Crônicas Fantásticas 14/09/2020
OZOB – Protocolo Molotov | Chafurdando na Escatologia
Resenha por: José Neto
Sabe como os palhaços surgiram? Palhaços surgiram para nos fazer rir! -Hans Groop
Sabe a sensação que temos de nos sentirmos órfãos ao final de um filme, série ou livro? Foi exatamente o que senti quando terminei OZOB – Protocolo Molotov, eu realmente não sabia o que ler e nem que caminho seguir, fiquei completamente desnorteado e passei um bom tempo pensando nos personagens e digerindo suas histórias.
O livro é ambientado no cenário cyberpunk, que abraça conceitos e elementos de universos conhecidos da literatura e do cinema, como Blade Runner, Ghost in The Shell e Matrix. Na trama, Ozob é um replicante, uma espécie de ciborgue biológico, que luta todos os dias para sobreviver aos riscos de uma vida decadente e limitada, na escória da “Cidade Baixa” sendo perseguido por gangues mercenárias e por sua “família” de palhaços replicantes maníacos assassinos. No caminho, Ozob conta com a ajuda de uma gangue de cyber-terroristas que planejam destruir as megacorporações.
A história se passa no século 22 onde megacorporações ditam o modo de vida dos cidadãos de Delta City, cidade erguida quilômetros a cima daquilo que um dia foi Nova York, mas que hoje é conhecida apenas como Cidade Baixa. Com a divisão social bem definida, a narrativa aborda temas recorrentes em obras do gênero como o valor da vida, as ameaças tecnológicas e a sustentabilidade, porém tudo feito com uma pegada muito pessoal dos autores.
Sim, autores, Ozob foi criado por Deive Pazos (Azagal do grupo Jovem Nerd) a algum tempo, o personagem é citado algumas vezes em alguns nerdcasts, mas só vamos conhece-lo mesmo no especial RPG Cyberpunk, podcast onde é narrada uma campanha de RPG em três capítulos, com os integrantes do site. (Se você nunca ouviu, clica aqui e ouve lá) Depois do sucesso estrondoso que o personagem fez entre os ouvintes, em 2015 o site finalmente lançou o livro escrito por Deive Pazos e Leonel Caldela, autor de livros como o Código Élfico e Deus Máquina.
Vale um parêntese pra falar um pouco sobre a qualidade e o capricho da edição, o livro é de capa dura, com verniz localizado no nome e uma textura meio aveludada (ou seria emborrachada?) em todo o resto. A Nerd Books tá de parabéns.
No decorrer da história, somos levados de volta no tempo através de flashbacks magistralmente inseridos e conhecemos as origens do personagem, a história de seu criador e um pouco de sua vida nas colônias de mineração. E são nesses flashbacks que entendemos também o motivo de Ozob ser tão insano e repleto de traumas, esses momentos, ao contrário de muitos livros, não deixam o ritmo da narrativa cair em nem um momento, longe disso, acabam por explicar as motivações do personagem e suas ações no capítulo anterior.
E por falar em origens, somos apresentados também às origens do seu criador, o Dr. Hans Groop, que por si só, já daria um livro inteiro de ficção científica hard, com questionamentos filosóficos profundos sobre caráter e natureza humana, mas vamos deixar esse assunto para um próximo texto.
O livro ainda nos apresenta personagens incríveis como os integrantes da “Banda” ao qual Ozob se alia, o vocalista é uma espécie de Kurt Cobain do futuro, a baixista e segurança tem implantes cibernéticos e seu DNA é misturado ao de animais selvagens e tem a carismática produtora da banda, a Califórnia. Cara, que personagem bacana, ela é aquele tipo de personagem que você fica ansioso pra ver um pouquinho mais, que ri com suas piadinhas bobas e se emociona com seus momentos de crises existenciais, definitivamente, me apaixonei pela Califórnia.
Ozob é um replicante (como assim você não sabe o que é um replicante? Deixa de ser babaca e vai logo assistir Blade Runner, depois volte aqui e conversamos) albino de mais ou menos 2 metros de altura e incrivelmente forte, foi criado por um cientista louco que resolveu homenagear seu irmão, fã do palhaço Bozo. Então surgiu esse cara que não economiza nos palavrões e na sinceridade, a sensação é que ele vive no limite da loucura e do caos e que a qualquer momento vai explodir como uma mina acionada por um soldado desavisado, dizer que ele tem uma granada no lugar do nariz é apenas um detalhe no meio das loucuras que encontramos ao longo da aventura. Suas frases clássicas como “Dá uma bitoca no meu nariz, babaca!” ou “O outro cara ficou pior” nos deixa óbvia a influência dos filmes de ação dos anos 80 e 90. Mas apesar de ser ranzinza, chato e extremamente violento, Ozob demonstra um grande coração em vários momentos da trama e quando começamos a entender um pouco mais da sua história nos flashbacks, a vontade que temos é de abraça-lo e dizer: – Calma cara, vai ficar tudo bem – Porque é incrível como os autores conseguiram mostrar o lado sensível do personagem, mesmo em momentos de pura loucura desenfreada. Ozob, muitas vezes nos parece apenas uma criança assustada que corre de um lado para o outro, procurando um lugar pra se esconder e isso fica cada vez mais evidente em seus diálogos com a California.
Ozob – Protocolo Molotov é um show de escatologia e violência regada a muitas referências aos anos 80 e a TV aberta da época, com uma incrível narrativa do Caldela, que capricha nos detalhes nos fazendo experimentar várias sensações, desde nojo, repulsa e medo até tristeza, alegria e tensão. É realmente uma montanha russa de emoções que me deixa a certeza que Leonel Caldela é um escritor com um talento fora do normal.
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