Helô Delgado 20/07/2017
Um convite à tentação
A vila de Ponta Poente é um local afastado, pacato e muito peculiar. As pessoas que ali habitam, seguem um estilo de vida um tanto quanto promíscuo e permeado por pecados de todos os tipos. Poucos são os moradores que não se deixam levar pelos excessos e ganância da população geral. Tal como toda comunidade que se preze, possui uma igreja comandada por um padre... digamos, excêntrico. Tudo vai bem até que padre Bento, que passou quase a vida toda na vila, falece.
"Não fosse o caráter pecaminoso da vila de Ponta Poente, talvez Bento pudesse ter terminado a vida sentindo que teve seu dever cumprido. Mas ali naquele lugar, ele conseguiu dar asas às suas piores fantasias. (...) Bento não resistiu ao perceber que, em Ponta Poente, ninguém era aquilo que demonstrava ser, e os pecados corriam livremente pelas suas ruas estreitas, como sangue nas veias de um ser humano."
Os fieis sentem sua perda e anseiam pela chegada do novo padre. A ansiedade é grande, já que Bento era uma figura que combinava perfeitamente com os hábitos da vila. E se o novo padre não aceitasse o estilo de vida local? E se ele quisesse instigar uma revolução entre os moradores mais fervorosos e levianos? Seria um problema sério, visto que o padre tinha voz tão ativa quanto o prefeito libertino, o Dr. Pina.
Não é apenas de pessoas corrompidas que vive a vila. Entre os pecadores, existem pessoas do bem, que aguardam a chegada do novo padre com muita expectativa positiva. Acreditam que, se a pessoa certa estiver no comando da igreja, a vila poderá ser um lugar melhor para viver. Gustavo e sua família fazem parte dessa pequena parcela da população, que esperam um representante do clero mais imparcial, transparente e assertivo.
"— Você está certa, não é hora de lamentos, padre Bento me ensinou a ser homem, e assim serei."
Durante a espera, padre Alfonso, estudante de conduta exemplar no decorrer de sua estadia no seminário, sofre uma grande injustiça e acaba sendo designado, ou melhor, exilado para exercer o sacerdócio na pequena vila de Ponta Poente. O padre conhece a fama do seu destino e não sabe ao certo o que encontrará por lá. Suas perguntas vão sendo respondidas com o passar dos dias e das tentações que são colocadas à sua frente. Além disso, ainda surgem outras, quando figuras marcantes da comunidade começam a ser assassinadas.
Conseguirá padre Alfonso ser o padre justo que sempre desejou ser? Ou cairá na rotina pecaminosa da vila?
"Filho amado, Deus faz as coisas com sobriedade e certeza. Deve aceitar sua incumbência, há muito o que fazer em qualquer lugar. Esqueça-se dos títulos e da fama efêmera e concentre-se na sua verdadeira missão: salvar almas perdidas do pecado infernal."
[ - Minhas Impressões - ]
A Vila dos Pecados é um suspense leve e envolvente. Soraya Abuchaim nos traz um enredo criativo, bem trabalhado e instigante. Desde a primeira página, eu já sabia que seria um livro que iria me agradar, visto a linguagem e a forma com que a autora levava sua escrita.
Se você é o tipo de leitor que não curte muito o gênero, não se preocupe. O livro é muito mais do que o suspense proposto. Mesclando humor, romance, questões religiosas, crimes e política, trata-se de um prato cheio para o leitor mais exigente. Múltiplos personagens, ambientação cativante, situações inusitadas e um pouco de gore, marcam as páginas do livro que, apesar de parecer grande, flui com facilidade. Finalizei a leitura em três dias.
"A verdade é que ele estava imbuído com o firme propósito de trabalhar apenas para Deus, de salvar almas e de trazer a paz e o bem para a vila de Ponta Poente. E não mediria esforços para isso. Servir a Deus e auxiliar o próximo era seu dever, e ele o cumpriria a contento."
Os personagens são, na minha opinião, o ponto alto do livro. São caricatos. Você encontra a beata fervorosa e fofoqueira, o padre libertino, o prefeito mais que corrupto e sua laia de comparsas, a mulher traída que se passa por coitada, mas que de coitada não tem nada, as mexeriqueiras que vivem para criar conflitos, o aluno exemplar, o dono da taberna boêmia, a mulher da vida e, também, a família "perfeita". Ah, claro, não poderia me esquecer que, nesse cenário caótico, para ficar ainda mais interessante, não existe polícia. A delegacia mais próxima fica em uma cidade vizinha localizada a muitos quilômetros de distância. Os habitantes fazem o que bem entendem, quando querem. Simples assim. É só dar uma palavrinha com o prefeito...
Por isso, quando comecei a ler, tive a sensação de ter sido transportada para um roteiro de novela da Rede Globo. E foi uma sensação deliciosa! A ambientação, a riqueza de detalhes sutis, e a maneira com que a trama foi conduzida, merecia se tornar, no mínimo, uma série da gigante emissora de tv. Eu adoraria ver os personagens caricatos sendo interpretados. Até sugestão para o elenco eu tenho!
"— Padre, essa vila carrega muito sofrimento e, infelizmente, é governada por uma pessoa incapaz, apenas isso. Não julgue como se as pessoas fossem o seu mal. O mal existe em todo lugar, sempre existirá. O senhor pode, sim, tornar essa vila melhor, mas é com seu exemplo e dedicação. E talvez mudando a formar de gerir o lugar."
Indico a leitura para todos, principalmente para aqueles que gostam de uma boa novela regada a um clima de suspense. Tenho certeza que não irão se arrepender.
*Resenha de minha autoria, publicada no blog I Love my Books
site: http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2017/07/resenha-vila-dos-pecados.html