helmalu 13/04/2016Perturbador e maravilhosoPor muito tempo considerado como literatura de terror, O papel de parede amarelo nos apresenta uma mulher que é levada pelo seu marido para passar um período em uma casa de campo, devido a um problema de saúde, uma "depressão nervosa passageira - uma ligeira propensão à histeria". Lá, ela é acomodada em um quarto com um horrendo papel de parede amarelo, que desde o início a perturba intensamente:
"Nunca vi tanta expressão em uma coisa inanimada, e todos sabemos quanta expressão essas coisas têm."
De todo modo, por mais que a narradora tente descrever os padrões e características do papel de parede, ao final da leitura, ele ainda estava completamente indescritível para mim.
Ao longo da narrativa, que é narrada em primeira pessoa pela protagonista em forma de um diário, vamos acompanhando a relação dela com seu marido e o modo como ele ignora totalmente a real situação psicológica - ou psíquica - da esposa, afinal, ele é médico:
"Disse que eu era sua amada, seu consolo e tudo que ele tinha, e que devo cuidar de mim mesma por amor a ele e manter-me saudável.
Ele diz que ninguém além de mim pode me ajudar a sair deste estado; que devo usar minha força de vontade e meu autocontrole e não me entregar a fantasias tolas."
Percebe-se que, embora ela discorde do marido, ela não ousa desafiá-lo, mas não por medo, e sim porque ela acredita que ele está certo e o problema é ela. Contudo, é o papel de parede que de certa forma a alerta da situação em que ela está. O papel é uma metáfora, pois, ao cismar com suas cores e padrões, e com o próprio quarto em que ela é obrigada a permanecer contra a vontade, ela começa a enxergar nele uma mulher presa, ela mesma:
"Nos pontos mais iluminados ela se mantém quieta, e nos pontos mais sombrios segura as grades e as sacode com força.
E o tempo todo tenta escapar. Mas não há quem consiga atravessar esse padrão - ele é asfixiante; [...]"
Esses pontos mais claros, pode se dizer que são os momentos em que ela está sendo observada, vigiada, e que precisa esconder o que está sentindo e pensando, por isso, quieta. Os pontos mais sombrios são os momentos em que ela não aguenta mais a solidão e o tédio e tenta se libertar da condição de isolamento a que foi obrigada a ficar.
Ela tenta arrancar o papel numa tentativa de se libertar, mas não se libertar do papel, e sim das amarras de seu marido e da sociedade.
***
Privada de fazer o que gosta, pois seu marido a impede de se esforçar, a protagonista não pode escrever, que era a atividade que mais lhe dava prazer, assim, ela escreve este diário escondida. E é perceptível que ela está se sentindo pressionada e ansiosa pelo modo como escreve: frases curtas, entrecortadas, parágrafos curtos e objetivos, muitas vezes ela precisa interromper a escrita pois alguém está chegando, e isso faz da leitura uma experiência de agonia e suspense.
Não preciso nem dizer que o conto faz uma crítica à relação de alienação entre marido e mulher - e não um conto somente de terror -, de modo que o desfecho da narrativa deixa bem claro os prejuízos que tal relação causou a nossa protagonista. E o interessante é que o conto tem traços muito pessoais da própria autora, Charlotte, os quais podemos saber ao final da edição, que vem com uma apresentação de Marcia Tiburi, intitulada A política sexual da casa e um posfácio que apresenta muito da biografia da autora, escrito por Elaine R. Hedges. Uma edição completíssima de um conto indescritível, O papel de parede amarelo foi uma leitura que jamais esquecerei e que com certeza revisitarei, dada a brevidade do texto mas que é tão grande nas reflexões e questionamentos que provoca.
site:
http://leiturasegatices.blogspot.com.br/2016/04/o-papel-de-parede-amarelo-charlotte.html