Stella F.. 27/04/2022
Morte Digna
A Morte é um dia que vale a pena viver – Ana Claudia Quintana Arantes – 2019 – Editora Sextante
Pensar na sua própria morte parece mórbido, é um tabu. No dia a dia procuramos não nos dar conta da nossa finitude, do que pode acontecer caso fiquemos doentes e não haja retorno, nem cura para nossa enfermidade.
Pensando nisso tudo a autora fez uma trajetória onde se encontrou e se realizou, apesar de ser julgada por muitos. Mas para isso trabalhou muito, estudando, criando regras e estabelecendo critérios científicos e constitucionais que dessem respaldo ao que acreditava ser o certo a fazer.
Estudou medicina, e durante seus estágios e depois de formada, nos seus plantões, não ficava satisfeita como os médicos eram ensinados a só dar atenção à doença, sem pensar no paciente como pessoa. Isso a transtornava e a fazia pensar como poderia fazer diferente. Abandonou a carreira por um tempo, e foi se interessando pelos “Cuidados Paliativos”, o que a levou a participar de um TED sobre o assunto, que foi muito visualizado e que gerou esse livro.
“Cuidados Paliativos consistem na assistência, promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de seus familiares diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento da dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.” (Organização Mundial d Saúde, 2002) (pg. 41)
A autora nos mostra que é possível pensar na morte digna, sem sedação final, nos casos de doenças incuráveis, onde levar um doente para o CTI é uma tortura desnecessária e fútil. Deve haver um consentimento do paciente que através dos Cuidados Paliativos, com respaldo na lei, na constituição e com suas próprias regulamentações dentro da medicina, deve deixar claro à equipe médica e aos familiares os seus desejos.
“Cuidados paliativos é tratar e escutar o paciente e a família, é dizer ‘sim, sempre há algo que pode ser feito’ da forma mais sublime e amorosa que pode existir. É um avanço da medicina.” (Mensagem de agradecimento deixada por uma filha que acompanhou a morte do pai) (pg. 51)
O livro vai nos falando da sua trajetória, como escolheu essa especialidade e no que ela consta, todos os pormenores, desde conversar com o paciente sobre sua doença, sobre seus sentimentos e arrependimentos, sempre incluindo a família nesse movimento de aceitação, compreensão e de ajuda nesse processo final, tão sofrido, mas muitas vezes necessário, sem volta. E o diferencial, que adorei, foi a abertura dos capítulos, com citações lindíssimas, e pertinentes ao assunto.
"Não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte é depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou." (Gilberto Gil) (abertura do capítulo Medo da Morte, Medo da Vida pg. 57)
Complexo, difícil, sofrido, mas ao mesmo tempo belo! Morrer com dignidade. Corajosa!
“Aceito a morte como parte da vida e tomo todas as providências e condutas para oferecer ao meu paciente a saúde, definida aqui como o bem-estar resultante do conforto físico, emocional, familiar, social e espiritual." (pg. 49)
E no Brasil estamos engatinhando nesse assunto. Quando o livro foi escrito, havia “cerca de 180 serviços de Cuidados Paliativos, a maioria deles públicos, enquanto nos Estados Unidos há mais de 4 mil.” (pg. 186)