Eliane 02/08/2019
O Regresso é baseado na vida de Hugh Glass, um caçador que foi brutalmente atacado por um urso, abandonado por seus colegas e sobreviveu graças ao seu desejo de vingança. Segundo o próprio autor,Michael Punke, a história foi escrita segundo relatos verdadeiros sobre a vida de Glass e seus companheiros, com algumas liberdades literárias em momentos onde os fatos não eram precisos. Isso tudo é detalhadamente explicado no final da obra, na parte de notas históricas e complementado com a citação das fontes de pesquisa.
Acompanhamos cerca de dez meses da vida de Glass, focados principalmente em sua sofrida luta por sobrevivência. Glass é atacado por um urso e por muito pouco não perde sua vida. O ataque destruiu quase todo seu corpo, feridas graves como o couro cabeludo quase completamente separado do crânio, cortes muito profundos nas costas e sua garganta quase inteira aberta pelas garras do animal. O capitão é quem mais tem interesse em mantê-lo vivo, por isso cuidou de suas feridas da maneira que pôde ( vale lembrar que isso se passou em 1823, não existia nenhum tipo de tecnologia ou meio de transporte rápido para resgatar feridos) e tentou levá-lo ao seu forte, mas o caminho não permitiu. Todos imaginavam que Glass iria morrer, por isso o capitão ofereceu uma quantia em dinheiro para duas pessoas ficarem com ele até sua morte e dar um enterro justo. Fitzgerald e o jovem Bridger ficam encarregados disso, mas o medo de sofrer um ataque de índios faz com que fujam e acabam deixando Glass largado, porém, Fitzgerald, que não era uma boa pessoa, rouba tudo que o moribundo possuía, deixando-o completamente indefeso e isso desencadeia um forte desejo de vingança em Glass.
A partir disso o livro se resume em mostrar como Glass conseguiu sobreviver e percorrer o caminho até o forte, assim como as muitas pessoas o auxiliaram. É tudo muito detalhado e explicado, dando ao leitor uma enorme noção de como os atos foram realizados, e uma boa aula de como era o comercio de peles e a relação dos ” Homens Brancos” com Índios na época. É realmente fascinante ver o quanto Punke pesquisou para escrever esse livro. Para ajudar, essa noção toda deixa a obra ofegante, conseguimos sentir na pele o sofrimentos de Glass.
Em suas descrições dos hábitos e rotinas dos caçadores de peles, Punke torna o livro quase documental. Embora detalhe o processo de construção de uma jangada feita de couro de búfalo; armadilhas para roedores; ou o preparo de carne seca para estocar suprimentos, nenhum dos trechos onde faz isto são cansativos. Funcionam como bem escritos relatos históricos dramatizados de costumes da época, que indicam o quanto o autor pesquisou a fim de tornar a história verossímil, mesmo não abrindo mão de liberdades dramáticas para tornar o desenrolar da trama mais emocionante.
Conforme se aproxima dos capítulos finais, Punke dá também uma atenção maior para a relação de Glass com as paisagens que percorre, as quais passam a despertar-lhe um fascínio quase religioso, que o autor transmite bem em trechos mais contemplativos, os quais combinam com a solitária jornada épica de Glass, desbravando horizontes desconhecidos em sua busca por vingança. Mas o vigor da narrativa reside mesmo nos esforços de Glass para sobreviver à sua “peregrinação”. É particularmente marcante a longa sequência em que tenta acender uma fogueira no meio de uma nevasca. A imersão proporcionada pelo texto de Punke é tão plena que o leitor consegue sentir-se lutando contra o frio intenso e o risco de morrer de hipotermia. Além de todo o cuidado com detalhes históricos, Punke também é muito competente ao narrar sequências de ação, como o eletrizante confronto de Glass e os barqueiros contra os arikaras, que você só consegue parar de ler quando o capítulo termina.
Por tratar-se de uma obra inspirada em fatos reais, achei muito feliz da parte do autor incluir no final algumas observações onde ele aponta quais inclusões ele fez, além de revelar os destinos dos principais personagens após o fim dos eventos narrados no livro.
Embora eu tenha achado o final um tanto insatisfatório, ele não anula toda a qualidade que a obra apresenta em sua totalidade.