

Por fim, esses e outros fatos, todos carregados de poesia e de bom-humor, dão o colorido da narrativa em "Tenda dos Milagres".

Boas leituras!
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Dude 02/12/2018

Tenda dos Milagres
Bom livro que fala sobre racismo e miscigenação. Obrigatório em dias como hoje que acusam Jorge Amado de racista.
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Fabio Shiva 30/04/2018

viva a mistura!
Reli este livro, que considero dos melhores de Jorge, com grande emoção, bebendo cada página como se fosse um gole da melhor cachaça já produzida na Bahia – e assim é!

A história de Pedro Archanjo, “pobre, pardo e paisano” que combateu o racismo de teorias pseudocientíficas (como a antropologia física) com a própria vida e obra, é fascinante, cativante, emocionante. Cheguei às últimas páginas com um nó na garganta, por estar perto do fim, por ter que dar adeus a mestre Archanjo, mesmo lendo o livro pela segunda vez.

Quanto mais leio Jorge, mais ele é Amado por mim! Que gratidão pela existência desse grande mestre da literatura universal!

Salve Jorge!!!

***
“É mestiça a face do povo brasileiro e é mestiça a sua cultura.”

#1livropordia

http://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com.br/2018/04/tenda-dos-milagres-jorge-amado.html


site: https://www.facebook.com/sincronicidio
José Frota 01/05/2018minha estante
Que legal


Fabio Shiva 02/05/2018minha estante
Salve amigo!


José Frota 02/05/2018minha estante
Salve. Te escrevi.




Carlos531 07/04/2018

Historia crítica e emocionante.
Misturar o sincretismo religioso com todo o acervo cultura bahiano, e de vez em quando, críticas sociais na sociedade vigente, Jorge Amado faz com maestria. Dentre as 300 páginas do romance, não há um minuto sequer de tédio literário. Vale muito a pena ler essa obra!
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Julio.Argibay 06/03/2018

Pedro Archanjo eh o personagem principal desta estória de Jorge Amado, figura ímpar na sociedade baiana e profundo conhecedor da cultura afro em Salvador. Médico, historiador, defensor da miscigenação como meio de minimar os problemas raciais na sociedade. Como pano fundo a religiosidade e a cultura afro eh evidenciada nas estórias dos personagens secundarios neste romance. Um livro difícil pois a leitura não é fluida, exige muita atenção e paciencia do leitor. Eh deixar rolar...
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Bruna.Patti 07/01/2018

Tenda dos milagres
Resenha
Livro: Tenda dos Milagres
Autor: Jorge Amado
Ano de lançamento: 1969

Tenda dos Milagres, livro predileto do autor Jorge Amado , se passa em duas épocas diferentes: tempo presente e passado, na virada do século XIX para o XX. O livro se passa na Bahia, e acompanhamos o trabalho de Fontes, um antropólogo poeta, que começou a pesquisar sobre a vida de Pedro Archanjo, um cidadão extremamente influente na sociedade baiana. Mas Fontes não começa a pesquisar a vida desse escritor, cientista, poeta por vontade própria: recebe a encomenda de um gringo, que vindo ao Brasil, declara amar a obra de Pedro Archanjo.
Já no começo da obra, podemos perceber a crítica ao colonialismo: Pedro Archanjo já era estudada na Bahia, por professores de Universidades, porém, ele apenas começou a fazer sucesso na mídia quando um gringo evidenciou a importância de sua vida e obra, denotando que apenas o que vem de fora é bom, pois até aquele momento da obra, ninguém ligava para Pedro Archanjo, nem ao menos sabiam da existência desse homem.
Pedro Archanjo era escritor. Foi bedel da Faculdade de Medicina da Bahia. Bedel é um cargo administrativo de pequeno porte em universidades, profissão que exerceu durante mais de 30 anos. Archanjo questionava a sociedade racista de sua época. Na virada do século XIX para o XX podemos acompanhar através do enredo do livro, as teorias eugenistas, que a medicina brasileira ajudou a corroborar , do começo do século. Essas teorias diziam que a sociedade brasileira deveria se livrar dos mestiços e dos negros, em busca de formar uma sociedade pura, branca. Acompanhamos com dor as várias demonstrações de racismo, onde os negros e mestiços são apontados como criminosos única e exclusivamente pela sua cor, o tamanho de seu crânio , ou suas feições.

O quadro A Redenção de Cam, do pintor Modesto Brocos evidencia as teorias eugenistas do começo do século. Nessa pintura, temos uma mãe negra, que possui uma filha um pouco mais clara, mas ainda negra e um genro branco, nascendo seu neto branco. A mãe levanta as mãos para o céu, agradecendo a benção de conseguir finalmente branquear sua família. O título do quadro remete à história bíblica da maldição lançada por Noé ao seu filho Cam, que disse que ele seria o último escravo dos seus irmãos. Os povos de pele escura seriam descendentes de Cam, justificativa que foi utilizada por muito tempo para validar a escravidão.
Além disso, Pedro Archanjo era do candomblé, religião marginalizada e perseguida, desde a época retratada no livro, até o presente em nossa sociedade. No livro retrata-se a perseguição aos terreiros de candomblé, muitas vezes tendo suas giras e festas reprimidas com violência. Não somente as manifestações religiosas eram reprimidas com violência, mas todos as características da cultura do povo negro, como as comidas típicas, a luta da capoeira. Vemos as dificuldades que os negros tinham para estudar, trabalhar em empregos dignos, mesmo lutando para isso acontecer.
Pedro Archanjo acreditava que a chave para o combate ao racismo estava na mistura que forma nosso povo, visto que todos nós possuímos sangue negro. Esse livro é uma homenagem ao povo negro, que tanta batalha e sofre com o racismo nosso de cada dia. É um Foi escrito em 1969, mas poderia ter sido escrito hoje, por conta de todos os problemas que ainda assolam nossa sociedade. É um livro-protesto, que coloca sal na ferida do racismo, um livro que aponta sem medo. Como dizia Pedro Archanjo, ainda que tentem nos derrubar, somos muitos, e sempre nascerão mais de nós.
Deixo vocês com um trecho da música Eu só peço a Deus, de Renan Inquérito:
“É o Brasil da mistura, miscigenação
Quem não tem sangue de preto na veia deve ter na mão
Eu só peço a Deus!”


LINK DO MEU BLOG ABAIXO:


site: http://abiologaqueamavalivros.blogspot.com.br/2018/01/tenda-dos-milagres.html
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Paulo Sousa 30/12/2017

Tenda dos milagres, de Jorge Amado
Livro lido 4°/Dez//61°/2017
Título: Tenda dos milagres
Autor: Jorge Amado (Brasil)
Editora: @companhiadasletras
Ano de lançamento: 1968
Ano desta edição: 2008
Páginas: 320
Classificação: ??????????
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um ano sem ler jorge amado é um ano perdido. para não perder de todo meu ano de leituras decido findar 2017 com ?tenda dos milagres?, essa obra soberba e fundamental no imenso conjunto literário do escritor baiano.
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o livro é protagonizado pelo bedel pedro archanjo, mulato das bandas do pelourinho, empregado da faculdade de medicina da bahia, que constrói sozinho, apesar de opiniões contrárias, a mais importante obra antropológica do século XX. totalmente autodidata, archanjo, profundo conhecedor das gentes e costumes da bahia, traz nos quatro livros seus a tese da miscigenação total, fato que lhe custou ardorosa perseguição pro parte do doutor nilo argolo, o eminente professor daquela faculdade e claramente pró arianista.
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o livro em si é a reconstrução da vida de archanjo, já após sua morte, provocada pela chegada ao brasil do prêmio nobel americano james levenson, que, ao chegar à salvador, profere à imprensa a grande importância dos livros do mulato em terras norte-americanas, o que causou furor e certo mal-estar entre a comunidade científica, alheia aos livros e pensamentos de archanjo.
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jorge amado trata, no livro, do problema da intolerância e preconceito raciais, da famigerada máxima lombrosiana de que a tendência à criminalidade está intrinsecamente ligada à cor da pele. e ao criar dois personagens ambivalentes (archanjo e argolo) amado personifica o embate entre o cientifismo arrogantemente pedante e arcaico contra o o autodidatismo nascido dentro da comunidade baiana, negra e macumbeira.
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jorge amado é mestre em criar heróis, muitos deles defensores de causas perdidas. diferente das histórias juvenis e românticas, onde o herói sempre casa com a princesa e ?são felizes para sempre?, em jorge o herói é marcante por ser parecido com a gente comum e por isso fatalmente sujeito à ruína. jorge soube como ninguém retratar as gentes e costumes da bahia, toda a beleza e musicalidade (não me refiro ao ritmo axé, mas a algo mais amplo) das tradições baianas enraizadas nos ancestrais afrodescendentes, os sabores, a alegria, os desmazelados, foi um escritor cuja verve sempre me encantou. e seus heróis, homens e mulheres que antes de tudo souberam buscar o sentido de viver dentro de suas origens, proclamaram sem medo o que a bahia tem de melhor, até cientista antropólogo como foi o caso de archanjo. leitor disciplinado, o personagem vai rebatendo sem dó através de seus livros as ?profetadas? sem embasamento científico de nilo argolo, branco de origem negra, mas que tenta esconder a todo custo suas origens africanas. como recompensa, morre pobre e velho num dos muitos becos do pelourinho, sem nunca ter conseguido o reconhecimento por ter produzido tão profícuo estudo de raças e matizes em seus livros, aliás, publicados a muito esforço na oficina tipográfica ?tenda dos milagres, de seu amigo de toda a vida lídio corró.
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gosto de errar pelas ladeiras do pelourinho. caminhar e absorver toda a atmosfera daquele lugar como que me transporta para dentro dos livros de jorge, esse mestre da literatura, só não maior que machado de assis, criador de livros a cujos heróis me fizeram rir, chorar, emocionar, como foi o pedro bala de ?capitães da areia?, o guma de ?mar morto?, o quincas berro d?água, o jubiabá do livro homônimo, a perdição de todo um povoado, tocaia grande e agora pedro archanjo, mestre cujo inglório desconhecimento o levou ao cabedal de meus personagens preferidos.
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Nélio 16/09/2017

Que livro bom de ser lido! O meu encantamento pela obra de Jorge Amado só aumenta!
Realmente, não podemos nos descuidar de ler os (bons) autores brasileiros. É o quinto livro dele que leio e não vou parar por aqui, só não consigo ordenar quais lerei primeiro, pois cada vez que tento escolher, mudo o próximo...rs
Tenda dos milagres é aquele livro que te faz viajar, que te faz conhecer nosso Brasil, que te mostra os “meandros do poder” e, mais do que nunca, que escancara o ser humano, em especial o brasileiro, claro! Nossas virtudes e nossas mazelas.
Somos um povo que renega sua cultura e seu saber em detrimento do que vem de fora. Pedro Archanjo só veio a ser “valorizado” pelo nosso povo quando um estrangeiro veio para dizer da sua qualidade.
Mas somos acolhedores, amigos, muitas vezes despreocupados até em excesso! Pedro é assim, inclusive fiel em suas amizades: “Nem por um níquel nem pela moeda inestimável do amor de Rosa de Oxalá vendera o amigo.”
O engajamento político na obra é algo que sozinho merece milhões de comentários. Para citar, temos o enfrentamento, a rebeldia, do povo contra o governo nas duas épocas que são narradas no livro, os problemas com a mestiçagem, com as africanidades etc.
O livro é recheado de ironias, principalmente quanto à diferença entre saber formal (ciência, formação acadêmica) e saber popular (comum, vivência). “A secretária (...) compareceu: lutando bravamente por um lugar ao sol entre tantos etnólogos, antropólogos, sociólogos, todos de mestrado feito, a maioria beneficiária de bolsa de estudo em universidades e boates estrangeiras(...).” Quantas reflexões não me causaram passagens como essa!
A questão do racismo, da mestiçagem, é algo muito bem abordado pelo autor. Sendo uma obra literária, ele não ficou na teorização, mas ele bem mesclou reflexões e comentários aos fatos contados no livro. Tudo muito pertinente que mostra como somos um povo pífio na compreensão da nossa formação, como povo mesmo! Nossa miscigenação é o que nos torna tão especiais, mas ainda há aqueles que acham que ela é o mal. Somos o que somos devido a ela! Quanta riqueza cultural, social e sentimental trazemos em nosso ser!
“Apenas trato de extirpar o mal pela raiz, evitando que ele se propague. No dia em que tivermos terminado com toda essa porcaria, o índice de criminalidade em Salvador vai diminuir enormemente e por fim poderemos dizer que nossa terra é civilizada.” A fala é de quem queria acabar com os negros na Bahia.
São tantas coisas! Que nem quero comentar, não posso contar! Espero que fique somente o gostinho... A riqueza do livro é imensa!
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Fimbrethil Call 24/06/2017

Lindo!
Adorei esse livro, muito muito bom! Um livro lindo! Como o próprio seu Jorge diz: "Viva Pedro Archanjo!, viva a cachaça Crocodilo!"
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Thiago Barbosa Santos 07/04/2017

Um clássico romance de engajamento!
Pedro Archanjo não é tão conhecido como Dona Flor, Tieta, Gabriela ou Quincas Berro D'Água, mas é tão ou mais importante que todas essas outras personagens criadas pelo genial Jorge Amado. Ele é protagonista de uma obra valiosíssima do escritor baiano. Tenda dos Milagres é um clássico romance de engajamento que discute com profundidade a questão racial no Brasil, sobretudo na Bahia.

Pedro Archanjo é um mulato que, como todos os outros, nasceu pobre, sem oportunidades de ascensão social e sem acesso às letras. Mas contrariou as estatísticas, foi um autodidata, leu muitos livros e buscou o conhecimento. Era também um exímio observador dos costumes do negro baiano. Criou com o amigo Lídio Corró a Tenda dos Milagres, espaço para a celebração da cultura negra e onde funcionava uma pequena gráfica que imprimia livros que eram marginalizados pelas grandes editoras.

Foi na Tenda dos Milagres que Pedro Archanjo publicou seus estudos sobre a cultura negra na Bahia e os enviou para universidades do Brasil e de outros países. Ele começou a ganhar notoriedade e conquistou um emprego na Faculdade de Medicina. Lá, encontrou o grande rival dele, o professor Nilo Argolo, que era racista e pregava o extermínio de negros e da mestiçagem.

O mulato Archanjo publicou então um livro que gerou muita repercussão. Um estudo aprofundado que mostrava que, na Bahia, não existia a tal 'raça ariana' cultuada por Nilo Argolo. Inclusive, o arrogante professor era bisneto de um negro e primo distante do próprio Pedro Archanjo. Em Tenda dos Milagres, Jorge Amado toca também na ferida da repressão ao candomblé que ocorreu na Bahia. É uma ficção altamente verossimilhante. Aliás, é totalmente baseada na realidade. Um romance escrito em 1969 e muito atual, pois apesar dos avanços alcançados na luta contra o racismo no país, nossa sociedade tem muito ainda a evoluir. Tenda dos Milagres é um dos grandes livros que discutem a questão racial no Brasil, um tiro.certeiro do mestre Jorge Amado.
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Jhons Cassimiro 02/04/2017

Jorge Amado é a personificação do respeito
Certa vez ouvi de um leitor de Jorge Amado que o livro Tenda dos Milagres não era o seu favorito porque os seus personagens principais não possuíam tanto encantamento quanto outros do autor, como Tieta ou Gabriela.
Talvez a sedução de protagonistas femininas ofereça maior encanto, e compreendo Tenda dos Milagres de outra maneira. Não se trata de um livro sobre uma pessoa específica. Também não consigo enxergar Pedro Archanjo e Lídio Corró como personagens inesquecíveis da literatura nacional, e talvez isso se dá porque eles representam o povo comum, e temos o hábito de valorizar o mais extravagante, como as citadas mulheres das outras obras.
Como o próprio título já revela, é a tenda dos milagres a protagonista. Não apenas a tenda física (o local onde Pedro realiza seus escritos e Lídio pinta os milagres do povo, localizada na cidade da Bahia), mas também a Bahia e o próprio Brasil, o povo brasileiro.
Somos heterogêneos, estamos rodeados de misticismo, crenças, atitudes, hábitos que são originados da miscigenação de um povo. Apesar de mais de 500 anos de país, o Estado ainda trata seus cidadãos com rótulos. Ou se é branco ou negro. O racismo continua sendo evidente e junto com ele, a intolerância religiosa se mostra como problema social.
Aquilo que Jorge Amado criticou em seu livro, ou seja, a separação nítida das raças, onde se coloca cada um em seu lugar, continua existindo. Ignora-se o fato de que não somos homogêneos, isto que nos concede graça como pessoas.
Por falar em graça, a religiosidade de um povo é retratada e enaltecida como algo legítimo e digno de respeito. Jorge Amado, ateu e comunista mostra ao leitor todo encantamento dos orixás, sendo necessário estar disposto ao aprendizado (para aqueles que não conhecem) e à tolerância (para aqueles que não são seguidores daquelas crenças).
Talvez o ponto alto desta obra (e de outras do autor) seja fazer o leitor manter a cabeça aberta e lançar luzes sobre os absurdos que a sociedade "branca" continua fazendo com o povo mestiço e preto.
Jorge Amado, enquanto político do Partido Comunista do Brasil, produziu feito grandioso ao criar lei na Constituição Federal, que garantiu a liberdade de culto religioso. Jorge Amado, enquanto escritor ateu, tentou cumprir um importante papel da literatura: transformar as pessoas.
O leitor percebe o realismo fantástico nas cenas, mas não consegue ridicularizá-las segundo sua ausência de crença, mas sim respeita aquilo, mesmo que lhe pareça estranho. Dessa forma, o livro consegue transformar o leitor, que ao fazer uma analogia com a vida fora do livro, entende a necessidade e a importância do respeito à individualidade de seus semelhantes.
Apropriando-me de uma linguagem simbólica, podemos dizer que Jorge Amado é a personificação do respeito; uma atitude tão corrompida em nossa sociedade, que paradoxalmente o exige, ao passo que não o pratica.


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Naty 11/03/2017

Rico em pormenores e super críico. Pena que não dou lá uma fã de Jorje Amado.
Esse livro é uma defesa de tese construída por Jorge Amado em forma de narrativa. Em todo o tempo, ele defende o misticismo, critica hierarquias sociais, critica posicionamentos tendenciosos e mentirosos da imprensa, além de, como em todos os seus livros, faz uma abordagem do universo da Bahia.
Primeiramente, quero dizer que não foi um livro que eu gostei ou que é fácil de ler. Na verdade, ele está mais para um compilado crítico de tudo o que Jorge Amado acreditava do que para uma leitura divertida. A linguagem do autor também fica um pouco mais densa e ele aborda o universo de duas épocas distintas simultaneamente. No entanto, nada disso pode negar a originalidade e a forma bem tramada como cada página foi escrita.
A seguir, destacarei diversos pontos e excertos interessantes desse livro:
-“Nesse território, a capoeira angola se enriqueceu e transformou: sem deixar de ser luta foi balé.”
-Em cada parte do livro, ele usa distintas vozes narrativas ou funções da linguagem, desde a referencial até a fática.
-“Como se aquela gente...visse no finado não um ser de carne e osso e, sim, um coorte de heróis e mágicos, tantas e tais façanhas lhe atribuem. Jamais consegui estabelecer o limite entre a informação, a invenção, a realidade e a fantasia”---Essa parte é bem interessante já que destaca a forma como as pessoas respeitavam e viam o famoso Pedro Arcanjo, mas não é só isso. Esse excerto é o comentário de um pesquisados que escreveu a biografia de Pedro Arcano para enviá-la ao estrangeiro ganhador do prêmio Nobel que evidenciou conhecer e admirar as obras de Pedro Arcanjo.
É engraçado perceber que, muito depois da morte de Arcanjo, ele foi relembrado, no entanto, não por ser valorizado em seu país, mas em países diferentes. É apenas a partir daí que suas obras começam a ser lidas e, até mesmo intelectuais que rejeitavam os ideais ali propagados, começam a elogiar e fazer cerimônias de celebração às suas obras.
No meio dessa parafernália de hipocrisia, o conteúdo da obra de Arcanjo acaba esvaindo aos poucos já que ele é transformado apenas em um marketing ou marco. A realidade da vida dele: pobreza, candomblé, luta pelo direito dos mulatos, etc são resignados ao segundo plano e ele vira mais um mote da indústria cultural. Ele, a desconstrução do tradicionalismo, a complexidade do pensamento, foi decomposto em míseras imagens irreais de realidade.
O exemplo mais absurdo dessa desconstrução de sua imagem foi sua utilização para o marketing de um restaurante. Dá para acreditar??? Alguns excertos que revelam mais do que eu acabei de explicitar são:
“Lendo-os, tinha-se a impressão de que o nome e os livros de Arcanjo jamais se encontraram na obscuridade e no anonimato de onde os foram tirar as citações de Levenson, e sim, em permanente evidência e brilho, proclamados aos quatro ventos. ”
“Pedro Arcanjo a serviço de refrigerante! É o fim! ”
-Um outro personagem que se destaca na obra é um professor da faculdade de medicina que é extremamente defensor dos preceitos tradicionais e fica enfurecido com a propagação de práticas que ele considera desrespeitosas à sua moral excludente, estamental e preconceituosa.
“Espumava o insigne cidadão e eu não lhe nego motivos para tamanha cólera. Dedicara sua existência a clamar contra a pornéia, a dissolução dos costumes, os maiôs, Marx e Lênin, o abastardamento da...última flor do Lácio, e que resultados obtivera? Nenhum...pornografia nos livros...Fidel Castro...desprezam as regras da gramática”
-Outro fator de grande peso na obra foi o conteúdo de um dos livros o qual apresenta a árvore genealógica das famílias da Bahia e suas diversas mestiçagens. Naquela época, a visão do branco como superior era muito forte o que gerou inúmeros embates dele com pessoas que não aceitavam ter ascendentes negros. Para ir ainda mais fundo, Jorge Amado já introduz aspectos mais contemporâneos como a valorização do dinheiro.
“...não há branco nem negro, há rico e pobre tão somente...o dinheiro embranquece”
- Jorge Amado ainda traz um relato bem interessante e preconceituoso de um jornal: “As gazetas protestavam contra “o modo por que se tem africanizado entre nós, a festa do carnaval, essa grande festa da civilização”...fracasso das grandes sociedades carnavalescas...”o que será do carnaval de 1902, se a polícia não providenciar para que nossas ruas não apresentem o aspecto de terreiros”. Nessa época, o espírito antipopular da imprensa via as manifestações culturais de extração africanas como bárbaras, um obstáculo ao avanço da civilização em terras bahianas.
- O amor livre também reaparece nessa bra também na figura de Arcanjo: “ Tudo o que é bom tem sua duração exata, tem de se acabar no prazo certo se quisermos que perdure para sempre”
-Quando Arcanjo foi transformado em “grande homem” e um jornalista leu a biografia que um dos personagens fez contando a vida dele na íntegra, o jornalista afirma algo muito interessante e que corrobora para reafirmar o que já expressei acima: “Meu caro porta, aprenda esta lição: um grande homem tem de possuir integridade moral e se, por acaso, transigiu e prevaricou, cabe-nos repô-lo em sua perfeição. Os grandes homens são patrimônios da pátria, exemplos para as novas gerações: devemos mantê-los no altar do gênio e da virtude”.
Em suma, Jorge Amado defende que a identidade negra não interessa ao Brasil e sim a identidade mestiça. Há outros pontos que não abordei como a história, em paralelo, de um amigo negro de uma família de brancos que se apaixona pela filha da família e só aí nós, leitores, conseguimos ver que o preconceito está em quem diz não ter preconceito. Ele podia até ser amigo de um negro, mas sua filha se casar com um nunca. No fim dessa trama paralela, esse menino acaba estudando e ficando muito rico, momento esse em que o problema vai diminuindo já que preto rico é branco, né?





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Eric Silva - Blog Conhecer Tudo 07/03/2017

Uma obra densa e fantástica pela sua qualidade crítica e engajamento político
Quinto livro da campanha do #AnoDoBrasil, Tenda dos Milagres é uma obra densa e fantástica pela sua qualidade crítica e engajamento político, bem como por sua importância que supera a monotonia de alguns de seus capítulos.

Já li alguns livros de Amado, entre eles Capitães da Areia, e pude atestar o quanto é politizada e crítica a sua obra, talvez isso seja uma das coisas que mais admiro no autor baiano. Contudo, tenho para mim que Tenda dos Milagres tenha sido, dos romances do autor que já li, aquele que revela este caráter crítico de forma mais contundente.

O livro abriga em si uma denúncia extensiva do racismo e da perseguição contra as religiões de matriz africana na Bahia do início do século XX. Aborda com humor, as vezes com asco e bastante realismo, como até mesmo a ciência era usada e descaradamente manipulada para justificar e comprovar cientificamente a inferioridade de negros e mulatos, justificando deste modo o ódio dispensado a estes grupos e a marginalização a eles imposta. Politicamente engajado, mulato, pobre e frequentador do terreiro de mãe Majé Bassan, Pedro Archanjo, personagem principal da trama, é em si a personificação de tudo que a elite soteropolitana mais desprezava, reunindo os elementos de ambas as discussões engendradas pelo livro, no entanto, mais do que isso, Pedro é um personagem que veio para quebrar estereótipos e tabus e o faz magnificamente bem.

Venha e confira a resenha completa no blog.
http://conhecertudoemais.blogspot.com/2017/03/tenda-dos-milagres-jorge-amado-resenha.html

site: http://conhecertudoemais.blogspot.com/2017/03/tenda-dos-milagres-jorge-amado-resenha.html
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Exusiaco 10/11/2015

Em nome e em prol da miscigenação e da cultura popular, a narrativa se faz um libelo e uma espécie de resistência contra os atropelos da civilização ocidental que, calcada no evolucionismo social e no determinismo de Taine, dentre outra teorias de cunho positivista, visava a descaracterizar e instrumentalizar as culturas ditas primitivas para melhor suprir seus fins colonialistas e de lucros capitalistas na vertiginosa implantação da ideologia industrial.

Narrado em dois tempos alternados, um no tempo de Pedro Archanjo, no início do século XX e outra no tempo do feitio da obra, no final dos anos 60, já em tempos de avanço crítico do marxismo com a escola de Frankfurt num contexto em que J. Amado já se afastara da ortodoxia marxista. A obra traz a descoberta por um intelectual e etnólogo estadunidense, vencedor do prêmio Nobel, da figura de Pedro Archanjo, um desconhecido bedel de faculdade que de forma autoditadata, através de árduas pesquisas produziu obras de grande interesse antropológico, ciência já não mais eivada de evolucionismo social, embebidas com idéias de Franz Boas, Malinowski, com suas pesquisas de campo e etnografias que desierarquizavam e igualavam quaisquer culturas em termos de superioridade ou inferioridade.

Com sua obras reconhecidas por um gringo de renome, Pedro Archanjo foi alvo de comemorações e oportunistas estocadas políticas e de marketing, concorrências entre a imprensa para melhor tirar proveito do baiano recém alçado em ilustre figura, com farpas de Amado também à sociedade de consumo. Num caldo já pós-moderno, jornais e marketing se valem da celebridade de Archanjo para suprir seus interesses mercadológicos, desvirtuando em muito a figura do intelectual baiano.

Toda a saga de Archanjo foi bem alinhavada por Amado de modo a fazer emergir a cultura do povo em meio ao Candomblé, à capoeira e à cachaça. A tenda dos milagres era um local, direcionado por Archanjo e Lídio Corró, um riscador de milagres na forma de pinturas, onde se convergia e se condensava todo o grosso da cultura popular baiana. Ali também era mantida custosamente uma gráfica em que eram impressas as obras de Archanjo, com poucos exemplares, grande parte enviada para grandes centros universitários do Brasil e do exterior cuidadosamente por Lídio Corró, daí a descoberta do aqui desprezado Archanjo pelo eminente antropólogo americano James D. Levenson.

A perseguição e repressão ao candomblé e à cultura negra e mulata em geral, considerada como degenerescência pelos guardiões da cultural ocidental oficial, foi bem explicitada, situada em forma de ovo da serpente que já se insinuava e se configurava com o nazismo e a idéia de raça pura que aqui também se refletia, personificada na figura do professor Nilo Argolo. É a versão de Amado para a civilização, o progresso e a barbárie. Ainda bem que o ovo da serpente aqui chocado, foi depois suprimido e o extremismo intolerante aqui não vingou, apesar de que muitos traços ainda continuam, não foram extirpados, permanecem em latência e podem retornar em novas formas de intolerância que se insinuam, diga-se bancada evangélica, de passagem. Uma histórica forte repressão aos terreiros de Candomblé da Bahia foi assim narrada, demonstrando, com a fuga de muitos de seus representantes e seus ogãs para o Rio de Janeiro, a configuração germinal do samba carioca.

As personagens, entre situações líricas e realismo mágico com interferências de orixás, foram construídas de modo a reconfigurar a idéia de família tradicional ocidental, tão caras à modernidade e às teorias psicanalíticas como o complexo de Édipo de Freud. Vejo isso no episódio da entidade iaba, uma espécie de "tinhosa" que não ama e não "gosa", que surge para desonrar Archanjo, um potentado sexual, visando converter sua genitália em torresmo. Pedro Archanjo Ojuobá, olhos de Xangô, foi por este protegido e, através de ebós e preparos herbáceos, vence a Iaba e esta se converte na pessoa de Dorotéia. Doróteía concebe um filho que é entregue para ser educado por Archanjo e Corró na tenda dos milagres. O menino Tadeu Canhoto se dedica em muito aos estudos, se forma em engenheraria, se casa com uma moça de familia rica e tradicional e obtém completo êxito na vida profissional. Isso é um golpe contra as teorias racialistas que consideram a miscigenação uma degenerescência e têm ressonância também na psicanálise e na construção da mente nos termos de neuroses e recalques a partir da idéia de família tradicional.

Jorge Amado intentou alçar as culturas amalgamantes formadoras do Brasil todas em pé de igualdade, em detrimento de um comando unilateral forçado em que se arroga a civilização ocidental.
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