edineideo 11/08/2021
Todos os Gatos Pretos são Bruxas Disfarçadas
Conto: O Gato Preto, de Edgar Allan Poe.
Edição Darkside, Volume I, Medo Clássico, 2017.
Gênero: terror, mistério, ficção policial.
Literatura: norte-americana
Um conto clássico do Poe, de 1843, super curtinho, narrado em 1ª pessoa na forma de um relato, na verdade, uma sombria e bizarra confissão, no dia anterior à execução por enforcamento.
O protagonista, na infância e fase adulta, possuía temperamento dócil e uma especial afeição pelos animais de estimação. Mesmo após o casamento, ainda jovem, ele e sua esposa, que possuía a mesma inclinação, tinham pássaros, um peixe dourado, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato.
“Há algo de altruísta e abnegado no amor de um animal que toca o coração daquele que pôde testar amiúde a amizade precária e a fidelidade leviana dos Homens.” P. 86
Dentre todos os bichinhos, o gato todo preto e inteligente, chamado “Plutão” (ou “Pluto”, no original), era o seu preferido e fiel companheiro. Mas não esqueça, segundo antiga crendice popular, todos os gatos pretos são bruxas disfarçadas.
Plutão, para os romanos, correspondia ao deus Hades na mitologia grega, e, na divisão com seus dois irmãos (Júpiter=Zeus e Netuno=Poseidon), assumiu o submundo, reinando sobre os mortos. E seu nome grego (Hades) evoca sua característica de se fazer invisível (Aidos). P. 86
Com o passar do tempo, o personagem passa a experimentar profundas alterações comportamentais, de personalidade e humor, afetadas por uma doença: o alcoolismo. O narrador nomeia como demônio – da intemperança, permeado de irritabilidade, insensibilidade, violência física, espírito da perversidade. Maltratar por maltratar. Todo o amor que tinha se transforma em ódio, ojeriza, sadismo e crueldade.
“...acredito que a perversidade seja um dos impulsos primitivos do coração humano – uma de suas faculdades primárias indivisíveis, ou sentimentos, que fornecem direção ao caráter do Homem.” P. 88
Personagem bastante complexo, de maldade extremamente diabólica, sem apresentar remorso, mas apenas um fraco sentimento de ambiguidade superado pelo vício. Tanto é assim que afirma se tratar de uma história trivial, uma série de meros acontecimentos domésticos, cujas consequências o aterrorizaram, torturaram e destruíram. Todavia, não é louco.
É inacreditável como Poe consegue imprimir, em tão poucas páginas, toda a complexidade e fragilidade do ser. A ambientação gótica, um misto de terror e suspense, enche-nos de repulsa, medo, agonia e revolta com os maus-tratos aos animais.
Fiquei em dúvida se seria um caso de psicopatia ou apenas mudança de comportamento pelo alcoolismo, pois não tenho conhecimento na área. De toda forma, ele teve a mente e vida completamente possuídas pelo álcool, afogando a culpa e deixando sua alma intocada, imperturbável.
“... tive um sono tranquilo; sim, dormi bem, mesmo com o fardo do crime pesando em minha alma!” P. 93/94
Achei extremamente inteligente personificar os fantasmas do protagonista em um gato, preto com mancha branca no peito, inicialmente indefinida e depois tomando a forma de uma FORCA, como um reflexo de todas as atrocidades/crimes cometidos.
Recordei muito do livro “O Cemitério”, de Stephen King, e o retorno do gato Church, principalmente pelo pavor, terror, horror absoluto que o narrador sentia pelo imenso felino.
“Instrumento do Horror e do Crime, da Agonia e da Morte!” P. 91
“Um pesadelo encarnado do qual não podia me desvencilhar – pairando como um peso eterno sobre meu coração!” P. 92
Tomado pela fúria, pensamentos malignos, ódio generalizado por tudo e todos. A ocultação do cadáver, emparedando-o no porão, como faziam os monges com suas vítimas na Idade Média, remetem ao romance “A Emparedada da Rua Nova”, de Carneiro Vilela. Calhamaço nacional, de leitura obrigatória.
“Aqui, pelo menos, meu trabalho não terá sido em vão.” P. 93
“Eu emparedara o demônio dentro do túmulo! ” P. 95
Um dos melhores contos de Poe, com uma densidade psicológica ao longo de toda a narrativa, nas entrelinhas. Leitura fluida, escrita fascinante.
Nota: 5