Renan Barcelos 30/01/2016
Um Financiamento de Sucesso, Uma Obra Ainda Melhor
Das muitas histórias em quadrinhos colocadas em financiamento coletivo em 2015, Pétalas foi certamente uma das que conseguiu chamar mais atenção – e financiadores – para o seu projeto. Sendo a terceira obra de Gustavo Borges, que cuidou da arte e do roteiro, e levando as cores de Cris Peter, já veterana na indústria dos quadrinhos, a HQ arrecadou mais de 1000% da quantia modesta que precisava para ser financiada.
Não é difícil entender o motivo do sucesso do financiamento. A arte sensível de Gustavo Borges chama tanta atenção na página do projeto que o interesse pelo projeto pode surgir simplesmente vislumbrando as amostras da HQ que despontam do texto que explica a ideia. No entanto, estivessem rascunhadas ou em preto-e-branco, certamente não teriam todo o efeito quando combinadas com o trabalho de Cris Peter, que consegue imprimir uma personalidade única ao ambiente e ao personagem antropomorfo da Raposinha.
A premissa da história é simples. Em um inverso rigoroso, uma família de raposas – um neto e um avô – tem dificuldades para garantir a sua sobrevivência. Nesse ambiente hostil e repleto de uma brancura que a colorista transforma tanto em bela quanto opressiva, um estranho pássaro, que busca fugir do rigor do frio, encontra-se com a Raposinha e, em sua breve passagem, marca a sua vida.
Á primeira vista, o roteiro poderia ser algo passável, com a HQ valendo apenas pela sua arte primorosa. No entanto, nas poucas páginas que compreendem esse conto, é possível encontrar uma história sincera e tocante sobre altruísmo, bondade e amizade. E é justamente a figura do Pássaro, um desengonçado misto de mágico, viajante e curandeiro que chama mais atenção. Mesmo sem palavras, o personagem conquista facilmente o leitor em seus esforços e cabriolas para animar e ajudar a Raposinha. Esbanjando fofura e simpatia, é difícil não gostar da dupla que protagoniza Pétalas.
Além do risco de se escrever sobre temas de tamanha sensibilidade sem parecer piegas ou um arremedo de autoajuda fajuto, Pétalas ainda precisou vencer outro desafio. Gustavo Borges decidiu que a melhor forma de sua história ser contada, era com a ausência de palavras. Uma resolução perigosa, que poderia acabar por não conseguir cumprir com satisfação e então acabar com um material insatisfatório.
No entanto, tal escolha narrativa foi realizada com maestria. A composição, a arte e a sequência dos quadros conseguem passar muito bem tanto a história quanto os sentimentos e até mesmo ponderações do personagem. Sem ter o apoio de diálogos, cada um dos quadros precisou provavelmente de um processo meticuloso para que passassem exatamente a ideia necessária para a história avançar e se criar uma coesão narrativa.
No fim das contas, a ausência de palavras entre os personagens se mostrou uma benção de outra forma. Lidando com temas tão sensíveis, a mesma história, usando os mesmos quadros, mas apresentando diálogos, poderia tornar-se piegas a ponto de não ser levada a sério. Felizmente, Gustavo Borges mostrou-se mais do que capaz de apresentar uma obra de qualidade e desafiadora. Certamente um grande acréscimo à sua carreira.
A edição de Pétalas não conta apenas com a história, mas traz extras interessantes sobre o processo de produção, tanto da parte de Gustavo Borges quanto da de Cris Peter. É curioso ver comentários sobre as dificuldades de se escrever uma HQ sem diálogos, além de ser muito instrutivo vislumbrar as etapas do trabalho da colorista. Esses comentários sobre o processo de coloração da HQ acabam aguçando a percepção da sua importância para a obra, ao mesmo tempo mostra aos leitores como o colorista, geralmente um tanto quanto ignorado em favor de roteirista e artista, é uma peça essencial para que uma obra se torne o que ela é.
Para mais resenhas, veja o site O Vicio =)
site: http://ovicio.com.br/review-petalas/