Matheus 04/03/2024
O que acontece quando um árabe é morto
No momento em que Moussa morre, sua família deixa de viver. Condenados a viver enlutados por essa tragédia, sem nem ter um corpo pra materializar o que se passou, Haroun e sua mãe passam a viver com esse fantasma, de alguém que se foi e não vai mais voltar, mas eles não podem se ajudar, então esperam. Não há outra coisa a fazer.
O livro mostra os efeitos de uma morte que, pra todo o resto do mundo, não teve importância alguma, mas que alterou o curso de uma família pra sempre. Haroun foi condenado a viver a vida do irmão, mas sem poder viver, para não correr o risco de ser morto. Sua mãe, condenada a sofrer pelo filho amado, que não voltou, e pela presença do filho errado, que não morreu. Não consigo evitar de pensar que se Haroun tivesse sido morto, Moussa sofreria do mesmo mal. É a tragédia que dói mais. É ter o filho arrancado, sem a menor cerimonia. É ter a vida revirada enquanto o mundo segue seu fluxo. É ver a dor exceder o amor.
Haroun se assemelha muito a Meursault em várias coisas, com uma diferença específica que instaura um abismo entre os dois: Haroun sente muito e não saberia viver de outra forma. Deseja uma condenação não por aceitar o que estava feito, mas por entender a gravidade de seu ato, por sentir o peso de uma vida sobre seus ombros, mais uma.
Camus perdeu de escrever sobre as consequências do crime de Meursault. Ainda bem que Daoud existe.