spoiler visualizarEuriano 09/12/2021
Encontros com Jesus
Assim, o melhor modo de descobrirmos a graça e o poder transformadores de Jesus é olhando para o que ele realizou nos principais acontecimentos da sua vida: no nascimento, no sofrimento no deserto e no jardim do Getsêmani, nas últimas horas com os discípulos, na morte na cruz e na ressurreição e ascensão. É por meio de seus atos nesses momentos que Jesus conquista, em nosso lugar, uma salvação que jamais conseguiríamos conquistar. Enxergar isso pode levá-lo da familiaridade com Jesus como mestre e figura histórica a um encontro transformador de vida com ele como redentor e salvador.
O VERBO
Os gregos acreditavam que o universo obedecia a uma ordem racional e moral, e a essa ?ordem da natureza? denominavam Logos. Para eles, o sentido da vida era contemplar e discernir essa ordem no mundo. Definiam a vida bem vivida como aquela que se conformava a essa ideia. João, autor do Evangelho, deliberadamente toma emprestado o termo filosófico grego Logos e diz o seguinte sobre Jesus:
No princípio era o Verbo (Logos), e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito existiria. A vida estava nele e era a luz dos homens [...]. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, pleno de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai (Jo 1.1-4,14).
A declaração caiu como um raio sobre o mundo dos filósofos da Antiguidade. Como os filósofos gregos e diferentemente de outros tantos contemporâneos, João afirma haver um telos, ou propósito, em nossa vida, algo para o que fomos feitos, que devemos reconhecer e honrar a fim de vivermos bem e com liberdade.
I) PRIMEIRO ENCONTRO - ESTUDANTE CÉTICO
Na época não havia universidades; se quisesse estudar, você se unia a um mestre. Havia muitos mestres espirituais, e muitos os seguiam e se tornavam seus alunos ou discípulos. Talvez o mestre mais ousado e avant-garde da época fosse João Batista. Bastante popular, tinha muitos seguidores e alunos dedicados. A história registra alguns deles: André, cujo irmão se chamava Pedro, e Filipe, que levou consigo o amigo Natanael.
Primeiro, quero chamar sua atenção para o problema de Natanael. Ele no mínimo é um esnobe intelectual, talvez até um sectário. Filipe o procura e diz:
? Quero que você conheça um novo rabino. Ele tem respostas para os grandes questionamentos da nossa época e vem de Nazaré.
Natanael debocha:
? Nazaré!?
Em Jerusalém, todos menosprezavam os galileus. Esse tipo de atitude é característico da raça humana.
Natanael não podia acreditar que alguém de um lugar como Nazaré tivesse as respostas para os grandes questionamentos do nosso tempo. ?Está me dizendo que ele tem as respostas e é de Nazaré? Hum, acho impossível.? Seus olhos reviram. ?Ele vem de lá? Mesmo??
Hoje em dia, muitos veem o cristianismo como Natanael via Nazaré. O cristianismo era de Nazaré na época e continua sendo hoje. As pessoas adoram revirar os olhos ante a ideia do cristianismo e suas afirmações acerca de quem é Cristo, do que ele tem feito e do que pode fazer em seu favor. Gente perspicaz e adequada diz: ?Ah, o cristianismo. Sei bem como é. Fui criado dentro dele, percebi muito cedo que não era para mim e já tenho minha opinião formada?. Portanto, Jesus continua sendo de Nazaré.
Desprezando o cristianismo, você decepa a principal raiz viva dos conceitos que provavelmente são grande parte de seus valores essenciais. Como observamos, o cristianismo deu origem a uma das ideias fundamentais da civilização pacífica, de que você deveria amar seus inimigos, não matá-los.
Sem o ensino do cristianismo de que o Logos é uma pessoa, ?a filosofia dos direitos humanos que subscrevemos hoje jamais teria se estabelecido?.
Outra visão proveniente da Bíblia, hoje considerada incontestável, é a de que se deve cuidar dos pobres. Na Europa pré-cristã, quando os monges difundiam o cristianismo, todas as elites consideraram loucura a ideia de amar os inimigos e cuidar dos pobres. Diziam que a sociedade ruiria, pois não é assim que o mundo funciona. Prevalecem os talentosos e fortes.
Deus sempre escolhe Nazaré, os improváveis:
Ter muitos filhos significava sucesso econômico, militar e, claro, que a probabilidade de perpetuar o nome da família estava garantida. Por isso as mulheres que não podiam ter filhos eram humilhadas e estigmatizadas. Contudo, ao longo de toda a Bíblia, quando Deus nos mostra como opera por meio das mulheres, escolhe aquelas que não podem ter filhos e abre-lhes a madre. São mulheres desprezadas, mas Deus as prefere às amadas e abençoadas aos olhos do mundo. Ele escolhe Sara, esposa de Abraão; Rebeca, esposa de Isaque; a mãe de Samuel, Ana; a mãe de João, Isabel. Deus sempre opera por meio de homens ou meninos indesejados, por meio de mulheres ou meninas indesejadas.
O que tornou a ética cristã exclusiva não foi o fato de Jesus e os primeiros cristãos serem gente muito boa, fazendo um monte de coisas boas para tornar o mundo um lugar bom para se viver. Essas ideias nunca fizeram sentido para as pessoas até elas entenderem a mensagem cristã sobre a natureza da realidade suprema e que essa mensagem está resumida no que a Bíblia chama de ?evangelho?.
A DIFERENÇA DO CRISTIANISMO
Todas as outras religiões e filosofias afirmam: ?Você tem de fazer alguma coisa para se conectar com Deus?, enquanto o cristianismo diz: ?Não, Jesus veio fazer em seu lugar o que você não podia fazer por si próprio?. Todas as outras religiões dizem: ?Eis as respostas para os grandes questionamentos?, ao passo que o cristianismo diz: ?Jesus é a resposta para todos eles?. Muitos sistemas de pensamento apelam para pessoas fortes e bem-sucedidas, pois agem diretamente sobre a crença de que, se você for forte e der duro o suficiente, vencerá. Mas cristianismo não é só para os fortes; é para todos, acima de tudo para aqueles que reconhecem que, naquilo que de fato importa, eles são frágeis.
O primeiro aspecto importante da história de Natanael é, então, o problema do orgulho e do desdém. Mas, além disso, apesar do seu deboche, ele demonstra uma profunda necessidade espiritual subjacente. Ele diz: ?Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?? (v. 46). Contudo, instantes depois apenas, já dizia: ?Rabi, tu és o Filho de Deus; tu és o rei de Israel? (v. 49).
MacIntyre argumenta que você jamais pode determinar se algo é bom ou ruim a menos que lhe conheça o telos. Por isso questiona, por exemplo: Com base em que você pode afirmar que um relógio é bom ou ruim? Precisa conhecer qual o propósito dele. Se eu tentar martelar um prego com meu relógio e ele quebrar, devo me queixar de que tenho um ?relógio ruim?? Claro que não; ele não foi feito para martelar pregos. Não é esse seu propósito. Seu propósito é me dizer as horas com um rápido olhar. O mesmo princípio deve ser aplicado à humanidade. Como dizer que alguém é bom ou mau sem saber para que essa pessoa foi criada, qual o seu propósito?
Ah, mas espere. E se você disser: ?Desconheço se existe ou não um Deus e não acho que os seres humanos foram criados para um objetivo específico?? Percebe o dilema agora? Se acreditar nisso, você nunca mais deverá falar em pessoas boas ou más. Se acreditar que não temos nenhum desígnio ou propósito e ainda disser acerca de algumas pessoas ?Elas não vivem direito, estão fazendo tudo errado?, você estará sendo incoerente e desonesto.
Tomé, discípulo de Jesus, após a ressurreição, diz aos outros discípulos: ?Não crerei que ele ressuscitou dos mortos enquanto não vir as marcas dos pregos em suas mãos e passar o dedo nelas?. Ao aparecer para Tomé, Jesus não diz: ?Como ousa me questionar??. Ele convida: ?Aqui está, veja. Agora pare de duvidar e comece a crer?. Em outras palavras, Jesus diz: ?Gosto do fato de você esperar ter motivos para crer em mim e lhe darei esses motivos porque você os procura de boa-fé?. Jesus não se opõe a que as pessoas pensem. Na verdade, ele insiste em que Natanael pense ainda um pouco mais.
NÃO É ACEITAR POR ACEITAR
Portanto, se você for cético em relação ao cristianismo, gostaria de que percebesse sua necessidade de chegar a um equilíbrio. Primeiro, manter-se cético para sempre é intelectual e moralmente contraproducente. Mas também, render-se ao primeiro conceito que você imagina que possa solucionar suas necessidades emocionais profundas não responderá a nenhum questionamento seu no final. Não basta voltar-se para o cristianismo pelo simples fato de ele satisfazer algumas necessidades percebidas. O cristianismo não é um bem de consumo. Você deve voltar-se para ele apenas se ele for verdadeiro.
II) O PRESTIGIADO E A MARGINALIZADA
MARGINALIZADA
Trataremos primeiro do encontro da marginalizada com Jesus, pois já de início ele mostra uma imagem do pecado que a maioria das pessoas reconheceria. O encontro com uma mulher junto a um poço é narrado em João 4. Jesus está viajando com seus discípulos por Samaria, fora da Judeia. Ao chegarem à cidade, os discípulos se dispersam com o intuito de conseguir algo para comer. Jesus está muito cansado e sedento. E na hora sexta, que é o meio-dia, no auge do calor, vai até um poço. Não tem como tirar água porque lhe falta um jarro. Mas então uma mulher solitária aparece para buscar água.
Ver João 4
Não nos parece incomum ver os dois conversando, mas deveria. Observe o choque da mulher pelo simples fato de ele lhe dirigir a palavra, pois judeus e samaritanos eram inimigos implacáveis. Séculos antes, a maioria dos judeus fora exilada na Babilônia por seus conquistadores. Alguns dos judeus que ficaram para trás se casaram com mulheres cananeias e formaram praticamente uma nova tribo, os samaritanos. Eles pegaram parte da religião judaica e parte da cananeia e criaram uma religião sincrética. Por isso os judeus consideravam os samaritanos racialmente inferiores e hereges. Esse é o primeiro motivo pelo qual a mulher se surpreende quando Jesus lhe dirige a palavra. Além disso, ainda pesava o fato de ser considerado escandaloso um homem mem judeu falar com qualquer mulher estrangeira em público.
E mais, a mulher saíra para buscar água ao meio-dia. Muitos estudiosos bíblicos chamam a atenção para o fato de que essa não é a hora em que as mulheres costumavam buscar água. Elas iam mais cedo, quando ainda não estava quente, de modo que pudessem ter água para as tarefas de manutenção da casa o dia inteiro. Então por que ela estava ali sozinha, no meio do dia? A resposta é: ela era uma marginalizada moral, uma completa intrusa, mesmo dentro de sua própria comunidade desprezada da sociedade.
Barreiras quebradas por Jesus:
- Racial (samaritana)
- Cultural
- Gênero (mulher)
- Moral (mulher de vários homens)
Quando Jesus pergunta pelo seu marido, o que Ele está fazendo? Certamente temos nessa mulher, com seu longo e sórdido histórico sexual, alguém que se enquadra no entendimento tradicional de ?pecador?. O intuito de Jesus é humilhá-la? Não; se isso fosse verdade, ele jamais teria quebrado as barreiras sociais da respeitabilidade e iniciado a conversa com ela com tanta gentileza como fizera.
Por que de repente Jesus parece mudar o assunto da busca por água viva para a história da mulher com os homens? A resposta é: ele não está mudando de assunto. Ele a provoca quando diz: ?Se quiser compreender a natureza dessa água viva que ofereço, você primeiro necessita entender como a tem buscado em sua própria vida. Vem tentando consegui-la por meio dos homens e não tem dado certo, não é? Sua necessidade de homens a está comendo viva, e isso nunca terá fim?.
Nesse ponto, chocada com a percepção e o conhecimento que ele demonstra sobre sua vida, a mulher responde: ?Senhor, és um profeta!?. Então, faz a ele um dos maiores questionamentos teológicos possíveis:
? Nós adoramos neste templo aqui, e os judeus adoram no templo em Jerusalém. Quem está certo?.
Nos versículos 21 a 24, Jesus responde com um parágrafo extraordinário que poderia ser resumido assim:
? Está chegando a hora em que não haverá a menor necessidade de um templo físico para se ter acesso a Deus.
Impressionada, ela responde:
? Quando o Messias vier, explicará todas essas coisas para nós.
Finalmente, Jesus solta a bomba:
? Sou eu, o que está falando contIvo.
PRESTIGIADO
Retornemos agora ao encontro que Jesus teve antes desse com a marginalizada. Em João 3, ele se encontra com um homem muito importante, um fariseu, líder religioso e civil - Nicodemos.
Ver João 3:1-7
Nicodemos é um líder civil, membro do Sinédrio, a assembleia da suprema corte dos juízes hebreus. Trata-se de um homem próspero, um fariseu devoto e reto; não se poderia encontrar religioso de maior boa-fé do que esse. De forma alguma ele poderia ser considerado alguém derrotado ou com problemas emocionais. Quando chama Jesus ? um jovem sem nenhum treinamento formal ? de ?rabi?, ele demonstra ser mais humilde e ter a mente mais aberta do que a maioria dos seus colegas. Portanto, em Nicodemos encontramos alguém admirável: dotado de autocontrole, bem-sucedido, disciplinado, correto e religioso, mas, mesmo assim, de mente aberta.
E o que Jesus diz? Com esse prestigiado ele emprega uma metáfora diferente da que usou com a marginalizada. Em vez de pressioná-lo por sua falta de satisfação (?Posso lhe dar água viva?), pressiona-o pela autossatisfação presunçosa (?Você deve nascer de novo?). O que você precisou fazer, Jesus pergunta, para nascer? Teve de dar duro para conquistar o privilégio de nascer? Aconteceu devido a um planejamento habilidoso da sua parte? Nada disso. Você não faz por merecer nem contribui com nada para nascer. É um dom gratuito da vida. O mesmo acontece com o novo nascimento. A salvação é pela graça; não há esforços morais capazes de ganhá-la ou fazer por merecê-la. Você tem de nascer de novo.
Uma coisa espantosa de se dizer a um homem como Nicodemos. Jesus está afirmando que cafetões e prostitutas de rua se encontram na mesma posição que ele, em termos espirituais. Lá está Nicodemos, abundante em realizações morais e espirituais; lá está alguém na rua, um sem-teto viciado ? e, aos olhos de Deus, ambos estão igualmente perdidos.
?pecado é procurar a salvação em outra coisa que não Deus. É se colocar no lugar de Deus, tornar-se o próprio salvador e senhor.?
religiosos falam constantemente sobre confiar em Deus; mas, se você acha que sua bondade de alguma forma contribui para sua salvação, na verdade você está sendo seu próprio salvador. Está confiando em si mesmo. E, embora nesse caso você talvez não esteja cometendo adultério, nem roubando ninguém, seu coração se encherá cada vez mais de tamanho orgulho, justiça própria, insegurança, inveja e rancor que você torna o mundo um lugar miserável de se viver para quem o rodeia.
Qual a solução? Precisamos parar de recorrer a falsas formas de salvação, aos pseudossalvadores. Se edificar sua vida em cima de uma carreira profissional, ou do cônjuge, ou do dinheiro, ou da moral, e eles fracassarem, não haverá esperança para você. Sabe por quê? Porque todos os outros salvadores exceto Jesus Cristo não são de fato salvadores. Se sua carreira fracassar, ela não o perdoará. Ela simplesmente o punirá com desprezo próprio e vergonha. Jesus é o único salvador que o satisfará, caso você o abrace, e que o perdoará, caso você falhe com ele. Sua carreira e seu desempenho moral, ao contrário, não podem morrer por seus pecados.
III) AS IRMÃS ENLUTADAS
O relato de João conta que Lázaro ficou muito enfermo e que sua vida estava por um fio. Maria e Marta mandaram buscar Jesus, mas Lázaro morreu antes que ele chegasse. Quando Jesus enfim chegou à casa dos amigos, encontrou todos de luto e o corpo de Lázaro já sepultado. O que ele fez a seguir é um dos incidentes mais famosos da história. Um dos mais esclarecedores também, mostrando-nos não apenas quem é Jesus, mas o que ele veio fazer.
Ver João 11:17-36
Marta se aproxima de Jesus e diz: ?Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido?. Instantes apenas mais tarde, Maria sai e diz a mesma coisa, palavra por palavra. Duas irmãs, a mesma situação, as mesmas palavras exatas. Surpreende, no entanto, constatar que as respostas de Jesus são nitidamente diferentes. Quando Marta fala, ele quase dá início a uma discussão. A mensagem dela é: ?Chegaste tarde demais?. Por sua vez, ele responde: ?Eu sou a ressurreição e a vida! Comigo, nunca é tarde demais?. O coração dela pende para o desespero, mas Jesus vai contra essa tendência. Repreende sua dúvida e lhe transmite esperança. Então vê Maria, que diz exatamente a mesma coisa, mas dessa vez a reação dele é oposta. Jesus não discute; na verdade, quase perde a fala. E, em vez de se colocar contra a tendência à tristeza do coração de Maria, deixa-se levar por ela. Coloca-se ao lado de Maria em sua dor. Irrompe em lágrimas e só consegue dizer: ?Onde ele está??. Ora, essas reações tão divergentes de Jesus são mais do que uma simples curiosidade contraintuitiva. Apontam não apenas para a profunda sabedoria relacional dele, mas para uma verdade ainda mais profunda acerca de seu caráter e identidade.
Nunca imaginaríamos esse ser divino deixando-se tragar pela agonia de Maria e pondo-se a chorar. Por que ele se mostraria tão forte em um minuto e tão vulnerável no minuto seguinte?
Acontece que essa não é uma história inventada. E o relato de João mostra de maneira dramática o que o Novo Testamento nos propõe em outro lugar: que Jesus é ao mesmo tempo verdadeiramente Deus e plenamente homem.
Existe, portanto, um forte desejo de retratá-lo como um sábio religioso entre muitos. Mas o ministro presbiteriano escocês John Duncan do século 19 (e, no século seguinte, o escritor C. S. Lewis) ensinava que as declarações de identidade divina feitas por Jesus inviabilizam a proposição. Os fundadores de todas as outras grandes religiões disseram: ?Sou um profeta que lhes mostra como encontrar Deus?. Jesus, por sua vez, ensinava: ?Eu sou Deus, venha me encontrar?. Isso significa que não podemos olhar para Jesus só como mais um mestre religioso suprindo a loja de sabedorias do mundo. Ou ele foi uma fraude, ou viveu iludido, ou era divino de fato. Duncan deu a isso o nome de trilema.
Ao constatar que não conseguem escapar ao trilema, as pessoas partem então para uma das opções que ele oferece: ?Está bem, vou fingir que concordo. Mas por que Jesus não poderia ter sido uma fraude consciente? Só porque era um mestre brilhante não significa que não fosse também um enganador?. Todavia, aqui é importante recordar que todos os primeiros seguidores de Jesus eram judeus e que os judeus do primeiro século tinham uma visão de Deus tão transcendentemente elevada que se recusavam até mesmo a escrever ou pronunciar o nome dele. Qualquer sugestão de que Deus pudesse tornar-se um ser humano de carne e osso e frágil seria violentamente condenada.
Precisamos refletir sobre o fato de que nenhuma grande religião conta com um fundador que afirme ser Deus, apesar de isso ter acontecido em algumas pequenas seitas de curta duração. A história registra casos de pessoas que enganaram a si mesmas e reivindicaram a própria divindade, mas elas nunca conseguiram tornar as próprias declarações críveis a não ser para um grupo restrito. Por quê? É impossível convencer os outros da sua divindade se você apresenta qualquer defeito normal do caráter humano: egoísmo, impaciência, raiva incontrolável, orgulho, desonestidade e crueldade. Sempre existem pessoas próximas o suficiente do pretendente a deus para enxergar todos esses defeitos e ver além da ilusão. E, se você acrescentar a isso o profundo ceticismo cultural e teológico do judaísmo, logo percebe que seria impossível convencer um grande número de judeus de que se é Deus; a menos que essa fosse mesmo a explicação mais sensata para os fatos.
Honestamente, todos precisam de um ministério da verdade e de um ministério de lágrimas em momentos diferentes. Às vezes sua necessidade maior é da verdade que estimula; você precisa ser sacudido por um amigo amoroso que diga: ?Acorde e olhe a sua volta?. Outras vezes só precisa mesmo de alguém que chore com você.
Às vezes impor a verdade a alguém em aflição é um erro absurdo, mas há ocasiões em que apenas orar com essa pessoa e não lhe dizer a verdade é igualmente errado.
A FÚRIA DE JESUS
Fico frustrado com quase todas as traduções inglesas do versículo 38. Lemos que ?Jesus, comovendo-se profundamente outra vez, foi ao sepulcro?. Mas o versículo contém um termo grego que significa ?urrar de raiva?. Por alguma razão, nenhum tradutor se sentiu livre para expressar o que todo comentarista e especialista em grego afirmam que o texto diz. Jesus ficou furioso.
Dylan Thomas tinha razão: ?Não mergulhe gentilmente nessa boa noite; raiva, raiva contra a morte da luz?. Jesus se enche de fúria contra a morte. Ele não diz: ?Olhe, habitue-se a ela e ponto final. Todo o mundo morre. Assim é o mundo. Conforme-se?. Não, ele não faz isso. Jesus olha firme para nosso maior pesadelo ? o fim da vida, a perda dos entes queridos e do amor ? e se exaspera. Fica louco com o mal e o sofrimento, e, mesmo sendo Deus, não fica louco consigo mesmo. O que isso significa?
Primeiro, significa que o mal e a morte são resultado do pecado, e não o desígnio original de Deus. Ele não criou um mundo repleto de enfermidades, sofrimento e morte. Mas você pode perguntar: se Deus está infeliz com o mundo do jeito que é, por que não aparece e muda tudo de uma vez por todas? Por que ele não vem à terra e acaba com todo o mal? Mas essas perguntas revelam falta de autoconhecimento. A Bíblia diz ? e no fundo nós sabemos disso ? que muito do que há de errado com o mundo está assim por causa do coração humano. Grande parte da miséria desta vida deve-se ao egoísmo, ao orgulho, à crueldade, à ira, à opressão, à guerra e à violência. O que significa que, se Jesus Cristo tivesse vindo à terra brandindo a espada da ira divina contra o mal, nenhum de nós sobraria para contar a história. Todos temos o mal e o egocentrismo enraizados em nosso interior.
Jesus sabia de tudo isso, é claro. Sabia que, se ressuscitasse Lázaro dos mortos, o sistema religioso tentaria matá-lo. Portanto, ele tinha consciência de que a única maneira de tirar Lázaro da sepultura seria colocando-se dentro dela. Sabia que o único modo de interromper o funeral de Lázaro seria conclamando o seu. Se pretendia nos salvar da morte, teria de ir para a cruz e carregar o juízo que nós merecemos. Por esse motivo, ao se aproximar do sepulcro, em vez de sorrir ante a perspectiva de encenar um grande espetáculo, Jesus tremia de raiva, e lágrimas lhe escorriam pelas faces. Ele sabia quanto lhe custaria salvar-nos da morte. Quem sabe sentisse as mandíbulas da morte se fechando sobre ele. Todavia, mesmo sabendo e vivendo tudo isso, bradou: ?Lázaro, vem para fora!?.
IV) A FESTA DE CASAMENTO
Em João 2 lemos que Jesus, sua mãe e alguns de seus discípulos haviam sido convidados para um banquete particular na cidade de Caná. Culturas muito antigas e tradicionais davam ênfase bem maior à família e à comunidade que ao indivíduo. Encontrava-se sentido na vida não na realização pessoal, mas sendo bom marido ou esposa, filho ou filha, pai ou mãe. O propósito do casamento não era a felicidade de dois indivíduos acima de tudo, mas a união da comunidade e o início da próxima geração.
Isso tudo significava que os casamentos e as respectivas festas tinham importância muito maior do que hoje. Cada evento desses representava uma festividade pública para a cidade inteira, pois o casamento tinha a ver com a comunidade, não só com um casal. Ao mesmo tempo, era também o maior acontecimento da vida pessoal tanto da noiva quanto do noivo. Era o dia em que atingiam a maioridade e se tornavam membros adultos plenos da sociedade. Não surpreende, portanto, que as antigas festas de casamento durassem pelo menos uma semana.
Faltar vinho em uma festa assim, não se tratava de mera quebra de etiqueta, mas de uma catástrofe social e psicológica, ainda mais em uma cultura tradicional de honra e vergonha.
Ver Jo 2:1-11
A chave para entender o sucedido está no último versículo. Não o chamaram de simples milagre, mas de sinal. O sinal é símbolo ou significante de outra coisa. Jesus não precisava exercitar seu poder nessa situação, mas foi o que fez. Ao fazê-lo, esse sinal se tornou ?o primeiro? por meio do qual ?ele manifestou a sua glória? ? sua verdadeira identidade ? às pessoas.
?Por que arquitetar ? como sinal inaugural da grande carreira de Jesus ? uma solução milagrosa para um simples descuido social??. Ninguém inventaria uma história dessas!
Primeiro, olhemos para o que Jesus trouxe a essa situação (e à nossa vida). No versículo 9, somos apresentados ao ?responsável pela festa?. Ele era basicamente um mestre de cerimônias, um coordenador. Sua função consistia em convocar as pessoas para celebrarem e certificar-se de que as condições dessa celebração estivessem todas em ordem. Ou seja: cabia a ele fazer uma grande festa. Quando Jesus transforma a água em vinho e salva o dia, você entende o que ele está dizendo? De certa forma, é como se afirmasse:
? Eu sou o verdadeiro mestre de cerimônias do banquete. Eu sou o Senhor da Festa. No fim, venho trazer alegria. Por isso meu cartão de visitas, o meu primeiro milagre, foi feito para fazer todos rirem?.
Sou ministro presbiteriano. O fato de eu dizer ?Jesus Cristo vem trazer alegria arrebatadora e profunda satisfação ao coração, não só depois, mas agora? pode parecer um pouco estranho para algumas pessoas. Os presbiterianos têm a reputação de ser fechados. Mas a Bíblia não me dá escolha. Você sabe o que ela fala sobre o último dia, no fim dos tempos? Jesus talvez estivesse pensando nisso naquele instante, no casamento. Em Isaías 25.6-8 está escrito: ?Neste monte o SENHOR dos Exércitos dará a todos os povos um rico banquete, banquete de vinhos envelhecidos; de comidas gordurosas com tutano e de vinhos envelhecidos, bem puros. Neste monte ele destruirá o manto que cobre todos os povos e o véu que está sobre todas as nações. Aniquilará a morte para sempre, e assim o SENHOR Deus enxugará as lágrimas de todos os rostos e tirará de toda a terra a humilhação do seu povo; porque o SENHOR o disse?.
Em O senhor dos anéis,4 de J. R. R. Tolkien, quando Sam Gamji acorda, após ter sido resgatado do fogo da Montanha da Perdição, e vê Gandalf ainda vivo, percebe o que aconteceu. Ele diz: ?Gandalf, pensei que estivesse morto. Mas também achei que eu estivesse morto.
Tudo que é triste deixará de ser verdade??. A Bíblia inteira ensina que, no fim, Jesus fará basicamente isso. Não seremos transportados deste mundo para o céu, mas o céu descerá no fim dos tempos para renovar este mundo. Toda lágrima será enxugada. Em essência, tudo que é triste deixará de ser verdade. É o que ele veio fazer.
TODOS NÓS PODEMOS FAZER O MAL
O problema, na verdade, é que todos somos capazes dessas coisas. Adolf Eichmann, um dos arquitetos nazistas do Holocausto, fugiu para a América do Sul depois da Segunda Guerra Mundial. Foi então capturado em 1960 e levado para Israel a fim de comparecer em juízo.
Mas precisavam encontrar testemunhas que o tivessem visto cometer os terríveis crimes contra a humanidade de que o acusavam. Precisavam achar quem o tivesse visto participar das atrocidades nos campos de morte. Uma dessas testemunhas materiais foi um homem chamado Yehiel De-Nur, que, chamado a depor, viu Eichmann dentro da cabine de vidro e não aguentou, caindo no chão em prantos.
Algum tempo depois, Mike Wallace, do programa de televisão 60 minutes, entrevistou De-Nur. Wallace lhe mostrou o vídeo em que ele caía e quis saber por que aquilo acontecera. Ele se sentira sufocado por lembranças dolorosas? Ou pelo ódio? Por isso desmoronara? De-Nur respondeu que não ? e em seguida disse algo que deve ter chocado Wallace e que deveria fazer o mesmo com quase todos os habitantes secularizados do Ocidente. Disse que fora dominado pela constatação de que Eichmann não era um demônio, mas um ser humano comum. ?Temi por mim mesmo [...] Vi que sou capaz de fazer a mesma coisa [...] Exatamente como ele?.
Hannah Arendt, observando Eichmann durante o julgamento, relatou à The New Yorker que de modo algum ele era um psicopata. Ele não demonstrava a menor raiva ou rancor. Em vez disso, era um homem comum com vontade de construir uma carreira. Arendt deu a isso o nome de ?a banalidade do mal?. O mal se esconde no coração de todos os seres humanos bastante comuns.
Jesus veio nos lavar disso, purificar-nos do que há de errado conosco, espiritualmente falando.
Afinal, como Jesus produz essa cura, essa purificação, esse perdão?
Ao ser questionado pela mãe sobre a falta de vinho ele responde abruptamente:
?Mulher, por que você quer me envolver nisso? Minha hora ainda não chegou?.
Maria diz: ?Que desastre. Ficaram sem vinho?. Ao que Jesus responde: ?Por que está me contando isso? Não estou pronto para morrer?.
O que ele tá dizendo é o seguinte:
?Sim, posso trazer alegria festiva a este mundo; posso purificar a humanidade da culpa e da vergonha. Vim ao mundo trazer alegria, mas, ó, minha mãe. Terei de morrer para isso?.
Assim, vamos parafrasear o que ele diz mais uma vez: ?Mãe, para ter o meu povo em meus braços, precisarei morrer. Para que meu povo beba o cálice da alegria e da bênção festiva, terei de beber o cálice da justiça, do castigo e da morte?.
Portanto, eis a resposta para a questão final. Como Jesus trará nossa alegria? Perdendo a dele por completo. Deixando com o Pai sua existência celestial. Levando uma vida solitária e incompreendida. Indo para a cruz e morrendo em nosso lugar.
Ele não veio para ser um bom exemplo acima de tudo. E fico contente por isso. Sabe por quê? Porque Jesus é bom demais! Ele é tão perfeito que, como exemplo, esmaga-nos no chão.
No entanto, vemos aqui que ele não veio para nos dizer como nos salvamos, mas para nos salvar. Veio para morrer, derramar seu sangue, tomar o cálice da maldição e do castigo a fim de que possamos erguer o da bênção e do amor.
V) O PRIMEIRO CRISTÃO
Seja para onde for que nos voltemos na Bíblia, lemos que todos os discernimentos, dons e consolações que Deus pode nos dar por intermédio de Cristo nos chegam pela fé. No entanto, há uma grande confusão acerca até mesmo do significado da fé cristã. Para compreender melhor esse conceito crucial, vamos dar uma olhada em outro encontro de Jesus Cristo narrado no Evangelho de João:
Ver João 20:1-18
Em nosso atual estado de sensibilidade espiritual e moral imperfeitas, ninguém traz em si a capacidade de produzir uma fé vibrante em Cristo. Portanto, a fé é impossível seja para qualquer pessoa sem uma intervenção ou ajuda externa.
No livro de Marcos vemos em várias passagens Jesus avisando que morreria e ressuscitaria. Todavia, apesar desses avisos, quando chega ao sepulcro de Jesus e vê a pedra rolada, Maria Madalena volta correndo na mesma hora e diz: ?Levaram o corpo dele?. Ela devia tê-lo ouvido prever a própria ressurreição com a mesma frequência que todos os demais. Por que então, ao ver o túmulo vazio, ela não raciocina: ?Ah! Ele disse que ressuscitaria! Será possível??. Não. Isso nem lhe passa pela cabeça.
AOS CÉTICOS...
Antes de mais nada, duvide de suas dúvidas. Seja cético acerca do próprio ceticismo. Por quê? Porque você precisa perceber que não é totalmente objetivo. Quem sabe você tenha um pai ou uma mãe bastante religiosos de quem não gosta muito. Ou pode ser que você tenha tido uma experiência ruim com um grupo incoerente e insensível de cristãos. Além disso, como observamos, poucas pessoas são capazes de considerar a possibilidade de abrir mão da liberdade sem um certo preconceito contra a ideia. Você receia que as declarações do cristianismo sejam verdadeiras ? tudo bem. Se formos sinceros, todos nós receamos. Você nunca será imparcial em relação às evidências se não admitir ser impossível atingir a imparcialidade perfeita. Então o que deve fazer em relação a isso? Para começar, poderia ir mais devagar, a fim de não ter tanta pressa de chegar a conclusões céticas. Também deveria reconhecer que, se verdadeiro, o cristianismo não é apenas um conjunto de princípios racionais e filosóficos a ser adotados, e sim um relacionamento pessoal no qual se envolver. Portanto, para levar a sério pelo menos a possibilidade de que ele seja verdadeiro, por que não considerar a possibilidade de orar? Por que não dizer: ?Deus, não sei se o senhor está por aí, mas sei o que é preconceito e estou disposto a desconfiar dele. Portanto, se o senhor estiver por aí e se eu for preconceituoso, ajude-me a vencer o problema?. Quebre o gelo entre você e Jesus; fale com ele. Ninguém precisa saber que você está fazendo isso. Se não estiver disposto a dar esse passo, imagino que não esteja disposto a admitir o preconceito com o qual todos começamos.
Nós não somos capazes de crer sem ajuda externa, sem a intervenção de Deus, sem Jesus vindo para ajudá-lo, como ajudou Maria, apesar de toda sua consternação. Veja bem, Maria não creu até Jesus ir ao seu encontro.
Na verdade, estar preocupado quanto a encontrar fé em Jesus pode ser um sinal de que ele já o está ajudando a chegar lá. Não somos capazes nem de desejar Jesus de verdade sem sua ajuda. O senso da ausência de Jesus pode ser um sinal de sua presença, de que ele já está trabalhando em sua vida. Como no caso de Maria, Jesus talvez esteja ao seu lado neste exato momento e você não consegue vê-lo.
Por que Maria, João e Pedro não acampam junto ao sepulcro 24 horas por dia? Se não conhece muito a cultura e a história do primeiro século, você ficará surpreso em saber que Jesus disse várias vezes: ?Ressuscitarei no terceiro dia?, e, apesar de toda essa repetição, vemos que no terceiro dia os discípulos não estão aguardando ansiosos em volta do sepulcro.
Se ler The resurrection of the Son of God, de N. T. Wright,2 o melhor livro já escrito sobre a ressurreição em no mínimo cem anos, vai perceber que nem os judeus, nem os gregos, nem os romanos consideravam possível a ressurreição corpórea de um indivíduo. Os gregos (e mais tarde os romanos) acreditavam que todas as coisas físicas, incluindo o corpo, eram fonte da fraqueza e do mal, e o espírito, a fonte da força e da bondade. Portanto, a salvação era a libertação da alma em relação ao corpo. Segundo essa visão, a ressurreição do corpo não seria algo desejável em absoluto. Que deus haveria de desejar fazer uma coisa dessas?
Ninguém ? judeu, grego ou romano ? cria na possibilidade de Deus levantar um indivíduo dos mortos bem no meio da história. Mais ainda, os judeus seriam o último povo da terra a acreditar que um ser humano pudesse ser o Filho de Deus, digno de adoração. Tinham aprendido a vida inteira que o ser humano não pode ser Deus. Professavam uma visão transcendente de Deus. Junte todos esses fatores e verá por que, para os judeus do primeiro século, a ideia da ressurreição de Jesus era simplesmente inconcebível.
Há nessa passagem outra evidência significativa de que esses relatos da ressurreição não são inventados. Quem é a primeira testemunha ocular? João, autor do Evangelho, nos conta que a primeira testemunha ocular da ressurreição de Jesus Cristo foi Maria Madalena, uma mulher. Todos os especialistas em Bíblia e historiadores lhe dirão que, na época, as mulheres não podiam testemunhar nos tribunais judeus ou romanos. Nessas culturas patriarcais, o testemunho de uma mulher era considerado indigno de confiança e, portanto, inadmissível como evidência. Isso quer dizer que, se você estivesse fabricando um relato de ressurreição a fim de promover uma religião ou movimento, jamais faria de uma mulher a primeira testemunha ocular. No entanto, nos relatos de Mateus, Marcos, Lucas e João, as primeiras testemunhas oculares da ressurreição são mulheres. A única razão com plausibilidade histórica para as mulheres aparecerem nos relatos ? não há motivo para os autores colocarem mulheres na história se o testemunho delas não era considerado confiável ? é que tudo deve ter acontecido assim. Maria só pode ter estado lá. Ela deve ter sido a primeira pessoa a ver Jesus Cristo. Não há outra razão para o autor dizer isso.
No momento em que Maria percebe que Jesus está vivo, ele a despede com a mensagem: ?... vai a meus irmãos e dize-lhes...?, e, em certo sentido, ela se torna a primeira cristã. Por quê? Bem, o que é um cristão? Aquele que crê na morte e ressurreição de Jesus dentre os mortos. Aquele que teve um encontro com o Cristo ressurreto. E, nesse momento, Maria é a única pessoa no mundo para quem tudo isso é verdade.
Ora, isso foi acidental? Acredito que não. Jesus poderia facilmente ter planejado tudo para que qualquer outro indivíduo fosse seu primeiro mensageiro. Ele a escolheu. E isso quer dizer que Jesus Cristo escolheu especificamente uma mulher, não um homem; uma paciente mental recuperada, não um pilar da comunidade; alguém da equipe de apoio, não um dos líderes, para ser o primeiro cristão. Será que ele poderia ser mais explícito? Com isso, ele diz: ?Não importa quem você é ou o que fez. Minha salvação não se baseia em linhagem, em conquistas morais, no talento bruto, em nível de esforço ou no registro de realizações. Vim não para chamar os fortes, mas os fracos. E não sou em primeiro lugar seu mestre, mas seu salvador. Estou aqui para salvá-lo não por sua obra, mas pela minha?. No instante em que compreende isso, no momento em que se vê no lugar de Maria Madalena, alguma coisa muda para sempre em sua vida. Você estará seguindo a primeira cristã.
Veja bem, o texto não nos diz apenas que a graça é a causa da nossa fé, mas que ela é seu conteúdo também. Se você crê que Jesus foi um grande mestre, que pode ajudá-lo e atender suas orações caso viva segundo seus preceitos éticos, você ainda não é um cristão. Isso é crença geral, mas não fé salvadora. A verdadeira fé cristã acredita que Jesus nos salva por sua morte e ressurreição, a fim de que possamos ser aceitos por pura graça. Evangelho é isso: as boas-novas de que somos salvos pela obra de Cristo através da graça.
Não existem duas pessoas que se acheguem à fé exatamente do mesmo modo. Lendo o capítulo inteiro, você vê que João, Pedro, Maria e Tomé (que se encontra com Jesus mais à frente, no capítulo 20) são todos abordados por Jesus de maneira diferente. Necessitam de quantidades diferentes de tempo. Não devemos presumir que todas as outras pessoas se achegarão à fé do mesmo modo que lhe aconteceu. Você deve reconhecer sua condição de pecador. Crer que ele morreu em seu lugar. Descansar na obra dele, em vez de nas próprias boas obras. Entregar-lhe sua vida em gratidão pela obra consumada. Mas são muitos os caminhos para esse tipo de fé.
VI) O GRANDE INIMIGO
Vejamos primeiro como a vida pública de Jesus se iniciou. Dois acontecimentos consecutivos prepararam-no para a carreira mais revolucionária de toda a história. Em três dos quatro Evangelhos, esses incidentes ? o batismo de Jesus e a subsequente tentação por Satanás no deserto ? são apresentados juntos, e creio que por um bom motivo.
Ver Mateus 3 e 4
Com exceção da crucificação, o batismo é o único acontecimento da vida de Jesus mencionado em todos os quatro Evangelhos. Ele é crucial. Mas só Mateus registra a cena da tentação em detalhes. E é importante reconhecer que o batismo e a tentação estão interligados pela palavra ?então?. Deus proferiu uma declaração poderosa de confirmação: ?Este é o meu Filho amado, de quem me agrado?. Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo Diabo. Então tem quase o efeito de um em vista disso. Depois de grande bênção e sucesso, veio a prova e a tentação.
ENTÃO...
E se levássemos uma vida correta, obedecêssemos a Deus e orássemos todos os dias, pedindo a ele para nos proteger de todo sofrimento e dificuldade?
E se você conseguisse ter fé em Deus sem vacilar? E se sua vida fosse agradável a Deus em tudo? Então, com certeza Deus o protegeria, e sua própria santidade e sabedoria o guardariam também. Tudo correria sempre bem em sua vida. Certo?
Errado. Porque aqui está aquele que fez isso. Deus, o Pai, acaba de dizer que a vida de Jesus é perfeitamente agradável a ele. Até o Espírito de Deus desceu sobre ele para guiá-lo. E veja o que lhe acontece. Jesus é amado, afirmado e capacitado por Deus, e então... Então, ele é conduzido às garras do Diabo. Portanto, eis a sequência: o amor e o poder de Deus, depois o Diabo, a tentação, o deserto, a fome e a sede terríveis. Extraordinária essa palavrinha então. É quase como se Mateus tentasse nos dizer: ?Leia meus lábios: ninguém está livre de provações e tribulações. Na verdade, é o que costuma acontecer com pessoas a quem Deus ama muito, pois isso faz parte do seu plano com frequência misterioso e bom para nos converter em algo grande?.
Aliás, tudo isso é para nos dizer que os amigos de Jó estavam errados. Você talvez lembre que, no livro de Jó, ele parecia levar uma vida exemplar até que tudo que poderia dar errado dá errado. Jó perde a família, toda sua considerável fortuna e a saúde. Vai para o deserto, por assim dizer. Os amigos vão visitá-lo, veem o que está se passando e, na prática, dizem o seguinte: ?Escute aqui, Jó. Nossa vida é o produto das nossas escolhas. Se escolher viver bem e do jeito certo, tudo dará certo e irá bem na sua vida. Se Deus o amasse, não permitiria que tais coisas acontecessem. Ele deve estar muito bravo com você e com as escolhas que você tem feito?.
A cena da tentação é só o começo, apenas o primeiro assalto da luta. Haverá uma progressão constante de rejeição, atentados contra sua vida, traição, pobreza, dor, perda, tortura e, por fim, a morte. Ele será julgado e executado em um ato de injustiça. Tudo dará errado para Jesus a partir desse ponto.
Acreditar que a bondade moral resultará em uma vida boa é também um entendimento simplista dos propósitos de Deus para nós. Dono de uma sabedoria infinita, ele consegue ver o fim desde o começo e tem bons propósitos para nós escondidos no lado mais distante do deserto.1 Assim como a paciência de Jó durante o sofrimento o transformou em um exemplo que tem ajudado centenas de milhares de pessoas e da mesma forma que as tentações de Jesus o prepararam para sua carreira transformadora da história e salvadora do mundo, igualmente o Espírito Santo nos conduz ao nosso deserto para o nosso bem.
A Bíblia diz que o mal é tanto natural quanto sobrenatural, que ele está tanto dentro quanto fora de nós, que é sistêmico tanto no sentido individual quanto social. Não há maneira humana de fugir por completo dele ou mesmo de conhecê-lo a fundo com nosso entendimento.
Pensando em termos históricos, são dois os principais rivais da visão bíblica que tentam explicar a natureza do mal:
1. Dualismo: que professa a existência de forças iguais e opostas do mal e do bem no mundo. Basicamente, a realidade repousa sobre o choque dessas duas forças, que seguirão guerreando até o fim dos tempos ou mesmo por toda a eternidade. Isso significa que não há triunfo possível. De acordo com essa visão, Deus não é nem um pouco mais poderoso do que Satanás.
2. Monismo/Panteísmo: Essa visão está no extremo oposto e afirma que toda a realidade é Una. Tudo faz parte de Deus, Deus é tudo e, portanto, no final, tudo é um com todas as coisas. Os vários ?eus? indivi-duais, segundo essa visão, são uma espécie de ilusão. Ou seja, o mal e o sofrimento não são eternos e invencíveis como no dualismo. Na verdade, eles nem existem, por isso poderíamos dizer que são uma ilusão.
No século 19, os pensadores seculares começaram a propor que, se você for um serial killer, essa condição se explica por você ser o produto de cuidados paternos deficientes, ou da pobreza, ou de algum outro tipo de privação. Isto é, alguma coisa precisava ter acontecido com você para levá-lo a assassinar alguém porque a maldade não é inerente aos seres humanos. O pensamento contemporâneo mais secular é relativista. O que parece ruim a partir de determinada perspectiva cultural, dizem, desaparece quando contemplado por outro ângulo. O terrorista de um homem é o lutador pela liberdade de outro. Portanto, o mal está todo no olho de quem vê. Olhando-o de modo diferente, ele desaparece. É uma ilusão.
Em o silêncio dos inocentes, de Thomas Harris, no qual o assassino monstruoso Hannibal Lecter conversa com a policial Starling e descreve as coisas ruins que fez. Ela então o encara e diz: ?O que lhe aconteceu para que você fosse capaz desse tipo de coisa? Quem lhe fez algo para que você se tornasse tão mau??. Hannibal olha para ela e responde: ?Nada me aconteceu, policial Starling. Eu aconteci. Você não pode me reduzir a um conjunto de influências. Você trocou o bem e o mal pelo behaviorismo, policial Starling. Vestiu em todo o mundo o traje da dignidade moral: nada nunca é culpa de ninguém. Olhe para mim, policial Starling. Tem coragem de dizer que sou mau??
Esse pensamento secularizado afirma que, caso você se livre da ideia do pecado, de Satanás e do mal cósmico, todo ato ruim terá raízes exclusivamente psicológicas ou sociológicas. E isso banaliza o sofrimento das vítimas e a magnitude do que aconteceu. Hannibal Lecter sabe que a policial Starling é o resultado do pensamento secular moderno, por isso sabe também que a pegou.
O cristianismo afirma haver mais mal no mundo do que aquele que você pode contabilizar apenas pelo efeito cumulativo das escolhas individuais erradas. E esse mal em parte pode ser atribuído a forças demoníacas reais.
Por outro lado, no entanto, o cristianismo não é dualístico. As forças demoníacas não são equivalentes a Deus. O demônio é um anjo caído à frente de anjos caídos e Deus é infinitamente mais poderoso.
Se sabemos quem é o inimigo, a segunda questão a ser considerada é: onde fica a linha de frente? O que as Escrituras nos relatam além do fato de que o Diabo existe? Elas nos revelam onde fica a linha de frente principal, o ponto de ataque mais visado. Observe que o Diabo repete várias vezes: ?Se és o Filho de Deus...?. Esse é o principal ataque que ele usa não só contra Jesus, mas contra nós também. Deus acaba de assegurar a Jesus que ele é seu Filho amado, e na mesma hora Satanás investe contra ele justamente nesse ponto. O Diabo pede a Jesus, em essência, que exija de Deus prova do seu amor e do poder de que o investe. Mas não é preciso pedir demonstrações, confirmações e provas, a menos quando se duvida.
Deus tentava nos levar a compreender o seguinte: Jesus não é apenas um bom homem que nos ensina a viver por meio de palavras e exemplos. Tampouco é um mero rei celestial que veio destruir todo o mal de uma só tacada. Como vimos, o mal está arraigado em nosso interior. Se ele tivesse vindo para acabar com todo o mal de imediato, teria nos exterminado. Em vez disso, ele é um rei que vem não para ocupar um trono, mas a cruz. Para ser tentado e julgado, para sofrer e morrer. Por quê? A fim de que possamos receber o amor de Deus como um dom. Como diz o hino: ?Perante o trono absolvidos nos postamos; / Seu amor satisfez a exigência de sua lei?.
Em relação aos que não creem no cristianismo, o inimigo procura mantê-los cegos para quem é Jesus de verdade. Deseja que creiam em Jesus como um homem especialmente bom. Quanto aos que pensam que creem no cristianismo, mas não entendem a salvação como um dom gratuito através de Cristo, Satanás espera mantê-los na ignorância do evangelho em si. Deseja ver essas pessoas confusas quanto ao fato de que somos justificados ? acertamos as contas com Deus ? pela fé só em Cristo, não por nossos esforços morais.
Vemos que Jesus não lida com Satanás de um modo que chamaríamos de supersticioso, mágico. Ele não o faz voar pelos ares com sua glória. Não estou dizendo que não existe possessão demo-níaca que não mereça uma palavra de ordem. Nos Evangelhos, é evidente, vemos Jesus fazendo isso em determinados casos. Em geral, contudo, Satanás não nos controla com marcas de presas na carne, mas com mentiras no coração. Vemos isso no relato sobre o jardim do Éden, quando Satanás tenta Adão e Eva. Ele não se aproxima usando todo tipo de efeitos especiais; ele sugere ideias ao coração que contradizem a palavra de Deus, contestam o caráter divino e destroem o relacionamento de confiança que temos com o Senhor.
Observe como Jesus usa a Bíblia. Essa é uma das mensagens mais evidentes da passagem. Ele emprega as Escrituras todas as vezes que é atacado pelo demônio. Essa estratégia, claro, se encaixa bem no que acabamos de dizer acerca da linha de frente. Satanás quer destruir nossa compreensão da verdade. Mais que isso, ele quer afetar as crenças do nosso coração. De acordo com a Bíblia, o coração não é apenas a base das emoções, mas também a fonte de nossos compromissos, esperanças e confiança fundamentais. E do coração flui nosso modo de pensar, nossos sentimentos e ações.
Jesus cita Deuteronômio 8.3, depois 6.16 e, por fim, 6.13. Mesmo morrendo na cruz, quando passava por sua mais profunda agonia, ele citou Salmos 22.1: ?Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?...?. Ao atravessar momentos de dor ou choque, o que sai da sua mente e boca é o que há de mais primário em seu ser. Quando Jesus viveu esses momentos, foram as palavras da Bíblia que vieram à tona. Perto de 10% de tudo que ele diz na Bíblia são citações ou alusões às Escrituras hebraicas. Conhecendo as Escrituras dessa forma, você processa todos os pensamentos e sentimentos por um filtro de revelação bíblica. Tendo as garantias, os chamados, as promessas e as revelações do próprio Deus guardados assim tão fundo em seu interior, torna-se extremamente difícil para Satanás conquistar uma base de operações e bloquear sua segurança da salvação. Você não está vulnerável na linha de frente onde ele melhor pode atacá-lo.
Agora preciso lhe perguntar: se Jesus Cristo, o Filho de Deus, não teve a presunção de enfrentar o mal no mundo sem um conhecimento profundo da Bíblia na mente e no coração, como poderíamos tentar enfrentar a vida de outra maneira?
VII) OS DOIS ADVOGADOS
Quando imaginamos a última noite de Jesus com os discípulos, em geral pensamos na Última Ceia, no cenáculo em que celebraram a Páscoa. Embora Mateus, Marcos e Lucas nos contem muita coisa sobre a Ceia, o Evangelho de João nem menciona o partir do pão ou o vinho sendo bebido ? não fala nada sobre essa refeição. Todavia, João nos dá mais informações do que qualquer outra pessoa sobre o que aconteceu ali aquela noite. Ele nos apresenta o que tem sido chamado de Discurso de Despedida de Jesus, uma fala longa, de três capítulos, seguida por uma oração majestosa que toma mais um capítulo. Ora, a pessoa prestes a morrer não fica cheia de rodeios nem saindo pela tangente. Ela diz as coisas que lhe parecem mais urgentes e mais importantes para seus ouvintes.
Ver João 14:16-27
Jesus fala aqui de várias coisas marcantes. Fala da vinda do Espírito de Deus para os discípulos, e qualquer um que já tenha lido as Escrituras hebraicas sabe que o Espírito de Deus é uma força no mundo que procede do Pai.
Jesus diz que o Espírito não é uma simples força, mas uma pessoa. Em grego, um gênero é designado aos substantivos ? masculino, feminino ou neutro ?, sendo que a palavra grega para ?espírito? é neutra.
Jesus o chama de ?outro consolador?, o termo grego nesse caso é paraklete, um substantivo. A forma verbal é parakaleo. Kaleo significa chamar ou direcionar alguém. Para significa acompanhar, sendo que o prefixo costuma ocorrer com o mesmo sentido em português, como em paramédico. Tem o sentido de ir junto a fim de servir de apoio.
A NVI em inglês traduziu como Advogado.
Jesus chama o Espírito de outro Advogado ou Conselheiro. Quem, então, é o primeiro? O único outro lugar no Novo Testamento em que a palavra paraklete é empregada encontra-se em 1João 2.1,2: ?... se alguém pecar, temos um Advogado [paraklete] junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo. Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos pecados de todo mundo?. Portanto, Jesus é o primeiro Advogado, e o Espírito, o segundo.
Quando a Bíblia chama Jesus de advogado, presume a existência do tribunal e o fato de que temos de lidar com ele, de nos apresentarmos diante dele. Essa é a primeira coisa que a palavra advogado sugere.
Agora vamos pensar no que um advogado faz por você. Se você for acusado de um crime e tiver de comparecer a um tribunal, o que seu advogado de defesa representará para você? Há um entendimento de que, perante o juiz, seu advogado de defesa é você. Como o teólogo Charles Hodge disse uma vez, na corte você desaparece em seu advogado. Se você gaguejar, mas seu advogado for eloquente, como a corte o verá? Como alguém eloquente. Se você for ignorante, mas seu advogado, brilhante, que impressão você causará na corte? que é brilhante. Em alguns casos, talvez não lhe peçam para falar ou nem mesmo comparecer pessoalmente ao tribunal. Seu advogado tomará o seu lugar, como um substituto. Portanto, que impressão você causa na corte? A impressão deixada por seu advogado, seja ela qual for. Se ele vencer, você vence. Se perder, você perde. Resumindo, você se perde nele, passa a estar em seu advogado.
Portanto, qual a função do primeiro Advogado? É dizer para o Pai: ?Veja o que fiz. Agora, aceite-os em mim?. Então qual a função do outro Advogado, a quem Jesus promete nos enviar, o Espírito Santo? Lembre-se de que jamais entenderemos a obra do segundo Advogado se não compreendermos a obra do primeiro.
O primeiro Advogado fala com Deus em seu favor, mas o segundo fala com você também em seu favor. Ao longo de todo o discurso de despedida, Jesus afirma o tempo inteiro que a obra do Espírito é tomar todas as coisas que ele, Jesus, fez em nosso favor.
O teólogo J. I. Packer explica que o ministério do Espírito Santo é muito parecido com o de um holofote. Ao passar por um prédio à noite, se ele estiver iluminado por um holofote, você dirá: ?Veja que belo prédio?. Talvez nem perceba de onde está vindo a luz. O trabalho do holofote não é se mostrar a você, mas revelar a beleza do prédio, deixar todas as suas características arquitetônicas em evidência.
O Espírito argumenta conosco, nos exorta, suplica e roga (boas traduções, todas elas, de parakaleo) para que vivamos de acordo com as realizações e realidades do amor de Cristo. Por isso Jesus diz que, por meio do Espírito Santo, ele enfim se manifestará a seus amigos (Jo 14.21), que o verão e conhecerão sua presença amorosa.
Você percebe a implicação disso? Os apóstolos não conheceram Jesus de verdade ? nem poderiam ? até ele ir embora corporalmente e retornar por meio do Espírito Santo. Isso é muito encorajador para os cristãos. Por exemplo, é natural para nós acharmos que seria melhor ter vivido na época de Cristo, conhecê-lo em pessoa, ouvi-lo com nossos próprios ouvidos e vê-lo com nossos próprios olhos. Talvez você creia que poderia conhecê-lo melhor dessa maneira do que o conhece agora ? mas, nesse caso, você está enganado. Antes de Jesus morrer, o Espírito Santo não fora liberado no mundo desse modo poderoso, e só se pode conhecer Jesus plenamente através da influência do Espírito, quando ele lhe mostra, à sombra da cruz, o quanto o seu amor por nós é alto, longo, amplo e profundo. Em outras palavras, bem aqui e agora, mediante o Espírito Santo, você consegue ver Cristo e conhecer sua presença e seu amor melhor do que os apóstolos naquele momento no cenáculo.
VIII) O MESTRE OBEDIENTE
Algo aconteceu no Getsêmani que pede uma explicação mais aprofundada. Talvez em nenhuma outra parte da Bíblia tenhamos um olhar mais penetrante da vida interior, da motivação e da experiência de Jesus. A cena lança muita luz sobre como e por que ele morreu e sobre como deveríamos responder a esse fato, tanto quanto qualquer outra porção dos relatos dos Evangelhos, incluindo as narrativas da crucificação.
Ver Mateus 26:36-38
Mateus registra as palavras de Jesus: ?A minha alma está tão triste que estou a ponto de morrer?. Ele experimentava uma agonia interna e mental tão insuportável que tinha a impressão de que a dor já bastaria para matá-lo bem ali, de imediato.
De acordo com Marcos, Jesus se surpreendeu com sua dor. Marcos usa o termo grego ekthambeisthai, que quer dizer ser transportado para um ?intenso estado emocional devido a algo que causa grande surpresa ou perplexidade?.1 Algumas traduções diminuem o impacto do sentido pleno dessa palavra, vertendo-o para ?angustiar-se? apenas.
Mateus, Marcos e Lucas quisessem inventar ou embelezar a vida do fundador da fé que professavam, será que o retratariam lutando diante da morte iminente com mais desespero do que seus seguidores?
Qual é a razão, nesse caso, da magnitude da agonia e do pavor de Jesus face à própria morte? A resposta é: sua morte era diferente da que qualquer outra pessoa já enfrentara ou viria a enfrentar.
Ver Mateus 26:39-44
Mateus, Marcos e Lucas, todos eles mencionam ?o cálice? como o cerne da oração de Jesus aquela noite. Na antiguidade, o cálice era como a cadeira elétrica. Pense na maneira como Sócrates foi executado: bebendo um cálice de veneno. O ?cálice? não representava todo tipo de morte, mas apenas a ordenada em juízo.
Na Bíblia, ?o cálice? refere-se também à justa ira do próprio Deus contra a injustiça e a prática do mal. Em Ezequiel 23 lemos: ?... Beberás [...] do cálice de pavor e de assolação [...] mutilarás teus próprios seios...? (v. 32-34). Em Isaías 51.17 lemos sobre aqueles que bebem do ?cálice da sua [de Deus] ira; [...] da taça do atordoamento?. A razão pela qual Jesus Cristo não morreu tão graciosamente quanto os futuros mártires cristãos é porque eles não tiveram de enfrentar um cálice. Quando o próprio Jesus fala do cálice, mostra saber que está diante não só da tortura física e da morte, mas prestes a provar toda a ira divina contra o mal e o pecado da humanidade inteira. A ira justa de Deus está prestes a se abater sobre ele, em vez de ser desferida contra nós.
O julgamento de Deus na Bíblia é incrivelmente justo. É uma consequência absolutamente natural. A essência do pecado é: ?Não quero Deus na minha vida?. E a essência da ira justa de Deus é dar-nos o que pedimos. A verdade é que não há nada mais justo que isso e nada mais terrível.
Como diz C. S. Lewis em The great divorce,3 se nesta vida você nunca disser a Deus ?Seja feita a tua vontade?, por fim Deus lhe dirá, para toda a eternidade: ?Está bem, seja feita então a tua vontade?. Se você quer liberdade de Deus, nada mais justo que receba aquilo que espera. E será um tormento.
Se perdesse o amor dos meus filhos ou da minha esposa, seria infinitamente mais doloroso. Quanto mais antiga, mais profunda e mais íntima a relação de amor, mais queima a dor quando o relacionamento é rompido. Mas o perfeito relacionamento de amor do Filho com o Pai está tão além do meu relacionamento de amor com minha esposa quanto um oceano está distante de uma gota de orvalho. E é isso que Jesus está perdendo.
O Evangelho de Lucas afirma que Jesus estava literalmente ?em agonia? (do grego agonia, traduzido pela Almeida Século 21 como ?angústia?) e acrescenta que, ao orar, seu suor abundante era ?como gotas de sangue?. Isso pode significar que houvesse suor em seu sangue, uma vez que pessoas em grande trauma podem sofrer o rompimento de vasos próximos à superfície da pele, fazendo com que o sangue se misture à transpiração. Ou pode significar que os rios de suor eram como o sangue que logo estaria sendo vertido e escorrendo por seu corpo. De um jeito ou de outro, ele está no seu limite. Começa a experimentar a incrível agonia de ser afastado do Pai, de tal forma que cai no chão e suplica: ?Não permita que aconteça uma coisa dessas?.
Jesus não só morreu a morte que nós deveríamos ter morrido como resultado de recebermos sobre nós a maldição da lei, como também viveu a grande vida de amor e fidelidade que nós deveríamos ter vivido a fim de merecer a bênção de Deus. Ninguém jamais amou a Deus com toda sua alma, mente e força ? ninguém jamais amou seu próximo com amor perfeito, pleno e sacrificial ? a não ser Jesus. O que uma vida como essa merece? A mais elevada bênção e honra, o mais elevado louvor da parte de Deus. O pleno amor e deleite de Deus. E porque Jesus não só cumpriu a lei de Deus passivamente, mas ativamente ? em nosso lugar, como nosso substituto ?, ele não apenas recebeu a punição por nós merecida, mas nós recebemos o prêmio de Deus que ele merecia. Trata-se de uma salvação completa e espontânea, cheia de graça sobre graça.
Só uma vez Deus falou a um ser humano o que disse para Jesus. Para o primeiro Adão a ordem foi: ?Obedeça-me acerca da árvore e eu o abençoarei?, e Adão não o fez. Mas para o segundo Adão ele fala: ?Obedeça-me acerca da árvore e eu o esmagarei?, e Jesus o fez. Ele é a primeira e a última pessoa na história a quem foi dito que a obediência traria maldição. Em essência, o Pai o adverte: ?Se me obedecer, se for fiel a mim, eu o desampararei, eu o rejeitarei e mandarei sua alma para o inferno?. E, apesar disso, Jesus obedeceu. Mesmo quando estava morrendo, abandonado pelo Pai, ele o chamou de ?Deus meu?, palavras que na Bíblia traduzem uma linguagem de aliança e transmitem intimidade. Embora estivesse sendo abandonado, Jesus continuou obedecendo.
Portanto, Jesus é um grande modelo de vida, oração e relacionamento com as pessoas. Mas lembre-se de que, se ele for só um modelo para nós, então não nos serve de incentivo algum, pois ele é bom demais. Ninguém seria capaz de viver à altura do padrão estabelecido por ele. Jesus veio não só para servir de modelo, mas para ser um salvador. Transforma-nos por dentro para que possamos, lenta mas seguramente, ser conformados a sua imagem. Não nos diz apenas como viver; dá-nos o poder para viver desse modo. O paradoxo é que só se o virmos como um substituto, em vez de como um modelo, conseguiremos de fato ter a capacidade de viver de acordo com seu exemplo.
Muitas vezes, depois de fazermos alguma bobagem, percebemos, refletindo no assunto, que tentávamos salvar as aparências, lutando por reputação e aprovação. Em outras palavras, tentávamos nos afirmar, fazer-nos belos, importantes e justos, embora não utilizássemos esses termos. Tentávamos sentir-nos importantes e decentes, em vez de deixar Jesus carregar o peso da significância. Se compreendêssemos de verdade como Deus nos vê em Cristo, poderíamos enfrentar a desaprovação e o fracasso sem perder o equilíbrio.
XIX) A DIREITA DO PAI
Chegamos agora ao último ato de Jesus na terra: sua ascensão à direita do Pai no céu ? talvez o mais enigmático de todos esses acontecimentos marcantes. Enigmático em primeiro lugar, é claro, para os discípulos que o testemunharam. Deve ter sido o milagre visualmente mais inesperado de todos os que o viram em primeira mão.
Ver Atos 1
Mas a ascensão também é enigmática para nós. E, para nós, a questão é menos ?O que aconteceu?? e mais ?Por que aconteceu??. Que diferença ela faz para o estado da nossa alma e para o modo como vivemos? Com certeza faz sentido que, se houve um ?descer? na encarnação, houvesse também um ?retornar? na ascensão. Mas não é evidente que a ascensão faça diferença em nossa salvação ou na maneira como vivemos.
Na verdade, faz uma diferença enorme. Quando compreendida, a ascensão passa a ser um expediente importante e insubstituível para vivermos no mundo, um recurso que nenhuma outra religião ou filosofia de vida oferece.
O que é ascensão?
Comecemos pensando no que a ascensão não é. Ela não é Jesus deixando a superfície da terra apenas. Não tem tanto a ver com ele indo para o firmamento, mas para o céu do Senhor. Lembra-se do que afirmou o premiê da União Soviética em 1961? Seu astronauta subira ao céu e não vira Deus, portanto ele não devia existir. Isso revela um entendimento da ascensão ao céu basicamente como uma mudança de altitude, de modo que Cristo e o Pai estariam em algum lugar do espaço interplanetário. Ora, a Bíblia fala, sim, sobre ?os céus?, como quando o salmo 19 diz que ?os céus [o sol, a lua e as estrelas] proclamam a glória de Deus? (v. 1). Mas Jesus não foi para o céu das estrelas e dos planetas, mas para o Céu com C maiúsculo. E isso é muito mais do que uma órbita no espaço sideral.
A ascensão no espaço simbolizou a elevação em autoridade e relacionamento. Jesus esboçava no mundo físico o que estava acontecendo cósmica e espiritualmente.
E o que estava acontecendo? Ele estava seguindo, agora como o único Deus-homem ? plenamente humano e divino ?, para tomar seu lugar como novo rei e cabeça da raça humana. Esse é o ponto em que a teologia cristã consegue nos empurrar para além dos limites de nosso pensamento e imaginação
Sua natureza continua humana, mas agora submetida a uma transformação. De modo que temos aqui um retrato de nosso futuro. Paulo escreve que Jesus é ?o primeiro entre os que faleceram? (1Co 15.20). Os que creem nele no devido tempo serão ressuscitados com ele. Teremos corpos humanos, que serão regenerados e aprimorados para o que éramos antes de o pecado e o mal nos esmagarem. Nossos corpos não estarão sujeitos à deterioração ou à morte. É evidente que também contarão com muitos poderes e sentidos que hoje não somos capazes de imaginar.
Jesus continua fazendo tudo que fazia antes, mas agora, depois da ascensão, o acesso ao que ele faz acontece para todos, em qualquer lugar e ao mesmo tempo. A ascensão não significa a perda de sua intimidade, liderança e advocacia, e sim o aumento e a disponibilidade infinita de tudo isso.
Para dizer a mesma coisa em termos teológicos, Jesus está agora (do céu