Lethycia Dias 25/01/2019Uma reportagem digna dos prêmios que ganhouÉ difícil falar de um livro com tanto conteúdo em um espaço tão pequeno, mas vou tentar. Durante décadas, centenas de crianças sofreram com o abuso sexual de padres em Boston, nos Estados Unidos, e as autoridades da Igreja Católica, sabendo que os abusos aconteciam e eram recorrentes, protegeram esses padres, fazendo de tudo para abafar o caso.
Quando esse escândalo veio à tona, o jornal The Boston Globe se debruçou sobre o assunto, investigando-o em uma série de reportagens ao longo do ano de 2002, e encontrou vestígios de crimes cometidos e ocultados desde os anos 60. O livro reúne essas reportagens de forma bastante completa, nos levando a compreender histórias horríveis que a Igreja tentou esconder.
Padres se aproveitavam do respeito que tinham perante as famílias de seus fiéis na cidade com a maior população de católicos dos EUA, e, quando denunciados, eram transferidos de uma paróquia para outra, onde podiam continuar cometendo seus abusos. Centenas de crianças sofreram. Pessoas fecharam os olhos. Autoridades não se responsabilizaram.
O livro começa com prefácio e introdução, e nos apresenta à fragilidade de crianças molestadas por homens em quem suas famílias confiavam. Conhecemos o caso do padre Geoghan, com cerca de 200 vítimas. Mas ele não foi o único. A história de abusos, negligência com as vítimas e transferência dos padres se repetiu muitas vezes.
Há capítulos dedicados às vítimas, onde conhecemos de forma mais profunda as consequências que esses abusos causaram em algumas delas até a vida adulta e como outras conseguiram superá-los. A reportagem ainda acompanha a forma como os casos foram investigados, às vezes tratados como "isolados", até que se admitiu que era um grande problema de uma instituição mais preocupada em proteger sua reputação do que com o bem-estar dos fiéis.
Também está incluída a repercussão midiática do caso e as consequências que trouxe: além da condenação de alguns padres à prisão e do pagamento de indenizações milionárias, ainda houve um grande movimento de católicos que propunham reformas na Igreja, com maior participação dos fiéis em sua estrutura interna.
O livro é um pouco cansativo pela grande quantidade de informações, mas isso não reduz sua qualidade. Os repórteres foram muito competentes em mostrar como as vítimas estavam numa posição grave de fragilidade, e foram muito responsáveis nas palavras que utilizaram ao tratar vários assuntos delicados. O livro ainda traz, no final, uma relação de todos os documentos que comprovam o que aconteceu. Também aponta de onde cada declaração foi tirada, seja de livros, arquivos públicos, entrevistas, etc.
É com certeza uma reportagem muito bem feita, resultado de um trabalho enorme, que foi premiada com o Pulitzer com razão. Apesar de doloroso e cansativo, por se debruçar no tema, vale muito a pena.
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