Fernanda631 05/07/2023
Aceitação (Trilogia Comando Sul #3)
Aceitação (Trilogia Comando Sul #3) foi escrito por Jeff VanderMeer.
A trilogia Comando Sul não é exatamente uma fantasia e não chega a ser uma distopia, mas mostra um futuro cruel para a humanidade. É um mistério de proporções apocalípticas, nas quais o leitor confia para consertar os erros. Por falta de uma definição melhor podemos considerar essa trilogia uma ficção científica ecológica.
Antes de falar sobre Aceitação, vamos fazer uma pequena recapitulação dos livros anteriores.
- Em Aniquilação, primeiro livro da série, temo o nosso primeiro contato com a Área X. Acompanhamos a bióloga – quanto menos as personagens souberem sobre as outras, menos chances elas têm de ficarem umas contra as contras durante a visita à Área X, por isso a falta de nomes – em sua jornada para conseguir ser aceita na nova expedição para a Área X, depois de ter perdido o seu marido na expedição anterior.
- Em Autoridade, acompanhamos as tentativas falhas da nova personagem, Controle – mais uma vez, a falta de nomes -, o novo diretor interino do Comando Sul, que investiga a Área X, de organizar a casa depois do sumiço da última expedição (a da bióloga).
Se você acha esquisito acompanhar/visualizar na mente personagens que não possuem nomes, acredite, é pior quando o autor resolve jogar uma mistura de nomes para uma só personagem ou quando uma personagem não é mais a mesma personagem… é aí que a sua cabeça começa mesmo a dar nós para tentar compreender o que raios está acontecendo na narrativa. Ao tirar os nomes das personagens e tirar o leitor da sua zona de conforto, o autor tira também a identidade desses seres humanos, exatamente o que acontece quando essas personagens chegam na Área X.
O longo do primeiro volume, "Aniquilação", VanderMeer apresentou a figura do faroleiro, chamado Saul Evans. Em "Aceitação", Saul passa a ser um dos protagonistas do enredo. Nos capítulos dedicados ao seu ponto-de-vista, o leitor descobre qual foi a evolução da natureza e do habitat ao redor do farol durante os eventos que desencadearam a Área X, bem como fica sabendo qual foi o processo de transformação do próprio Saul.
Saul, a personagem mais interessante depois da bióloga, faz amizade com uma garotinha de nove anos de idade, chamada Gloria, que gosta de explorar a região do farol. Ele também tem um relacionamento com Charlie, que trabalha na cidade e não compreende o estilo de vida isolado e solitário de Saul.
Também descobrimos que Saul, antes de ser faroleiro, era pastor e que ele foi o responsável pelas palavras escritas nas paredes no túnel, descobertas em "Aniquilação".
Outros capítulos são dedicados à Diretora do Comando Sul, que aparece de forma mais premente no segundo volume, "Autoridade". Uma das grandes surpresas do enredo é que a Diretora de "Autoridade", a psicóloga de "Aniquilação" e Glória são a mesma pessoa. Quando criança, Glória observava algumas expedições que exploravam a região do farol, buscando indícios de paranormalidade ou alienígenas. Quando cresceu, ela decidiu que faria parte do Comando Sul de qualquer maneira, pois precisava descobrir os mistérios daquela região, tão importante na sua infância. Assim, ela é contratada como Diretora, sob a identidade falsa de Cynthia. Ainda não satisfeita, ela decide entrar na área X, pois quer saber o que aconteceu com a natureza e com Saul depois dos eventos extraordinários e, assim, participa da 12ª expedição com o disfarce de psicóloga.
Por fim, o terceiro núcleo da narrativa é composto por Controle e Ave Fantasma, ambos protagonistas de "Autoridade". Através deles, o leitor descobre que o tempo passa muito mais rápido na Área X. As poucas respostas que são fornecidas sobre as forças que desencadearam a Área X são dadas nos capítulos deles mas, como mencionei no início da resenha, muitas perguntas continuam abertas e muitas coisas ficam sem explicação. Por outro lado, fica claro que a Ave Fantasma é um clone da bióloga, clone gerado pela Área X, mas ninguém sabe porque a Área X gera estes clones. Para mim, os capítulos dedicados a eles foram os mais chatos, pois proveram mais confusão do que esclarecimento e não achei que eles agregaram muito à narrativa.
Apesar da ausência de esclarecimentos e de um final estruturado, a leitura flui e prende a atenção. Os elementos de ficção-científica que VanderMeer imaginou continuam assustadores, originais e misteriosos, pois ele se vale de uma ambientação de terror psicológico que funciona. Há um quê de H. P. Lovecraft nas suas descrições e nos monstros que a Área X produz. E, para mim, as partes mais legais foram as do faroleiro, uma personagem muito interessante e que trouxe frescor à trama, que começava a tornar-se repetitiva com a linearidade das demais personagens.
Aceitação é dividido por narrativas do ponto de visto de quatro diferentes personagens: A diretora, que é narrador de forma inusitada, como se a personagem fosse o próprio leitor, dando uma sensação de maior imersão no enredo; O faroleiro, que aparece na enigmática fotografia no farol da Área X, logo no primeiro livro e é uma personagem muito mais importante do que aparenta ser; Controle, o último diretor do Comando Sul, John Rodriguez; e a Ave Fantasma, a bióloga que não é a bióloga, mas sim uma cópia com memórias. A divisão de capítulos é bem demarcada e esses diferentes pontos de vista enriquecem a história. Confesso que meu POV menos favorito foi o do Controle.
Muitas perguntas ficaram em aberto, e claro, isso foi frustrante. Entretanto, de certo modo, essa frustração acabou ajudando para tornar a série tão especial e acredito que para muitos outros leitores.
Essa obra é do gênero “New Weird” subgênero literário que unifica elementos do Horror, da Fantasia e da Ficção Científica, causando um certo estranhamento proposital no leitor.
O new weird se caracteriza por cenários urbanos, de uma realidade alternativa, criando novas sociedades mais complexas. Além disso, não existe romantização e, por isso, as situações e as personagens são cruas e racionais, pois os sentimentos e as emoções não são prioridade aqui. E, por fim, o new weird é caracterizado por prover finais abertos, sem fechamento. Por isso, se você espera que a trilogia "Comando Sul" forneça respostas e esclarecimentos ao final dos três volumes, você certamente irá se frustrar.