miri.miri 10/04/2024
Uma vida pequena, uma tristeza maior
"Uma tristeza, assim poderia chamá-la, mas não uma tristeza digna de pena; era uma tristeza maior, que parecia englobar todas as pessoas pobres e sofridas, os bilhões que não conhecia, todos vivendo suas vidas, uma tristeza que se misturava com um assombro e uma admiração diante do quanto os seres humanos do mundo inteiro lutavam para tentar viver, mesmo nos dias mais difíceis, mesmo sob circunstâncias tão desafortunadas. A vida é tão triste, pensava nesses momentos. É tão triste, e, ainda assim, todos a vivemos. Todos nos agarramos a ela; todos procuramos algo que nos console."
É avassalador. Uma experiência única.
Emocionante, frustrante, revoltante, belo, cruel, impressionante, viciante, impiedoso, angustiante. Sem dúvida, capaz de arrancar lágrimas.
Eu comecei esse livro já viciada nele, a primeira parte de certa forma é confortável mesmo com com o toque de tristeza (que está sempre presente em cada página) que foi surgindo na narrativa. É interessante o dom da autora de saber detalhar o importante, o essencial, ela já começa nos apresentando os personagens principais. E ela detalha muito sobre cada um em cada capítulo, eu adorei conhecê-los, é um grupo de amigos fácil de se simpatizar, se envolver.
Temos JB: Um artista, um pintor, foi interessante o contato com a arte que algumas centradas nele conseguiram transmitir. Inclusive muitas passagens e momentos nessa obra são muito artísticos, JB por sua vez via seus amigos como arte. Eu gostei muito quando ele começou a retratar eles nas pinturas, foi gostoso imaginar os quadros e cenários, vivido e lindo. Porém existe mais sobre ele do que isso, do quarteto talvez ele seja o que tem mais defeitos em sua personalidade.
Temos Malcolm: A história acabou focando mais nos outros três do que ele, mesmo assim ele tem sua importância. Ele é arquiteto, e apesar disso não ter sido tão aprofundado existem passagens interessante sobre o conforto que as casas trazem pra ele e pro Jude. (Não tenho muito que falar sobre ele, mas ele é legal, juro)
Temos Willem (Wirrell, na minha mente o nome dele ficou sendo pronunciado assim): Ele é mais apegado ao o Jude, e muitas vezes parece ser o mais sensato dos quatro, o livro foca bastante nele, que também possui um passado triste (não tanto quando o de Jude). Ele é ator, e sim, vemos muito do mundo da atuação, mas apenas o necessário pra nos aprofundarmos no personagem. Eu já tive raiva dele, confesso, mas só por uma ou duas atitudes.
E por fim, o mais importante, Jude: Um personagem impossível de não amar. Nas primeiras páginas ele é um mistério, nem os próprios amigos sabem muito dele, seu passado. O passado de Jude é perturbador, é pesado, angustiante, ninguém jamais deveria passar pelo que ele passou. É algo tão desumano que os flashbacks vem aos poucos, foram as cenas mais difíceis de ler, não tive lágrimas pra chorar isso... Só tentei ler o mais rápido possível. Jude é advogado, então naturalmente a advocacia também entra em pauta aqui. Ele tem um problema nas pernas, que logo descobrimos que na verdade é na coluna, ele vive com dores e até subir uma escada é um desafio pra ele. Jude pode ser um amor de pessoa, gentil com todos mas ele repudia a si mesmo e se automutila. (Inclusive esse é um dos gatilhos que esse livro tem) Sim, eu me revolto, mas depois de saber o passado dele não tem como sentir raiva, apenas tristeza por ele ter a necessidade de autodestruição.
Eu preciso admitir: o livro é doloroso, mas é necessário.
O que mais desejei foi que a história tomasse um rumo bom, só pra eu ter esse alívio. Mas não aconteceu, isso não parece uma ficção, parece uma realidade cruel demais pra ser aceita. Como aceitar que existem pessoas passando pelo o que Jude passou nesse exato momento? Já vi em resenhas dizerem que os acontecimentos são muito exagerados, improváveis. Eu discordo, e é dor saber que aquilo é realidade pra alguém.
Agora
Pq é necessário?
1. Traumas e marcas, os abusos que Jude sofreu no passado e até no presente o perseguem pra vida toda. Olha só o que um ser um humano é capaz de fazer com o outro, olha só a dor que você é capaz de infringir ao ponto de fazer alguém não querer mais viver.
"Sabia que era feio. Sabia que era um lixo. Sabia que era doente. Mas nunca se considerara grotesco. Mas agora era. Parecia haver certa inevitabilidade naquilo, em sua vida: que a cada ano se transformaria em algo pior ? mais repulsivo, mais depravado. A cada ano, seu direito à humanidade diminuía; a cada ano, deixava aos poucos de ser uma pessoa. Mas não se importava mais; não podia se dar ao luxo."
Veja o peso, as pessoas precisam estar cientes que até mesmo as palavras tem poder pra destruir alguém. E o que o Jude passa é além disso. Mostrar isso é revelar o quanto um desejo nojento e doente dos homens pode estragar toda uma vida. O que os homens fizeram com ele tirou toda a possibilidade de ele ser feliz, de se considerar normal.
"Quer ser normal, tudo o que sempre quis foi ser normal, mas a cada ano ele se afasta mais e mais da normalidade."
Será que esse livro seria capaz de mudar a mentalidade de pessoas podres, violentas, ou pelo menos lhes causar aversão ou arrependimento por seus crimes/desejos criminosos? A vida do Jude é pura dor, uma dor capaz de tocar qualquer um que tenha coração.
(Me desculpem se viajei na maionese agora)
2. Se você convive ou conhece alguém que tenha traumas, que sofra de depressão, e que se automultile, talvez esse livro seja obrigatório pra você. No meu ponto de vista, se Jude tivesse sido tratado o quanto antes por um profissional de saúde mental alguma coisa ali poderia ter mudado. Se houvesse mais insistência por parte dos amigos dele, alguns incidentes nesse percurso poderiam ter sido evitados. É uma lição, teve um momento lá pela primeira parte mais ou menos que senti realmente que os amigos de Jude fecharam os olhos para o fato de ele se cortar.
"Como ajudar alguém que não quer ser ajudado enquanto sabe que, se não tentar ajudar, você não estará sendo um bom amigo? Converse comigo, sentia vontade de gritar para Jude às vezes. Me conte alguma coisa. Me diga o que preciso fazer para que você se abra para mim."
Mas também é preciso ter cuidado ao ler esse livro, as cenas de automutilação e os pensamentos auto depreciativos do Jude são coisas delicadas para quem já sentiu coisas assim. São tópicos sensíveis, inclusive o abuso sexual e pedófilia, outros traumas abordados aqui. Pode ser que a leitura ajude ou atrapalhe quem já foi vítima disso, então deve ser lido com cuidado.
3. Seja grato, e seja bom para as pessoas, seja um Harold, seja um Wirrell (não totalmente) na vida de alguém. É só se deparando com situações extremamente piores que a nossa que então ficamos cientes de nossa sorte. A trajetória de Jude fez com que todos os meus problemas parecessem insigficantes. Então esse livro pode te despertar gratidão pela vida que você tem, só que também vai te deixar mal pela vida que o protagonista tem.
"? Mas, você sabe, sempre tive sorte na vida." O JUDE DISSE ISSO. Ele é grato pelas pequenas alegrias da vida, mesmo já tendo sofrido tanto.
3.0. Relacionamento abusivo e até onde ele pode chegar: sim isso tem no livro também. E não diria que isso seria um motivo pra a leitura ser essencial. Mas sei lá, tenha cautela e conhecimento sobre quem você se relaciona. Também tem uma pequena parte que vai te fazer de verdade nunca querer nem chegar perto de drogas na sua vida.
Pra mim, além do motivo desse ser o melhor drama já escrito (com passagens lindas sobre várias questões da vida) esses são os três motivos que tornam "uma vida pequena" uma leitura bastante necessária.
(Também achei interessante o modo como luto, vida e morte, paternidade e família, foram abordados no livro, eu adoro o Harold. Um dos melhores personagens do livro)
Eu chorei? Não tive lágrimas pra esse livro, com exceção do último capítulo o qual me fez chorar mais do que chorei no livro todo. Então com exceção disso, cheguei a derramar umas poucas lágrimas, mas a maioria só quando algo muito bom acontecia ao Jude.
Raiva, ódio, angústia e agonia foram impossíveis de não sentir. Mas também ouve momentos em que sorri, sorri pela amizade deles. E é uma amizade linda SE TEM UMA COISA QUE BRILHA NESSE LIVRO É A AMIZADE.
Qualquer migalha de felicidade foi o suficiente pra eu me emocionar, inclusive as cenas boas do livro são as mais lindas e de aquecer o coração. As festas, o jeitinho da amizade deles, o jeito afetuoso... Lindo!
Mas e o amor? Sim, por mais inacreditável que parece esse livro tem um romance. E é um MM romance. Mas no geral é diferente demais, o drama não para, então temos o amor, mas não é convencional. É até um pouco frustante em certo momento. Bonito em outros, genuinamente verdadeiro. E isso também vai trazendo várias questões.
Eu achei alguns dos diálogos dignos de cinema (principalmente as "discussões" entre Wirrell e Jude, os discursos de Andy, os últimos capítulos). Todo esse livro seria um áudio visual emocionante, impactante e muito doloroso, mas belo em diversas cenas.
Eu me pego imaginando como tudo seria se algumas coisas fossem diferentes... "Uma vida pequena" é inesquecível... O Jude é inesquecível, eu só posso imaginar pra me confortar, uma vida feliz pra ele. É só o que resta.
Ou simplesmente pensar nos quatro amigos indo a restaurantes, se divertindo juntos, "os bons tempos" em que eu ainda não tinha lido mais páginas disso. Quase não consegui continuar a ler depois do "Axioma da Igualdade" porém valeu a pena eu não ter desistido da leitura.
Eu leria imediatamente se tivesse uma versão alternativa dessa história. Que essa fosse uma história de superação positiva. De vida e não de sobrevivência.
Realmente tudo só piora e vai ladeira abaixo, e a autora parece uma sádica... É uma trama que mexe com o leitor de várias formas, é pra refletir e é pra sofrer muito. Essa mulher escreve bem, mas não tem piedade, vemos só pior da humanidade, em específico o pior dos homens (agora vou precisar dar spoilers)
Olha: !!!!!! SPOILER ABAIXO !!!!!
Spoiler:
Rir de tristeza pq o Wirrell não tankou o "celibato" (que decepção) não justifica o Jude saber e concordar. Wihell disse que não faria isso, mas fez, que ódio, homem só pensa com a cabeça debaixo (nesse caso sim).
O Caleb teve uma morte dolorosa, mas isso foi tarde demais. Custava alguém ter ido surrar esse infeliz antes disso?
E Andy foi um frangote as vezes sim, deveria ter tomado atitudes, seria ruim pro Jude no momento. Mas lá no futuro seria algo que agregaria. Andy poderia ter feito mais, e cedo seria melhor, mas os anos passaram e tudo ficou mais enraizado no Jude... Realmente me irritei com as coisas que todos poderiam ter feito pra ajudar Jude, mas foram covardes demais. Da mesma forma que é triste saber, que fizeram quase tudo o possível. Principalmente Harold e Julia no final, o livro não mostrou o pensamento de Jude quando ele pôs um fim em tudo. Mas deve ter sido algo muito forte.
"E ele chora e chora, chora por tudo que foi, por tudo que podia ter sido, por cada velha ferida, por cada velha alegria, chora pela vergonha e pela felicidade de finalmente poder ser criança, com todos os caprichos, as vontades e as inseguranças de uma criança, pelo privilégio de se comportar mal e ser perdoado, pelo esplendor do afeto, dos carinhos, de servirem-lhe uma refeição e forçarem-no a comê-la, pela capacidade, finalmente, finalmente, de acreditar nas garantias de um pai, de acreditar que ele é especial para alguém, apesar de todos os seus erros e de seu ódio, por causa de todos os seus erros e de seu ódio." Achei que ele ficaria bem então, mas única resposta pra ele foi a morte, o que mostra o quão incurável era seu sofrimento nessa terra. Simplesmente avassalador.
Harold um bom pai, eu chorei quando ele e Julia contaram que iam adotar o Jude. Impossível não se emocionar.
E também chorei nessa cena aqui: "? Jude ? diz Harold para ele, em voz baixa. ? Meu pobre Jude. Meu pobre querido."
Foi muito marcante, o último capítulo inteiro, sinto vontade de reler. É verdade quando dizem que esse é o melhor pior livro.
!!!! Spoiler Acima !!!!