Tinho Silva (@cafecomlivrossp) 08/04/2020
Todos os contos – Clarice Lispector
Aqui, o biografo oficial da autora, Benjamin Moser, reúne todos os contos da escritora em um único livro. Laços de família (1960), A legião Estrangeira (1964), Felicidade Clandestina (1971), Onde estivestes de noite? (1974), A Via Crucis do Corpo (1974), O Ovo e a Galinha (1977), A Bela e a fera (1979) e mais 78 contos compõem essa coletânea. O que chama a atenção nessa obra é o trabalho minucioso de pesquisa por parte do biografo, pois alguns desses contos foram escritos para os jornais da época e nunca lançados em livros. Outro fato importante é que os contos não estão apresentados em ordem cronológica o que deixa a leitura mais rica e interessante.
É um livro prazeroso de se ter e ler. E se tratando de Clarice Lispector ficamos muito mais empolgados com a leitura. Cabe ressaltar também que a forma inovadora de escrita que permeou a sua trajetória literária ficam evidenciados em cada um dos contos. Os traços intimistas, a supervalorização dos sentimentos e das sensações, remetendo ao ser humano dentro da sua intimidade, trazem os mais diversos questionamentos sobre nós e sobre a condição humana. Finalizando, deixarei um dos trechos do meu conto favorito da autora e que vai corroborar com as afirmações citadas acima.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim.
Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante. (Conto: Felicidade Clandestina, p.395 e 396).
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