DESATIVADO 11/09/2017Surpreendente! Reflexivo. Recomendo! Blog: Livros, Séries e Arte Mania.
"Até que ponto uma mulher pode se deixar levar pelo desejo?"
A sinopse diz tudo da essência dessa história. É de fato ousada, sedutora e principalmente perturbadora, pois nos faz sair da zona de conforto (o que é muito importante para nós leitores fazermos).
Confesso que não sou muito de ler romances, mas este livro foi uma grande indicação de uma amiga. Além de ser uma obra nacional, as quais eu procuro sempre conhecer.
A escrita da autora é fluída, delicada e prende ainda nas primeiras páginas. Ela consegue retratar bem a tensão inicial que nos é apresentada através de Flashforward (uma interrupção na narrativa pela interpolação de eventos ocorridos posteriormente) e Flashbacks. E quando digo tensão inicial é para valer. A autora não mediu pudores e nem tentou botar um véu em cima do que muito se aconteceu no passado e ainda acontece nos dias de hoje, estou falando da violência doméstica.
Assim como também soube abordar diversos outros assuntos como: o machismo, casamento arranjado, abuso sexual, abuso sexual na adolescência, estupro, tortura, liberdade sexual (que inclui prazer, desejo, homoxessualidade e escolhas diferentes do convencional), amizade, amor, família, traição, etc.
O livro é dividido em três partes bem específicas: 1 - A dor; 2 - O prazer; 3 - O amor. Na primeira, conhemos Glória, uma mulher de aproximadamente 17 anos, que vive em São Paulo no século XX. Glória é religiosa, bastante inocente e alienada não só aos dogmas, mas também aos costumes da época. Seu pai decide arranjar um casamento para ela, que seja vantajoso financeiramente para a família, sem nem ao menos se preocupar em conhecer o pretendente, se é ou não uma pessoa de boa índole, sabendo-se apenas que era de uma suposta boa família e que tinha grandes propriedades relacionadas a lavroura de café. O que era normal antigamente... Mas da forma como a autora conta nos faz refletir sobre o assunto, pois uma coisa é saber o que acontecia e ainda acontece em vários países sobre o casamento arranjado, outra coisa é ler e se deparar com essa realidade tão crua como foi apresentada e as possíveis consequências que contratos (pois não se podem dizer que são realmente casamentos como nós vemos hoje) assim podem trazer, imagina vivenciar ou ter vivenciado tudo isso!
“Não fez nada que possa ter provocado seu marido a ponto de levá-lo a cometer esses atos tão bárbaros?”
“Por que é tão difícil acreditar que o problema estava nele e não em mim?”
Esta citação acima demonstra bem como as mulheres eram tratadas no passado, o que me chocou até mais que a violência retratada nesse livro foi a total impotência da mulher daquela época. Sou feminista e não suporto não ser ouvida ou poder realizar algumas das minhas vontades, mesmo que singelas. Me agustiava muito ver como a Glória é sujeitada por uma sociedade totalmente bitolada e machista. E o pior não é só a visão exterior, mas o interior, a falta de ação da protagonista em relação ao que lhe acontecia por ter tido uma educação conservadorista e pensar como a maioria; os pensamentos um tanto levianos que ela tinha quando se esperava dela uma ação diferente. Porém entendi, entendi como é ter uma mente alienada numa cultura assim, entendi como é sofrer e não ter voz, como é sentir e não poder ter o que se deseja. Isso é o espetacular da obra, é te fazer ver com outra cabeça, é te chocar a ponto de você sair do seu mundinho de conforto que costumamos nos refugiar. Parabéns Veridiana! Parabéns a literatura nacional! E por mais livros assim! Por mais livros que fujam da receita do comum.
Quando Glória se casa com Erasmo ela acredita que pode ter sim um casamento próspero. Quando ela não consegue engravidar, depois de já mais de um anos de casamento, Erasmo começa a tratá-la pior ainda do que a tratou no começo do casamento. E quando ele descobre sobre o relacionamento de Glória com uma família de libertinos a situação da personagem desanda. A tal família libertina é a família de Marisa, amiga de infância de Glória que se casou com um homem rico, influente, o qual pôde escolher e que compartilhava dos mesmos príncipios libertinos que ela. É onde entra a segunda parte do livro, o prazer, em que a protagonista vivenciará um extremo contraste do que estava acostumada e do que pensava. Ela pôde depois de todo o sofrimento, tentar se curar, se abrir para o desejo e seus sonhos. Mas como toda boa história, nem tudo é como aparenta ser, quando menos se espera a autora joga um plot "bem na nossa cara". E isso acontece durante todo o livro, não temos a chance de perder a empolgação pela leitura, não é só repleto de debates como também tem toques de humor, erotismo, sensualidade e outros. Para quem curte algumas cenas hots em romances de época ficará bastante satisfeito(a), já para quem não curte muito, pode ter a mesma sensação que eu tive e tenho com essas cenas e nada melhor que um trecho do meu histórico de leitura para entender isso:
"(...) Como não estou acostumada com o gênero, não sei exatamente que críticas fazer. Pois quando um livro tem cenas Hot, as vezes me sinto lendo algo bastante irreal. Irreal porque todas as cenas de livros hot na maioria para mim são completamente deslocadas. Talvez porque eu não aprecie o gênero... Mas certas vezes é estranho na história. Tipo, na primeira vez que o casal se relaciona, consigo sentir a verdade e o contexto, mas vai indo, dentre as séries de coisas que vão acontecendo com a protagonista, não entendo como uma pessoa no estado que ela se encontra, fisicamente e psicologicamente falando, possa ser tão suscetível e assim vai."
Pode não parecer, depois de todo esse texto, mas o livro também é sobre uma história de amor (que não darei detalhes, claro!). E isso evolui de uma forma muito bonita no livro, podendo ser previsível para alguns leitores e para outros surpreendente.
"Antes que os olhos se fechem, a coisa mais linda que se pode dizer é "eu me permiti". Não é "eu me reprimi."
A mensagem final da obra é sobre valorizarmos e amarmos a nós mesmos, sendo donos de nós e dispostos a encararmos barreiras e dificuldades pelo que amamos ser, fazer e ter. Sermos donos também de nossas escolhas, sem preconceitos e conceitos.
"Infelizmente, memórias não podem ser reescritas, mas o fato de ter uma lembrança boa já ameniza a ruim, equilibra a balança. Isso faz parte da cura."
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