Paulo Sousa 09/04/2018
Nem, o dono do morro
Livro lido 2°/Abr//17°/2018
Título: O dono do morro - Um homem e a batalha pelo Rio
Título original: Nemesis: One man and the battle for Rio
Autor: Misha Glenny (GBR)
Tradução: Denise Bottman
Editora: @companhiadasletras
Ano de lançamento: 2015
Ano desta edição: 2016
Páginas: 360
Classificação: ????????
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Em tempos de intervenção na cidade do Rio de Janeiro, nada melhor que buscar um livro que reunisse e esmiuçasse a trajetória de como o tráfico de drogas se arraigou naquela que é incontestavelmente uma das mais belas cidades do Brasil e do mundo.
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O jornalista e escritor britânico Misha Glenny abraçou um projeto ambicioso: ficar cara a cara com Antônio Francisco Bonfim Lopes, que se tornou nacional e internacionalmente conhecido como "Nem da Rocinha", um dos líderes do tráfico que mais tempo dominou o complexo de favelas da Rocinha. Num misto de reportagem e romance, Glenny faz um esclarecedor apanhado de como se deu o advento das favelas cariocas bem como o surgimento de um modus vivendi até hoje reinante: a controversa simbiose entre a prática do tráfico de cocaína aliada com o surgimento e consolidação das facções criminosas que levam a cabo o projeto de reinar dentro das comunidades desassistidas do Rio.
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Numa prosa dinâmica, clara e reveladora, Misha apresenta ao leitor as raízes do tráfico, surgidas ainda no auge da corrida do ouro no Norte brasileiro, quando os garimpeiros começaram a construir relações comerciais com produtores colombianos e bolivianos de cocaína na Amazônia andina.
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De lá para cá o tráfico se enraizou, se modernizou e permitiu o surgimento de uma figura ímpar para sua existência: o DONO DO MORRO, uma espécie de empresário do tráfico mas com amplos poderes para manter ou alterar a segurança da favela, de dar assistência social onde o Estado falhou e praticar a justiça a seu bel prazer. Desde o final dos anos 80 foram vários os mandatários do tráfico, e Glenny, além de delinear o temperamento e grau de comprometimento e violência de cada um deles, vai construindo análises que norteiam o leitor a entender melhor que o que se vê hoje na cidade do Rio de Janeiro é resultado de um conjunto de fatores sociais negativos acrescidos às características e peculiaridades da ocupação dessas vastas encostas nos subúrbios do Rio.
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Antônio, mais tarde o Nem, de certa forma personagem principal deste livro, tem uma história parecida com muitos que acabaram no tráfico: oriundo de uma família desestruturada, casado e pai de uma filha com uma rara doença, se vê obrigado a buscar no tráfico os meios para poder custear o tratamento médico da filha. De pai de família ele decide fazer um "bico" na facção Comando Vermelho , mas de simples soldado, em pouco mais de onze anos, Antônio vai se metamorfoseando em Nem, um líder carismático, querido pela comunidade da Rocinha, com um curioso código de conduta que funciona e traz uma certa paz à favela e prosperidade aos seus moradores. Esse Robin Hood moderno tem seus dias de glória trocados pela prisão em 2011 (aonde está até hoje) justamente por dirigir um negócio a todo momento ameaçado por soldados do tráfico arredios e ansiosos por espalhar terror e medo, pela mídia inclemente que o retratou como um assassino frio e sanguinário e por estar na mira das mais altas cúpulas da segurança pública do Estado.
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A história e legado de Nem retrata e reacende inevitavelmente reflexões sociológicas sobre como o meio transforma o indivíduo, sobre as consequências de nossas escolhas e releva o agudo câncer da corrupção generalizada na máquina estatal que ironicamente teria o dever de proteger o cidadão mas muitas vezes se alia ao crime organizado para dali tirar sua parte dos lucros.
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Recomendo vivamente a leitura deste livro excepcional!