Queria Estar Lendo 11/09/2017
Resenha: O Ceifador
O Ceifador é o primeiro de livro da trilogia (talvez série?) Scythe, do autor Neal Shusterman, e conta a jornada de dois adolescentes no processo de se tornarem ceifadores. Publicado pela Editora Seguinte, que nos cedeu um exemplar para resenha, o livro já se tornou um dos meus queridinhos.
No ano de 2040 a Nímbo-Cúmulo, uma nuvem que continha todo o conhecimento acerca da humanidade, adquiriu consciência própria e a partir deste momento todos os males da humanidade foram erradicados. Os seres humanos não mais padeciam de doenças ou morriam em acidentes catastróficos, a morte havia sido enfim vencida. Mas se a imortalidade foi alcançada, como manter o controle populacional? Para isso foi criada a Ceifa, e com ela os seus ceifadores, humanos que tem como sua missão tirar a vida de outras pessoas.
Citra e Rowan são dois adolescentes normais vivendo suas vidas, até o momento em que o ceifador Faraday cruza seus caminhos e os escolhe como seus novos aprendizes. Nenhum dos dois almeja essa função para si, mas o poder de conceder imunidade - o que significa que essa pessoa não pode ser coletada por nenhum ceifador - para suas famílias por tanto tempo quanto eles viverem e exercerem a profissão de ceifadores é muito tentador. Mas como Faraday escolheu dois aprendizes e não um como é o costume, ao final do ano de treinamento apenas um deles receberá o anel de ceifador e entrará para a Ceifa, e o outro deverá retornar para sua família e vida antiga.
"Os mortais fantasiavam que o amor era eterno, e sua perda, inimaginável. Agora sabemos que nada disso é verdade. O amor permaneceu mortal, enquanto nós nos tornamos eternos."
Inicialmente insatisfeitos com o rumo inesperado que suas vidas tomaram, os adolescentes passam a através do convívio com o ceifador Faraday e dos ensinamentos transmitidos por ele sobre a importância do trabalho de um ceifador e o respeito que o mesmo deve ter por aquilo que faz e pelas pessoas que coleta, começar a almejar esse futuro para si. Afinal, o mundo precisa da Ceifa para garantir o controle populacional e desta forma garantir que tudo continue bem. E, se essa função precisa ser exercida, então que seja por pessoas que a façam com dignidade e sem obter prazer através dela.
"Ele me lembra que, apesar dos ideias grandiosos e das muitas defesas para proteger a Ceifa da corrupção e perversão, devemos estar sempre atentos, pois o poder vem infectado com a única doença que nos resta: a natureza humana. Temo por todos nós se os ceifadores começarem a amar o que fazem."
O problema é que nem todos pensam desta forma, mesmo em uma mundo controlado por uma Inteligência Artificial justa e benevolente, a natureza humana ainda prevalece e com ela suas belezas e também suas mazelas. Alguns grupos de ceifadores, que se intitulam como a nova ordem, não apenas sentem prazer naquilo que fazem como também julgam merecer levar uma vida de luxos e idolatrias, como se fossem semideuses.
É em meio a esta guerra por poder que a Ceifa se encontra, onde de um lado existe a velha guarda, que acredita nas suas leis e na dignidade e humildade da profissão, e do outro a nova ordem, com sua ganância e crueldade. E através de artimanhas e estratagemas, em uma jogada cruel de demonstração de poder, os destinos de Citra e Rowan são traçados e seus futuros passam a ser interligados de uma maneira trágica. A ligação estabelecida pelos dois e os sentimentos aflorados passam a ser uma tormenta, e só um deles sairá vivo deste treinamento.
"Mas o relógio nunca parava. Corria, inexoravelmente, para a morte de um deles."
Neal Shusterman criou um mundo incrível, muito bem estabelecido e diferente do que costumamos ler nas distopias por aí. A ideia central de uma instituição responsável por coletar vidas humanas, e sendo a única forma possível de morte, é inovadora e muito bem trabalhada, principalmente em conjunto com essa sociedade estagnada e guiada por uma Inteligência Artificial que, diferente do que se esperava, acabou por se tornar um bem para a humanidade e não um tirano sem controle.
"As pessoas temiam isso. Profetizavam a desgraça nas mãos de uma máquina desalmada. Pelo visto, porém, a máquina tinha uma alma mais pura do que qualquer ser humano."
O mundo sob o domínio da Nímbo-Cúmulo apresentado pelo autor é uma utopia, todas as melhorias possíveis já foram alcançadas pela humanidade, a fome e a miséria forram erradicadas assim como as doenças, a natureza finalmente foi preservada e não é mais um risco, vive-se um mundo de sonhos e de imortalidade. Um fator muito interessante sobre o livro é a maneira como ele trabalha questionamentos sobre a humanidade, sobre o que faz com que cada um de nós levante cada dia de manhã, que tenhamos sonhos e objetivos de vida, e como tudo isso seria afetado se vivêssemos em um mundo perfeito e imortal. Ainda teríamos sonhos? Quais seriam nossas motivações? Ainda existe felicidade quando ela é garantida, ou felicidade precisa ser conquistada?
Em meio a esses e outros questionamentos acerca da humanidade, o autor conta a jornada destes dois adolescentes durante o ano de treinamento para a função de ceifador. Citra é uma jovem dedicada e esforçada e que não gosta de perder, e que com o tempo a ideia de se tornar uma ceifadora passa não apenas a agradá-la mas também a ser sua missão, Citra não pode falhar. Porque se Citra falhar, se ela perder, todos perdem com ela.
"O que eu desejo para a humanidade não é a paz, o consolo ou a alegria. É que ainda morramos um pouco por dentro toda vez que testemunhemos a morte de outra pessoa. Pois só a dor da empatia nos manterá humanos. Nenhum Deus vai poder nos ajudar se algum dia perdermos isso."
Rowan por sua vez inicia como um garoto comum que questiona sua falta de importância no mundo, ele não tem valor, ele não se vê agregando a algo, até o momento em que Faraday aparece na sua vida e ele pode enfim ter uma função relevante no mundo. Mas as coisas não são tão simples, e as reviravoltas causadas pelo jogo de poder na Ceifa colocam Rowan em uma situação complicada onde perder pode significar sua morte, mas vencer pode significar algo ainda pior.
Os personagens, assim como o universo criado pelo autor, são muito bem construídos e exercem de maneira magistral seu papel. Acompanhar cada pedaço da construção dessa história e dessa jornada e perceber como cada etapa foi trabalhada de maneira a agregar para o entendimento da história sendo contada foi um prazer sem fim. É a primeira vez que leio algo do Neal Shusterman e eu não poderia estar mais satisfeita do que estou. O livro é completo, bem escrito e a editora Seguinte está de parabéns pelo trabalho gráfico realizado nele.
"Não somos os seres humanos que fomos no passado. Então, se não somos mais humanos, o que somos afinal?"
O Ceifador é um livro com uma história incrível e muito bem construída, onde cada acontecimento importa para a trajetória dos personagens e em que cada página um novo questionamento sobre o livro e a história se faz presente. Neal Shusterman criou um universo único e especial, e eu mal posso esperar para poder fazer parte dele novamente.
site: http://www.queriaestarlendo.com.br/2017/09/resenha-o-ceifador.html