Paulo 27/06/2017
Muitas vezes buscamos alguma história ou conto para introduzirmos nossos filhos e filhas a entrar no mundo dos livros. Com tantas histórias complexas e um mundo cinza como nos dias de hoje, boas histórias se tornaram raras. Lembro-me de no ano passado só ter conhecido Lagoena, da autora Laísa Couto, que tivesse essas características. E, mantendo a tradição, parece que eu encontrei mais uma autora com esse estilo de escrita. E, antes de começar a resenha propriamente dita, queria agradecer à autora não apenas por ter nos enviado o livro para leitura e divulgação, mas por ter escrito essa obra tão linda. Esse é mais um livro que eu poderei indicar aos meus alunos que ainda não conhecem o mundo fantástico da leitura. Só por isso a autora já conseguiu um fã.
Bem, antes de falar dos inúmeros pontos positivos da obra, preciso comentar sobre os negativos. E eu fiquei em uma dúvida cruel entre pôr uma ou das corujas no elemento de escrita. O que pesou na decisão foram aspectos não necessariamente ligados à escrita em si, mas à edição física do livro. Acho que existem algumas coisas que podem ser aprimoradas para uma segunda edição. Queria antes alertar a autora sobre a encadernação feita. A minha edição descolou em menos de três dias. E eu sou um leitor cuidadoso com os meus bebês. Aviso à autora porque, com certeza, ela pagou uma nota do próprio bolso para imprimir e encadernar estas edições. Gente, livro físico é investimento. Cristina, cobre da pessoa que imprimiu os seus livros que seja mais cuidadoso ou até mesmo troque de lugar.
Mas, este não foi um aspecto negativo porque não estava na alçada da autora. O livro precisa de uma leve revisão para pegar alguns typos. Uma boa revisão faria muito bem ao livro porque pode acabar fazendo um bem danado à edição. Entendo que nem sempre seja algo barato, mas ao passar por uma revisão com alguém que realmente entenda do processo pode ser um verdadeiro banho de loja para o livro. Não que a escrita esteja ruim, nem nada do gênero. Muito pelo contrário. Mas, já que acertar typos é necessário, por que não fazer o serviço completo de uma vez?
Gostei muito da escrita da Cristina. Gostosa, suave e dinâmica em poucas palavras. Devorei o livro em menos de cinco dias. Pisei até no freio para curtir mais porque nos dois primeiros dias já tinha passado de mais da metade da leitura. Daí até o final foi um pulo. A narrativa é escrita em terceira pessoa, onisciente, a partir do ponto de vista de seu protagonista Teriva. Vez ou outra a autora sai um pouco do Teriva para compor capítulos com Vorten ou Versakes, mas não são comuns. Aliás, se não me engano, tem um até com Julenis mais para o final. Além de ser uma escrita gostosa, é uma escrita simples. Não existem dúvidas acerca do universo e a autora explica muito bem o funcionamento da física do mundo. Achei apenas que estas informações são colocadas de uma maneira muito expositiva. Um dos autores do momento, Brandon Sanderson, chama isso de info dumping. O autor se sente impelido a explicar ao máximo a magia, a sociedade, a política de forma a que o leitor não se sinta perdido na história. Porém, isso pode acabar atrapalhando a narrativa tamanha a quantidade de informações. Aqui existem dois pontos: primeiro, a autora precisa repassar o máximo de informações possíveis porque o seu público alvo é composto por leitores em formação, logo não há espaço para tornar as coisas complexas demais; mas, em segundo, a apresentação das informações poderia ser feita mais sutilmente, através de diálogos curtos, do uso dos cinco sentidos dos personagens, visões panorâmicas do mundo etc. Existem alguns truques narrativos que aliviam o info dumping sem afetar a história.
Ao observar aquelas páginas em branco espalhadas pelo livro, pensei em algumas soluções bacanas para suprir este espaço. Eles poderiam ser suprimidos, mas achei tão legal se a Cristina preenchesse esses espaços com lendas, canções e provérbios ligados ao mundo de Quatuorian. Isso daria uma profundidade maior ao universo sem tirar sua leveza. E eu percebi ao longo da narrativa que a autora sabe compor músicas e versos bacanas.
Os personagens são bem desenvolvidos pela autora. Cada um tem suas características exploradas ao longo da história, com suas falhas e virtudes. Mesmo Teriva tem suas inseguranças. Mas, claro, a autora trabalha estes temas sempre de uma maneira tranquila, tornando a história muito acessível para todas as idades. O uso da jornada do herói é feita sutilmente, tanto a ponto de eu só perceber apenas na terceira parte que ela a estava usando. Os personagens de apoio também são importantes para a maturação do protagonista e de seus companheiros. Existe um romance sendo explorado durante a narrativa, mas não é algo chato ou maçante. A autora apresenta o triângulo amoroso até de uma maneira harmônica com o desenvolvimento da narrativa.
A essência da história é a batalha entre o bem e o mal. Alguns de vocês, leitores, podem reclamar de um tema clichê. Mas, eu já disse o quanto as histórias empregam os mesmos temas há décadas. Encontrar algo 100% original é muito difícil. Não é o clichê per se, mas a forma como o clichê é usado para criar algo único é que faz uma história ser inesquecível. A autora não inventa a roda, mas cria uma história revigorante, partindo de um tema bem antigo. Nada é forçado demais e o tema é bem aproveitado para compor uma história aventuresca. Esse tom de curiosidade e aventura está presente em todo o desenvolvimento de O Mundo de Quatuorian. Me ressinto da falta de histórias que explorem mais esse estilo de narrativa. Como eu disse acima, tudo é cinza, o protagonista precisa ser sofrido ou um antiherói. Personagens como o Teriva não são comuns nos livros de fantasia e isso é uma pena.
Apesar de o livro ser grande, a narrativa é muito fluida. A escolha da autora por capítulos curtos facilita demais a leitura. Não significa que todos os autores devam empregar esta mesma fórmula. Significa apenas que, para a Cristina Pezel em seu livro, a fórmula funcionou bem. Ela compôs a história em três atos, com algum acontecimento impactante encerrando cada um dos atos. Para mim, a autora faz bem isso no final do segundo para o terceiro e no final da história. São os momentos mais emocionantes da história. Fica um aviso que quem estiver esperando uma história com lutas mortais, duelos de espada, cabeças rolando, saia fora. Essa não é uma história para você. Mas, quem, como eu, busca algo divertido, aventuresco e surpreendente, vai encontrar neste livro uma boa leitura para uma tarde de final de semana. O fato de o livro ser um stand-alone, ou seja, ser uma história fechada, ajuda muito. Para aqueles que estão correndo de séries, esse pode ser o livro que você pode estar procurando.
Cristina Pezel é uma escritora muito talentosa. Sinto que ela ainda busca trabalhar um pouco sua pena, mas se O Mundo de Quatuorian representa sua exposição para um público maior, já significa que eu quero acompanhar de perto os seus próximos trabalhos. Recomendo este livro a todas as idades, seja você alguém que procura algo de fantasia a ser lido ou alguém que deseja entrar para este mundo.
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