Autora Nadja Moreno 04/02/2014
A mente humana nua e crua.
A Arte de Produzir Efeito sem Causa é um livro embrenhado na mente humana. Retrata, através de Júnior, a sequência de acontecimentos que podem levar um homem à bancarrota, sejam estes acontecimentos de origem natural ou casual ou acidental ou individual. Sejam estes acontecimentos produzidos por desconhecidos, por nós mesmos, pelas pessoas em quem confiávamos ou ainda por causa dos microrganismos que vivem por aí.
Através das páginas vamos nos embrenhando na mente perturbada de Júnior. A cada página vamos descendo as escadas da consciência junto com ele, e aqueles leitores mais aficionados e que incorporam o personagem podem ter a necessidade repentina de um cigarro, um café ou até de um bom médico. Tudo vai se desfazendo e se consumindo de forma a não reconhecermos mais o Júnior da primeira página, ainda que ele já esteja, logo ali, perdido e desestabilizado.
O livro é quase todo escrito por pequenas frases. Penso que esta narrativa contribui ainda mais para a sensação que ele passa de estarmos lendo a mente de Júnior, mesmo que não seja narrado em primeira pessoa Uma mente cheia de nada e de tudo, tende mesmo a pensar muito e em muitas coisas ao mesmo tempo, o que torna a sequencia curta, quase como que um soluço.
A construção dos personagens é fabulosa. Além de gostosos figurantes como os porteiros do prédio, somos apresentados a algumas figuras muito marcantes.
Sr.José (Seu Zé) é o absorto embora preocupado pai de Júnior. É em sua casa que o filho busca refúgio quando se vê perdido. Durante o tempo em que Júnior vive com ele, vamos percebendo que o Sr. Zé vai se tornando o companheiro e preocupado pai dos filhos insanos. Não entende o que acontece, mas está lá
Bruna é a universitária hóspede de Sr. Zé. Uma luz no fim do túnel. Uma mente sã e equilibrada neste meio de instabilidade. Quando Bruna aparecia, o livro se tornava normal e sereno. Válvula de escape de primeira linha.
Júnior. Bom, Júnior é o retrato do medo de todos nós. Ou melhor, o assombro de todos os que temem perder a normalidade da vida de uma hora para a outra, de forma sequencial e sem volta.
A diagramação do livro é incrível. A capa, as páginas azuis que o apresentam, os diagramas desenhados a cada início de capítulo Tudo, exatamente tudo está ligado ao enredo todo. À medida que lemos, vamos percebendo que tudo isso é um retrato. Os riscos, as marcas, os rabiscos, tudo faz parte da história. As páginas rabiscadas no meio do livro são um presente à parte. É como estar sentado na mesa de café do pequeno apartamento de Sr. Zé. Além disso tem as bordas externas arredondadas, o que dá um aspecto de agenda, de diário, de algo mais pessoal do que as linhas retas das edições comuns de livros. Não se podia esperar coisa diferente do artista multifacetado Lourenço Mutarelli.
Se você quer um livro intenso e que ataca sua mente, leia A Arte de Produzir Efeito sem Causa. Não espere por fios soltos que se amarram majestosamente no final. Não, quem dá as amarras em alguns pontos é você, leitor. Leia e tire suas próprias conclusões. Não é um livro comum nem básico. Há que se ter uma mente astuta e até um pouco doida para desmascará-lo.
Ao longo da história Mutarelli insere alguns elementos sombrios que perpassam sutilmente as páginas. Nesta resenha eu abordo pouco este lado, porém o filme Quando eu era Vivo, baseado nesta obra e lançado no último 31 de janeiro, retrata o lado mais fantasioso e assustador do enredo.
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