Marlo R. R. López 15/10/2019O pano de fundo de "Intérprete de males" é fruto da experiência de deslocamento geográfico e cultural da própria autora: filha de indianos, Jhumpa Lahiri nasceu em Londres e naturalizou-se norte-americana, o que a levou a ser constituída por costumes e práticas bastante distintas – percebendo-se, quem sabe, como um pouco estrangeira nos três continentes. E o livro é composto por nove contos que narram exatamente a experiência de indianos – ou, no caso de dois deles, de pessoas que convivem com indianos – em território estranho – seja os Estados Unidos liberal ou uma Índia opressiva –, lutando para encontrar um sentido nesse lugar transitório entre o passado e o presente, entre uma cultura e outra. Enquanto tateiam para encontrar e estabelecer raízes em seu próprio lugar, e ainda que esse lugar seja, às vezes, totalmente subjetivo, os personagens cultivam seus costumes nativos aprendidos através de gerações de antepassados.
A obra se debruça sobre a experiência de choque entre duas culturas distintas, a indiana e a ocidental, e sobre como essas duas culturas se organizam através da experiência dos protagonistas, criando uma síntese necessária para o encontro de sentido no cotidiano.
O livro é homogêneo tanto no conteúdo quanto na forma, de modo que os contos são narrados sempre no mesmo tom delicado, profundo e inteligente, deixando transparecer nas histórias uma perceptível reflexão sobre o desconforto de pessoas em trânsito, saindo de uma etapa da vida e entrando em outra. Dos nove contos, aqueles que aprofundam o olhar exclusivamente sobre indianos entre indianos na Índia são dois: “Um durwan de verdade” e “O tratamento de Bibi Haldar”.
Destaque para o doloroso “Uma questão temporária”, o emocionante “Quando o senhor Pirzada vinha jantar” e o sarcástico “Esta casa abençoada”.