Moy 25/12/2009
O PRECONCEITO NA UTILIZAÇÃO DA LÍNGUA E SUAS RELAÇÕES SOCIAIS.
Marcos Araujo Bagno nasceu em Minas Gerais na cidade de Cataguases, formou-se em Letras e como Mestre em Lingüística pela Universidade Federal do Pernambuco, obteve sua pós graduação de Doutorado em Língua Portuguesa e em Filologia pela USP (Universidade de São Paulo), e exerce a função de professor no Departamento de Lingüística do Instituto de Letras da Universidade de Brasília. Como tradutor, lingüista e escritor investiga as relações da Língua Portuguesa e a aplicação da mesma nas instituições de ensino no que tange as questões socioculturais através de pesquisas, divulgações cientificas e mais de trinta livros publicados.
Tornou-se militante contra a discriminação social disseminada através dos mitos e preconceitos presentes na aplicação e utilização da língua portuguesa; ao ministrar algumas palestras no ano de 1998 a respeito desse tema escreveu o livro publicado pela Editora Loyola (Preconceito Lingüístico – O que é, como se faz), obra na qual nos auxilia a separar a língua da gramática normativa.
Através do livro Preconceito Lingüístico - O que é, como se faz, Marcos Bagno apresenta a realidade atual da Língua Portuguesa e como desconstruir os mitos e preconceitos em torno dela.
A organização e apresentação da Obra em sua 16ª edição esta articulada em quatro partes:
I - A mitologia do Preconceito Lingüístico.
II - O circulo vicioso do Preconceito Lingüístico.
III- A desconstrução do Preconceito Lingüístico.
IV- O preconceito contra a Lingüística e os lingüistas.
- Além das “Primeiras Palavras” do autor (introdução), uma Carta a revista Veja e as referencias da obra.
I - A mitologia do Preconceito Lingüístico.
Por uma razão cultural, o português falado no Brasil possui particularidades e variações, em que as instituições de ensino por não analisar a “Questão Social”, ou seja, as injustiças conseqüentes da exclusão social erram ao tentar impor a “norma culta” como algo de acessibilidade uniforme para todos. Um exemplo é o fato de que as diretrizes normativas que regulamentam as relações sociais do Estado Brasileiro não são compreendidas por grande parte da população que, cada vez mais, torna-se alienada dos seus direitos a começar pela linguagem em que tais direitos são descritos.
O que se confunde é a diversidade cultural presente entre Brasil e Portugal, originando uma variação em relação ao português brasileiro e português lusitano, e a grande diferença entre gramática normativa e língua. Alguns professores culpam os alunos por não compreenderem as regras gramaticais, mas a realidade não interpretada por esses profissionais é que o Brasil possui uma população muito maior que Portugal, trazendo assim uma maior variação da língua que “não se estagna, sem sofrer mudanças ao longo dos anos”.
Através da gramática tenta-se normatizar a língua embasando-se em protótipos divergentes da realidade. As normas portuguesas são desproporcionais no que tangem as experiências dos brasileiros com a língua e que muitas vezes recebem uma formação escolar tão oposta ao relacionamento que se tem no cotidiano com a língua, aumentando assim os índices de “analfabetismo funcional”.
A manifestação da língua fora dos “dogmas gramaticais” expostos pelo autor como um “triangulo = escola – gramática – dicionário”, é vista como atitude “heresiática”. Com esse viés é propagada e ridicularizada de maneira tendenciosa e preconceituosa através de representações da teledramaturgia, como por exemplo personagens nordestinos sempre inclusos nos núcleos cômicos das tramas.
Marcos Bagno debate a idéia de centralização da língua que visa caracterizar uma região como a “melhor ou pior”. Através de observações em relação à língua mostra que as variações lingüísticas do Maranhão vistas para alguns gramáticos como a mais próxima do português falado em Portugal, em relação ao restante do país são como as que ocorrem entre o português lusitano e português “tupiniquim”, que sofrem mudanças conforme as experiências e necessidades entre a população.
A partir de um preconceito obrigam-se os alunos a pronunciarem da mesma maneira em que escrevem, gerando orientações aos professores até mesmo através de materiais didático, a repreenderem a todo o custo quem utiliza as palavras diferentes da forma escrita; naturalmente tal variação lingüística dada pelas culturas não deve receber repressão do padrão ortográfico que tem seu valor na língua escrita. Já que o alfabeto e a ortografia são tentativas de representação da fala e não se consegue em nenhum idioma estabelecer com precisão gráfica e expressar no “papel” todos os sentimentos e emoções existentes em relação ao que se fala, a pronuncia conforme a escrita torna-se algo incoerente para se aplicar no cotidiano.
A gramática ao longo da história perdeu sua função inicial de estabelecer um “padrão” a partir das experiências da língua, e se tornou um meio de “controle” da fala, trazendo o dogma que para a utilização da língua é preciso ter como única referencia a gramática normativa, tornando-se para os gramáticos uma visão “fundamentalista radical” assim como para os adeptos das religiões monoteístas.
Marcos Bagno ao fazer uma analogia da língua e a gramática normativa em relação aos fenômenos da natureza expõe com clareza as diferenças entre as normas e as variações da língua através do exemplo do “Igapó”, um fenômeno presente na Amazônia em que se consiste uma porção de água represada na margem de um rio – o rio simboliza a língua que corre em um fluxo livre, uma vez que a gramática normativa não passa de uma velha poça de água inerte, que se renova apenas nas cheias.
O autor desmistifica que o domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social, expondo tal incoerência através da simples reflexão na qual os professores de língua portuguesa estariam então ocupando a “cúpula do poder” na sociedade, pois teoricamente são os quais “melhor” dominam a norma culta, do contrário, outros cidadãos como, por exemplo, um fazendeiro que possua alguns rebanhos de gado-de-corte, não obtendo mais que os primeiros anos dos ciclos do ensino fundamental e fazendo uso de um português “incorreto” perante a gramática, pode ter uma ascensão financeira, política e social maior e com mais facilidades que um professor de português, o que nos possibilita compreender que, não é a aplicação das regras da norma culta na fala do individuo (muitas vezes alienado dos seus direitos que não são garantidos), que fará com que esse cidadão “suba na vida”.
II- O circulo vicioso do Preconceito Lingüístico.
Marcos Bagno no segundo capitulo do livro critica a continuidade do preconceito lingüístico estabelecido na sociedade através de um mecanismo que ele chama de “circulo vicioso”, constituído pela gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos. A gramática tradicional se torna a fonte das praticas de ensino que por conseqüência fomenta a indústria dos livros didáticos que são editados por orientação da gramática tradicional. Tornando-se assim um circulo vicioso.
Marcos sita um pouco sobre a vida de um defensor intransigente da língua portuguesa “padrão”, o professor Napoleão Mendes de Almeida que faleceu aos oitenta e sete anos em 1.998 deixando um legado de intolerância e autoritarismo. Critica com bastante propriedade as orientações preconceituosas de Luiz Antônio Sacconi em seu livro (Não erre mais!), no qual segundo Bagno dispõe apenas de dados inúteis e sem critérios; pontua de maneira desmistificadora o texto “português ou caipires?” de Dad Squarise, que segundo ele reuni os preconceitos sociais, étnicos e lingüísticos em poucos parágrafos. Mostra através de reflexões que o preconceito é fruto da ignorância.
III- A desconstrução do Preconceito Lingüístico.
Marcos Araujo Bagno salienta na terceira parte do livro pontos, como “O reconhecimento da Crise no ensino da língua, A necessidade de mudança de atitude, O que é ensinar português, O que é erro, Paranóia ortográfica e como Sobreviver ao preconceito lingüístico”.
O autor mostra que a norma culta não esta bem definida gerando assim uma crise na aplicação do ensino da língua, e que existe uma grande necessidade de conscientização e mudança de atitude a respeito das imposições conservadoras que reprimem e menosprezam o nosso saber lingüístico individual, partindo dos professores que não podem aceitar tais imposições, até o questionamento “critico/analítico” individual dos cidadãos brasileiros.
IV- O preconceito contra a Lingüística e os lingüistas.
Bagno se refere ás criticas que Pasquale Cipro Neto (gramático de renome na mídia), fez aos lingüistas tratando-os como idiotas e ociosos (sem o que fazer). Ficam explícitos os questionamentos do autor em relação aos interesses das classes dominantes que, tentam calar a voz, abafar a função dos lingüistas e por conseqüência continuar alienando os cidadãos até mesmo com a língua.
Conclusão:
O autor relata a realidade da língua portuguesa falada no Brasil, herdada historicamente de Portugal e ainda tão presa as raízes coloniais, disseminando cada vez mais os mitos e preconceitos na utilização da mesma por razão dos abismos existentes entre os “detentores da norma culta” e os “sem língua”.
Tais mitos constituídos ao longo da história como imutáveis, e fundamentais para a segregação da exclusão social, são impostos por uma minoria elitizada que alimenta um “circulo vicioso” para resguardar e manter uma cúpula de conservadores, que através da mídia tendenciosa exploram a alienação dos leigos para propagar os dogmas fundamentais para a dominação daqueles que não sabem os seus direitos e deveres, por mal conhecerem as linguagens de tais diretrizes.
Esses conservadores são os quais de todos os meios e “poderes”, fazem as criticas e perseguições aos profissionais sérios e comprometidos com a ascensão da cidadania e promoção do reconhecimento efetivo do saber puro, livre e individual da língua.
Biografia disponível em: http://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/MarcosAraujoBagno.htm, 22/10/09.
Bagno, Marcos, Preconceito Lingüístico, 16°Edição, São Paulo. Editora Loyola, 1999.