Confissões de uma leitora 05/04/2021
Que leitura, minha gente!
Morosa. Estarrecedora. Angustiante.
Um relato real para corações fortes.
Nunca levei tanto tempo para ler um livro, para digeri-lo. Essas páginas exigiram muito de mim como leitora, como ser humano; lidas em doses homeopáticas.
Não é preciso ser mãe para se sensibilizar com essa mãe, nem concordar com x ou y, basta estar disposto e, sobretudo, ter empatia para compreender as questões aqui apresentadas por uma mãe enlutada que, antes de mais nada, perdeu um filho, não uma, mas duas vezes; que teve de desconstruir a imagem que tinha como certa sobre sua família, seu filho e ela mesma, valores e princípios colocados em cheque, e lidar com diferentes tipos de luto, além da culpa por não ter previsto o massacre cometido por seu amado filho, por amá-lo e sentir saudades, pela inúmeras possibilidades imaginárias recheadas de “ses” e “poderia” e a certeza de que não dá pra voltar no tempo, pelo rastro de destruição e pela dor que foram deixadas pra trás não apenas em seu seio familiar, como em outras dezenas e comunidade em geral. Não houve um só momento que não quis atravessar as páginas e abraçar Sue Klebold e guardá-la num lugar seguro, até dela mesma.
Conforme avançamos a leitura somos tomados por uma impotência absurda.
O nó na garganta é persistente.
O aperto no peito é contínuo até estarmos mortificados.
Sue não apenas conta a pior parte da história de sua vida, ela também nos mostra como foi, minuto a minuto, passo a passo; seus dedos se entrelaçam aos nossos e somos guiados naquele dia fatídico e nos que se seguem depois deste até meses, anos depois. Indo e vindo entre o passado e o presente, com percepções, memórias, descobertas, caídas e recaídas. Uma miríade de sentimentos e emoções conflituosas e complexas são despejadas em páginas e mais páginas, nos bombardeando, como se fosse um enxame de milhões de abelhas furiosas, até que a sensação seja demais... sufocando, paralisando, desespero puro.
Não lembro de respirar fundo tantas vezes antes em uma leitura, de fazer tantas pausas com os olhos transbordando para me reorganizar mental e emocionalmente.
Os alertas de Sue para os pais e sua admissão sobre sua percepção equivocada e limitada sobre o filho referentes ao seu bem estar, sua capacidade de fazer o bem e o mal, do que ela e, acrescento, a maioria, crê que são sinais de uma criança saudável e feliz, não são surpresas pra mim, mas creio ser surpreendente para muitos pais desatentos.
Há um conflito descomunal, tanta dor que a mínima bondade ofertada dói.
Há também uma dualidade quando se trata desta percepção familiar e bem-estar de seus membros, pois, ao mesmo tempo em que Sue chama a atenção para a máscara de ok usadas diariamente pelos filhos (todos nós), ela também reforça em cada linha, até mesmo nas entrelinhas, que diferente do que a mídia pregou e muitos acreditam até hoje, Dylan era um bom filho, criado em uma família funcional, cercado de amor e bons valores. E no fim, é obrigada a aceitar e admitir a dura realidade: boa criação não é garantia de boas pessoas; boas pessoas também são capazes de cometer atos hediondos. Isso me fez pensar na imagem polarizada que fazemos com os familiares dos envolvidos numa tragédia, transmitimos compaixão e empatia as vítimas, aos pais e familiares destes. Porém, quando se trata dos pais do agressor, familiares e até mesmo o próprio agressor, os olhos condenam, repudiam, tomam achismos como verdades absolutas, embebidos de revolta e sede de vingança. Não há espaço para empatia, para a mínima disposição de entendimento. E sem notar, nos tornamos desumanos também, exigindo retaliação, como se isso fosse de direito, como se aplacasse algo e/ou amenizasse o dano feito. Ilusão, claro. Ou talvez seja uma forma segura de trazer à tona desejos (fantasias) perversos sem ser recriminado por isso.
Gostei dos estudos apresentados, há muito conhecimento, embora nem todos sejam novidade pra mim, alguns me trouxeram novos ângulos.
E, bem, apesar de toda a dor, houve espaço para a transformação e superação.
No entanto, algumas dores não podem ser combatidas por completo. Elas se assentam, latejam em espaços maiores de tempo, ficam menos barulhentas, mas nunca silenciam.
Sue Klebold é um ser humano incrível e muito especial.
Ela tem todo o meu respeito e amor.