LAPLACE 20/03/2024Doadores de Sono - Karen RussellBem, vamos lá, por onde começar? Esse foi um livro que me conquistou pela capa, e quando li a sinopse não tive dúvidas de que eu precisava lê-lo. A premissa é incrível, uma epidemia de insônia capaz de matar as pessoas. Sério, como ninguém nunca pensou nisso antes? Eu achei genial. Mas tiveram vários fatores que me desagradaram na leitura.
Primeiramente, a história é bem superficial. A autora faz uma boa introdução no primeiro capítulo para nos ambientar, mas as demais informações que temos sobre a epidemia, como isso afetou a sociedade, é pouco explorado. Temos sim explicações sobre os insones e outros termos atribuídos aos afetados pela doença que eu sinceramente não vou me recordar, mas a sociedade no geral, como ficou? As cidades pararam? As pessoas ainda vão trabalhar e estudar? Como está o comércio além do comércio noturno? Alguma cidade sucumbiu a anarquia? Nós não temos informações assim.
Outra questão são os personagens, como eles são rasos. Quem são eles? O que fazem quando não estão lidando diretamente com a doação do sono? Quais suas ambições, seus defeitos, seus familiares, como a epidemia os afetou? Eu não me incomodei com a falta de descrição física deles porque prefiro quando o autor deixa isso a cargo da imaginação do leitor, mas a definição de personalidade, o histórico, cadê isso?
Eu não criei empatia por nenhum dos personagens. Tirando a Trish e o Felix nós não sabemos quase nada sobre nenhum dos outros, e mesmo desses dois o que sabemos é pouquíssimo. O que sabemos da Trish além do passado da sua irmã? Não deu para simpatizar com as questões deles, não deu para se apegar ou odiar alguém, não deu para sentir um senso de perigo em momento algum.
A forma da narrativa também me foi problemática. Eu nem sei direito tudo o que falar de como isso atrapalhou a experiência, mas primeiramente o livro quase não tem diálogos, e os poucos que têm são fracos. Têm diálogos em situações que você espera um grande clímax, mas a conversa é pobre e não chega a lugar nenhum. Além disso, a autora faz umas comparações muito nada a ver com o contexto, que faz você ficar "Oi? Eu ainda estou lendo o mesmo livro?". Digo, o que foi aquela comparação com o peixe raia assim, do nada? Não tinha nada melhor e condizente com esse universo para comparar?
A maioria dos capítulos são curtos, mas há parágrafos extremamente longos, alguns ocupam mais da metade da página e isso deixa a leitura cansativa. Alguns desses capítulos tem 2-3 linhas e parecem uma coisa nada a ver perdida na história. Aliás, isso é outra questão, em muitos momentos a narrativa é bem confusa. Situações acontecem simplesmente do nada, sem nenhum indício anterior de que algo assim poderia acontecer, como o envolvimento entre Trish e Jeremy. Deu a impressão de que a autora só queria colocar algum romance ou cena mais picante na obra. E o que foi aquele comportamento da Trish de achar que qualquer pessoa que queira ficar a sós com você é porque quer transar? E o que foi aquele comportamento de ok, tudo bem transar do nada com alguém que você mal conhece e que é casado com uma pessoa próxima a você sem sentir remorso algum?
Outra coisa: continuidade. A autora lança questões importantes em um capítulo e ignora completamente nos seguintes. A história segue como se nada tivesse acontecido. Situações sérias são resolvidas sem clímax algum. O debate mental dos personagens sobre questões importantes é muito raso. E onde estão os cliffhangers????? A maioria dos capítulos acaba do nada, sem nada que te instigue a ler o seguinte.
Até a escolha da tipografia prejudicou a experiência. Sinto muito, Record, mas essa letra mais arredondada, de aparência simpática, não convence para um clima de suspense e tensão que a trama propõe. Uma opção semi condensada e com letras mais estreitas ficaria melhor. Além disso, cadê o hífen na quebra de palavras ao final de uma linha? Essa ausência atrapalha a leitura, quando pula para a linha seguinte você pensa que está lendo uma nova palavra, mas, olha só, é a continuação da palavra da linha anterior.
Para finalizar, eu acho, porque essa resenha já está gigante, mas ainda sinto como se houvesse muito o que falar: onde está o final do livro? Onde estão os desfechos de todas as pontas soltas deixadas ao longo da trama? Durante o livro inteiro temos o suspense sobre o grande vilão da obra, de como o que ele fez chegou a outros países, afetou o mundo inteiro, e isso é resolvido de forma patética. O cara não precisava ser alguém que queria exterminar a humanidade, mas sua conclusão não precisava ter sido simplesmente cuspida de qualquer forma como se a autora tivesse escrito só porque precisava dar um desfecho para isso.
E as outras pontas soltas seguem o mesmo destino ou apenas são ignoradas. A protagonista fica em um grande dilema desde a metade do livro mais ou menos, e isso é tratado de qualquer jeito ao longo da história. E quando finalmente vai ser solucionado, simplesmente não sabemos o que acontece, porque a autora acaba a história. Ela finaliza sem deixar absolutamente nada esclarecido, fica tudo por isso mesmo.
Eu sinceramente não consigo crer que Stephen King tenha dito que essa obra é brilhante e merecedora de um prêmio. Eu não acredito que ele tenha dito que esse livro tem ficção científica hard. Eu não queria que essa resenha tivesse tomado esse caminho, mas eu precisava desse desabafo. Se você quiser ler esse livro, leia por sua conta e risco.