MiCandeloro 23/12/2016
Mágico e poético!
Lo-Melkhiin era um poderoso rei, amado e respeitado por seu povo. Destemido, frequentemente fazia incursões de caça, onde voltava incólume e com lindas peles e jubas de leão para presentear a mãe, mas não naquele dia.
Pego de surpresa, Lo-Melkhiin foi dominado por um demônio, que se valeu de suas fraquezas para controlá-lo, banindo-o para um canto escuro de sua própria mente.
Apesar das suspeitas, nunca ninguém descobriu o que havia de fato ocorrido com o rei e, para não cair em desgraça, não o contrariavam. O demônio que habitava o corpo do homem estava sedento por poder, e uma ótima forma de obtê-lo era matando e consumindo o medo e o desespero de suas vítimas. E foi assim que uma tradição se criou: Lo-Melkhiin passou a visitar vilarejo por vilarejo e, em cada um deles, levava consigo uma noiva, que matava na noite de núpcias ou algumas após.
Havia chegado o momento de vossa graça visitar o uádi da plebeia, aquela que não tem nome e que era apaixonada por sua irmã, a quem tinha como confidente e melhor amiga.
Ela sabia que assim que Lo-Melkhiin visse a sua irmã, a levaria para seu qsar. Ela não podia permitir que a irmã morresse. Sendo assim, bolou um plano com a mãe de sua irmã e se vestiu da maneira mais formosa. Sua ideia funcionou, pois Lo-Melkhiin a escolheu. Sua irmã se desesperou e jurou que criaria um santuário para ela e a tornaria uma deusa menor, por tê-la salvo. E, enquanto ela se mantivesse viva, também evitaria a morte de outras tantas inocentes. E essa se tornou a sua meta, não morrer.
Mal sabia ela que faria muito mais. Tendo tocado diversos corações e inspirado muitas vidas, seu reinado iria provar da força das orações e da compaixão para com o seu opressor mais cruel.
Querem saber o que vai acontecer? Então leiam!
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Meu interesse por As mil noites surgiu de um post que li no próprio blog da Editora Intrínseca, feito pela Fabiane Pereira, que elencava este livro como uma leitura feminista, e eu fiquei curiosa para saber como a autora tinha inserido esta temática em uma releitura de um clássico tão famoso.
O que contribuiu para eu escolher esta obra foi o fato de eu ter amado A rebelde do Deserto, que igualmente possui uma narrativa que se passa em terras áridas e perigosas e que tem como protagonista uma jovem forte, inteligente e à frente das mulheres do seu povoado.
Como não li As mil e uma noites, não tinha a mínima ideia do que esperar desse exemplar, só imaginei que fosse me deparar com diversas histórias contadas pela narradora, como uma artimanha para se manter viva, mas não foi bem isso o que aconteceu.
Escrito em primeira pessoa, com capítulos intercalados, logo no início temos o testemunho do demônio e de como ele capturou Lo-Melkhiin, para em seguida conhecermos um pouco sobre a menina que transformaria a vida de todo um deserto.
Fiquei impressionada com a beleza da cultura apresentada. Não sei até que ponto se trata de uma construção da autora, ou se já existia no original, mas a aldeia de nossa heroína dispõe de algumas peculiaridades.
Cada família possui seu deus menor, que se trata de alguma pessoa que fez algo de importante na vida e passou a ser venerado após a morte, a quem se reza e se leva oferendas. Cada núcleo familiar tem a sua língua própria e antiga, que utilizam para transmitirem segredos entre gerações e para entoar cânticos tradicionais. Todos sabem sobreviver no deserto e têm ciência de que precisam um dos outros para se manterem vivos.
Nesta trama ainda há a presença dos céticos, que diferente dos sacerdotes, utilizam seus dias apenas para pensar, questionar e discutir suas teorias. Eles poderiam ser comparados aos grandes filósofos gregos, e achei incrível como ciência e religião conviviam em harmonia.
Por se passar em tempos antigos, achei curioso o fato de que muitas coisas eles não conheciam, a ponto de temerem uma tempestade ou se maravilharem com uma chuva de estrelas cadentes. Mesmo assim, não deixavam de ser sábios e bondosos. Todos esses elementos, construídos com maestria, fizeram com que eu conseguisse mergulhar numa áurea de magia que permeava o enredo.
Uma curiosidade em relação a essa escrita é que os personagens não têm nomes, com exceção do rei e de alguns dos seus súditos. Isso pode causar estranheza em alguns, mas não tive dificuldades de ler nem de entender por conta disso.
Quanto à trama em si, confesso que achei meio confusa. Não compreendi bem por que a autora optou por dar poderes à protagonista e nem o porquê dela ser tão abnegada, uma qualidade que acho irreal nos dias de hoje.
Pelo que percebi, o foco do texto pareceu se assentar na ideia de que todos somos seres duais, bons, mas igualmente maus, dependendo das nossas ações e escolhas que passamos a tomar, e que ninguém está livre de se tornar um monstro.
Uma coisa interessante é, que diferente da maioria dos livros, não houve romance nessa história, e o demônio não foi salvo pelo amor, mas sim por uma jovem mulher que descobriu a sua força e não se calou e nem se deixou oprimir frente a um tirano.
Não sei se a autora teve intenção de destacar o poder das orações, mas foi arrepiante presenciar o que elas são capazes, principalmente quando uma nação se junta por uma mesma causa.
Ademais, foi lindo de ver a relação estabelecida entre a plebeia e sua irmã. Quisera eu ter uma conexão dessas com a minha. Era impossível de se enxergar onde começava uma e terminava a outra, a ponto de praticamente dividirem até as suas mães.
Quanto ao final, foi cheio de ação e de esperanças.
As mil noites foi uma grata surpresa. Uma leitura interessante e mágica, muito poética, que nos mostra que tudo na vida tem o seu preço e que me conquistou. Recomendo.
site: http://www.recantodami.com