Guilherme 03/05/2020
Tolkien e eu
A parte da minha crença religiosa, da minha família e dos poucos (e valiosos) amigos eu sempre busquei refúgio na arte. As músicas, filmes e livros são a minha constante companhia em tempos de tristeza, preocupação e alegria, é um relacionamento saudável onde posso buscar conforto quando estou sozinho.
Minha memória para essas frivolidades é excepcional, não me lembro da fórmula de báskara ou dos 4 p’s do marketing, mas sei todas as formações dos Ramones, o nome de todos os filmes do Tarantino na ordem e boa parte da linguagem nadsat do livro Laranja Mecânica. Isso porque esses personagens e obras marcaram profundamente a minha vida como adolescente e como adulto.
Minha relação com os artistas é um pouco fria, desde moleque sempre parti do princípio de que sou um amante das obras e não de seus criadores. Isso talvez seja um mecanismo interno que desenvolvi inconscientemente para evitar decepções. Assim como com as paixões platônicas que nos seguem a vida toda, todo o processo de idealização de uma pessoa fatalmente acaba em decepção, já que todas as pessoas que existiram e existirão são passíveis de defeitos.
Sendo assim não sou devoto de ninguém, mesmo amando suas obras.
Dentro desse universo exclusivamente pessoal nenhum autor nunca me impactou tanto quanto o acadêmico inglês John Ronald Reuel Tolkien, um senhorzinho há muito falecido (em 1973 pra ser mais exato).
Lembro com clareza daquele ano de 2006, eu tinha 16 anos e estava estudando o segundo ano do segundo grau, penúltimo ano do ensino médio. Como todo bom adolescente vivia o turbilhão de novidades e sentimentos que descobrimos na transição da infância para a vida adulta. Foi um ano especialmente solitário, já que havia sido transferido de horário e deixado boa parte dos amigos para trás.
Mas vendo hoje foi um dos anos mais importantes da minha vida, foi quando eu comecei a me interessar por coisas que não faziam parte do que as pessoas da minha idade gostavam, comecei a matar o tédio juvenil na biblioteca da escola e ouvindo muita música. Nessa fase descobri um universo novo de referências e pensamentos, por mais inocente que possa parecer foi a época que começou a moldar a minha personalidade como adulto.
E nesse momento que fui introduzido aos livros de J.R.R. Tolkien. Uma professora que me via sempre lendo alguma coisa decidiu me emprestar os seus três volumes de O Senhor dos Anéis, que há alguns anos haviam gerado filmes de muito sucesso e que eu achava meio chato, mesmo tendo visto só alguns minutos do primeiro filme, lançado em 2001.
E foi aí que eu fui tomado por um universo inacreditavelmente profundo e rico. Até hoje nunca tive uma experiência tão incrível com um obra de ficção como em “O Senhor dos Anéis”, depois de ler quatro vezes e de mais de 10 anos depois, esse continua a ser meu livro favorito.
E mesmo assim nunca havia me aprofundado na história de seu autor, um homem que sozinho dedicou mais da metade da sua vida à criação de um universo mitológico completo. Então para sanar todas as dúvidas que eu tinha sobre a sua história de vida comprei e li a maravilhosa edição de “J.R.R. Tolkien, O Senhor da Fantasia” de Michael White, lançado no Brasil em uma edição espetacular da editora Darkside.
John Ronald Reuel Tolkien, ou somente Ronald ou professor Tolkien, vivenciou muito dos sentimentos explicitados em seu livro. De origem humilde, o jovem Ronald ficou órfão cedo, viveu um amor proibido, foi para a guerra e retornou e descobriu na academia o seu lugar no mundo. Hoje o nome Tolkien é por si só um símbolo de qualidade para os leitores e de cifras para as editoras.
Por ter falecido há muito tempo o autor hoje mantém uma certa aura mística sobre a sua personalidade. E como eu disse antes, essa idealização as vezes nos cega de ver os traços reais de uma pessoa e sim, ele tinha muitos defeitos. Além de exacerbadamente crítico de tudo, Tolkien não sabia lidar com críticas, era um católico que beirava ao fanatismo e não aceitava diferenças religiosas. Tanto que exigiu que sua amada esposa Edith (sua imortal Luthien) se convertesse para que pudessem se casar.
O livro se desenvolve de maneira fascinante e é incrível como uma história de vida turbulenta acabou por moldar a mente e a criatividade de Tolkien e refletir tudo isso em sua obra. Hoje o seu nome e universo fantasioso são difundidos mundialmente, rendendo bilhões em espólio e com uma base de fãs cada vez maior. É revigorante ver uma história que preza pela amizade e comprometimento arrebatando corações por tanto tempo.