Flávia Menezes 05/08/2021
?Direitos iguais para todos; privilégios para ninguém!?
Durante 55 anos, o primeiro manuscrito de ?O Sol é Para Todos? (livro que recebeu o Prêmio Pulitzer de Ficção em 1961, e deu origem a um filme homônimo vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado em 1962) foi mantido guardado em um cofre pela irmã da autora.
Após a morte dessa irmã detentora dos direitos das obras da autora, a advogada que a substituiu, encontrou o original, publicando-o para conhecimento do público. Foi assim que ?Go Set a Watchman?, que no Brasil foi traduzido para ?Vá, coloque um vigia?, foi publicado apenas em 2015.
Nesse livro, a história avança alguns anos, e a garotinha Jean Louise Finch é agora uma mulher na casa dos vinte e seis, vinda de Nova Iorque para visitar o pai, já bastante debilitado pela saúde frágil de um homem que já se encontra na casa dos setenta e dois anos.
A escrita de Harper Lee é simplesmente encantadora, e sua voz traz com muita propriedade as características do romance sulista norte-americano, com seus costumes, valores e a sua constante luta racial.
Enquanto ?O Sol é Para Todos? é um livro em que Jean Louise Finch, mais comumente chamada pelo apelido Scout, nos conduz pelo caminho da inocência e da pureza do olhar da criança, nos fazendo perceber que entre brancos, negros e pessoas acometidas por problemas psicológicos, no final, somos todos humanos, e merecemos viver a vida na mesma intensidade e com os mesmos direitos; em ?Vá, coloque um Vigia?, ela nos abre os olhos para a essência dos problemas raciais que marcaram (e acredito que ainda marquem!) a cultura norte-americana, especialmente em sua região sul.
Harper Lee nasceu e cresceu no Alabama, e por isso, tem muita propriedade para falar dos problemas raciais vividos por essa região. Além disso, sua formação em Direito trouxe uma discussão política riquíssima para a obra (essa parte é bastante educativa!). A forma como pai e filha se olham, cada um com a sua costumeira diferença geracional, e percebem haver uma ruptura, uma diferença na visão que possuem sobre os direitos humanos, é tão absurdamente tocante, que foi impossível não terminar esse livro em lágrimas (e ainda precisei de um tempo para me recompor, até conseguir escrever essa resenha).
Sobre essa parte, sobre a discussão da questão da visão dos brancos em relação aos direitos dos negros, é importante ler tentando ao máximo manter o seu juízo de valor de lado, para compreender como cada um pensa. Eu não consegui conter as lágrimas, porque enquanto a mais jovem defende a igualdade, o mais velho nos aponta a visão norte-americana dos brancos em sua essência mais bruta. E se suspendermos nossos julgamentos, é muito rico perceber os valores de cada um em sua essência mais pura.
Se em ?O Sol é Para Todos? as crianças e adolescentes, em especial, podem aprender sobre a essência dos direitos iguais, em ?Vá, coloque um vigia? podemos aprender sobre a beleza de quando os pais entendem que seus filhos não são uma extensão deles, e permitem que eles possam se desprender, e se tornar uma pessoa inteira, com suas próprias opiniões sobre a vida. Quanta riqueza em duas obras que foram escritas trazendo, praticamente, os mesmos personagens? Difícil pensar no poder da mensagem desses livros sem que meus olhos voltem a ficar repletos de lágrimas.
Para mim, ambas as obras da autora ganham um lugar de destaque em meu coração como alguns dos melhores livros que eu já li em toda a minha vida. E, se você quiser dar uma chance a beleza por trás da crueldade das diferenças raciais sulistas norte-americana, eu te convido a ler esses dois livros. E se eu puder lhe dar uma dica, comece primeiro por ?O Sol é Para Todos?, para posteriormente ler ?Vá, coloque um Vigia?. Além de perceber que lhe fará mais sentido, os ganhos na leitura são um pouco diferentes, e esse último traz o amadurecimento do que nos é apresentado no primeiro.
Obrigada, Harper Lee, por tão belas obras! Sem dúvida, uma das minhas autoras prediletas, estando no topo onde abaixo vem os nomes de Sue Monk Kidd (autora também de romances sulistas norte-americano), e Celeste Ng.