Mateus Giunti 22/01/2024
Na tentativa de contar a história de seu irmão adotivo, o narrador deste romance tece em capítulos curtos, memórias de momentos que viveu e que não viveu. Memórias do que não viveu? Sim, pois para falar de seu irmão, volta ao passado familiar para retomar o exílio de seus pais da ditadura militar argentina e a vinda e adaptação no Brasil.
Porém, o mais interessante deste livro é o jogo que se cria entre ficção e realidade, pois, a todo momento, o narrador-autor está questionando seu fazer como escritor, duvidando de suas memórias, pontuando imprecisões e explicitando ao leitor o caráter dúbio daquilo que conta. São lembranças infantis opacas, histórias faladas pelos pais em jantares, divagações a respeito de fotografias passadas que tentam, de alguma maneira, alcançar seu irmão que, em determinado momento, sem motivo aparente, se recusa a participar do convívio de sua família não biológica. O livro, então, não é a tentativa de contar a história de seu irmão adotivo real, de carne e osso, via linguagem, pois essa seria uma tentativa que já nasceria fracassada, pois a linguagem é falha, algo sempre lhe escapa. E o legal é que o narrador sabe disso. O livro é a tentativa, portanto, de fazer jus à representação de seu irmão.
Um livro sobre distâncias, não-dizeres familiares, sintomas, política, ditadura, sobre resistência em suas diversas conotações, mas também de reflexões metalinguísticas acerca do fazer literário que, para o autor Julián Fuks, parece beirar a autoanálise. Um livro sobre as (im)possibilidades do narrar. O quanto tem de autobiográfico neste livro? Ou será que uma melhor pergunta não seria o quanto tem de ficcional naquilo que contamos de nossas vidas?
Primeiro livro lido do ano mas que sei que vai constar na lista de melhores leituras de 2024.