readingwithigor 17/03/2024
O desespero pela emancipação de si mesmo.
Quando 'meu ano de descanso e relaxamento', da mesma autora, entrou no meu caminho pela primeira vez tive uma curiosidade despertada. era incrível a realização do absurdo e do real que a autora colocava no papel — e não me refiro que ela foi prógona a este tipo de texto, mas por ser meu primeiro contato com esse estilo de escrita, me apaixonei instantemente.
| "nunca aprendi a me relacionar com as pessoas, muito menos a me defender. eu preferia sentar e me irritar em silêncio."
ser um garoto se descobrindo homossexual numa cidadezinha x do interior me causava vergonha e angustia; um remorso engasgado sem um propósito. quando se vive nesta ideia, de vergonha, você se prende e não consegue se soltar desse fardo. o foco deste livro não é a bissexualidade de eileen, mas a vontade dela de se objetar desta exposição que é constrangida pelo medo. o medo de "o quê os outros pensam sobre mim?".
eu sofri, e na verdade sofro, com a vergonha de ser quem que quero. tenho medo de realmente fazer algo com o acovardamento da exposição de mim aos outros. e o livro de moshfegh te põe em frente a isso, se você for uma eileen, vivendo numa cidadezinha x e com medo de ser você, entenda que o livro te põe nessa angustia para o desdobrar de uma solução: fuja.
| "foi quando comecei a fantasiar sobre meu desaparecimento, convencendo-me pouco a pouco de que a solução para meu problema estava em nova york."
e aqui foi meu soco no estômago: fantasiar sobre uma vida ideal em que, talvez, eu nunca tenha a liberdade de vivenciar. viver num ilusório de que, meus problemas, minhas dores e meus traumas sumiriam se eu sumisse. se os rostos conhecidos fossem embora, e o meu começasse a lentamente se desassomar de suas mentes. isto é 'meu nome era eileen'. a fantasia de objetar nós mesmos.
quando comecei a exercitar a vergonha da minha sexualidade, eu queria sumir. e então lá eu estava, sonhando acordado com uma vida fantasiosa onde eu vivia prosperamente em nova york, e sem precisar me preocupar com meus fantasmas da cidadezinha x. porque é delicioso exaurir-se negando sua ânsia. e o que antes parecia moshfegh ansiando parecer importante, se tornou algo bem maior para mim, ela só parecia querer ser vista. e o que me destrói? ela, eu e eileen querendo parecer vistos, verdadeiramente.
| "assim, eu vivia em uma fantasia perpétua. e, como todas as jovens inteligentes, escondia minhas perversões vergonhosas sob uma fachada de prudência. é claro que eu escondia. "
ottessa moshfegh pode parecer assustadora por ter uma escrita liberal, onde sua mente não a interrompe de escrever algo, de se enquadrar em algo. mas eu devo ser honesto com você de que quando você quebrar esse paradigma de se é problemático ou não, você vai descobrir muito material interessante, e 'meu nome era eileen' é um excelente começo em sua jornada. contido e pavoroso.
a escrita é lenta, mas é nesta lentidão em que um espelho é construído entre você e o texto — em que o coração do livro pulsa junto do teu; a reflexão de seu ideal e de eileen sendo postos lado à lado. moshfegh é extraordinária em sua estranheza absurda, e humana; e, na verdade, iguinho do passado, moshfegh não é bestseller porque ela força para vender, mas porque ela é boa mesmo.
me sinto abalado por ter sido tão exposto — e sem um aviso — através de moshfegh neste banquete literário. mas este abalo foi super importante para inúmeras discussões que tive comigo mesmo, e, é aí que a importância da literatura bate em nossa porta. acabo a leitura, e acabo de descobrir um novo favorito.
| "é o mapa de minha infância, minha tristeza, meu éden, meu inferno e meu lar. quando olho para ele agora, meu coração se enche de gratidão e depois se encolhe de desgosto."