Paulo 01/12/2021
Esta é uma edição bastante orientada para a ação com Guts precisando enfrentar seus inimigos dentro do reino. Há alguns pontos de construção de mundo e de personagem sendo desenvolvidos neste volume, mas não muitos. Ficamos conhecendo um pouco mais da personalidade do protagonista e o que o motiva, mas ainda são informações esparsas e sutis dentro do grande contexto. Por outro lado, a ação é visceral do começo ao fim com algumas cenas de ação bem conduzidas por Miura. O resultado é satisfatório, mas ainda sinto falta de uma exploração maior das motivações e do contexto como um todo. Muita coisa da história é deixada a cargo do leitor preenchendo as lacunas e faltam os pedaços para preencher. Nesse momento em particular a história ainda é bastante reativa. Sei que a tendência do Miura é ir em um crescendo e vamos saber mais sobre a vingança de Guts, mas ainda é uma longa jornada até lá.
Após ser ajudado por Vargas, Guts vai até seu esconderijo onde se depara com o Behelit, um artefato que, segundo ele, teria o poder de invocar demônios superiores a esse mundo. O disforme Vargas conta sua história e os motivos que o levaram a odiar o conde e a desejar sua morte. Depois de um relato emocionado, ele pede a ajuda do espadachim para conseguir livrar sua cidade de sua influência maligna. Mesmo desprezando o pedido de Vargas, Guts acaba aceitando por fazer parte de sua caçada aos demônios. No castelo, Zondark e a guarda palaciana lambem as feridas do seu confronto com Guts. Depois de humilhado, tudo o que Zondark pensa é em se vingar de sua humilhante derrota. E o conde percebe a dedicação de seu soldado e decide dar a ele uma vantagem sobre seu adversário. Mas, isso virá ao custo de sua alma.
Miura está nitidamente testando novas técnicas de desenho e de enquadramento para dar mais dinamismo às sequências de ação. Ainda estamos em um momento em que a arte dele está crescente, sendo que o autor se dedicou bastante a dar mais definição aos cenários de fundo e aos detalhes presentes nos quadros. Seja nos potes de produtos do Vargas, na sala do trono do conde ou nas escadarias do palácio, temos um cuidado maior em trazer uma impressão sobre aonde os personagens se encontram. Ou até mesmo no cuidado no desenho das armaduras dos personagens, dando individualidade a eles. Um recurso que Miura emprega largamente nesse volume são as dos quadros interpolados, como se fossem janelas do que está acontecendo. Nas páginas temos um quadro maior dentro da moldura e nesse quadro aparecem pequenas janelas ou aberturas em que closes da cena estão acontecendo. Isso permite dar mais dramaticidade ao que o autor deseja mostrar. Às vezes esses quadros interpolados funcionam dentro de uma ideia de flashback como no quadro ao lado, outras servem para congelar momentos da ação que se passa naquele instante.
Outro recurso interessante empregado por Miura nessa edição em particular são as sequências de quadros verticais, algo usado muito por Shotaro Ishinomori e que foi adaptado por Miura para atender ao que ele desejava na trama. Ele encaixou esses quadros em alguns momentos no final do primeiro capítulo e na metade do segundo para cenas em que Guts estava manuseando a sua enorme espada e decimando os inimigos à frente. Lembrando que a espada do protagonista é gigantesca e ao usar esse recurso, Miura ilustra a agilidade sobre-humana desenvolvida por Guts para enfrentar seus inimigos demoníacos. Diga-se de passagem, as cenas de ação estão espalhadas por todo esse volume. Diferentemente do primeiro, esse é um volume bem rápido de ler. Mesmo com a temática pesada, esse volume usa bastante o estilo de mangás shounen, o que não age de forma alguma em detrimento do que Miura pretende, mas é só a maneira como a narrativa foi concebida aqui. A percepção que tenho é que o autor ainda estava se encontrando em seus objetivos e ele vai testando enredo, arte. As cenas de ação melhoraram em relação ao primeiro e tem alguns momentos que são brutais. Mesmo assim, alguns momentos ficaram bastante confusos e a gente não entende bem o que está acontecendo. Diminuíram em quantidade, mas continuam ali.
Esse volume se foca no Guts e em sua personalidade complexa. Miura nos apresentou um personagem que não é um herói de forma alguma. Ele segue os seus objetivos e destrói os monstros que vê pela frente. Se tiver algum humano em seu caminho, é apenas um efeito colateral. Sua vontade de não se misturar com humanos faz de sua personalidade feral e quase selvagem. Ele tem bastante dificuldade de se relacionar com as pessoas e suas palavras soam sempre sem empatia e bruscas. Assim é com Vargas em que este explica todo o seu drama familiar e o motivo pelo qual ele deseja que Guts se vingue do conde por ele. O protagonista apenas responde que ele é um fraco e deveria morrer. Contudo, à medida em que a história avança pouco a pouco, o protagonista vai nos mostrando, assim como na edição passada, que ele tem um coração fraco que foi violentamente destroçado no passado. Sua reação de se afastar dos outros humanos tem duas linhas de raciocínio: manter a sua ira no máximo, despertando o seu poder sobre-humano; e não se apegar demais a pessoas que podem morrer de maneira brutal no momento seguinte. Essa ira desmedida dele com as outras pessoas é um mecanismo de defesa.
Só que nem tudo são flores e Guts se arrepende de algumas decisões que ele toma nessa história. Sua forma de falar e se relacionar com os outros cria riscos e situações desnecessárias que ele poderia ter evitado se tivesse dois dedos de empatia. E, claro, o personagem se dá conta de seus erros. Tem um momento na história em que Puck, o elfo, reclama que ele deveria confrontar o inimigo para salvar Vargas e Guts apenas escarnece e desafia o elfo a salvá-lo ele mesmo. Só que Guts disse isso como uma forma de desdenhar da fraqueza de Puck. Ele não contava que o elfo fosse realmente levar isso a sério, se colocando em risco e criando mais um obstáculo para o personagem.
Alguns elementos de enredo são apresentados aqui; poucos e bem no começo deste segundo volume. Guts menciona o Behelit e começa a comentar sobre o que ele é e para que serve. Claro que não é tão simples quanto os poucos parágrafos ditos por Guts que possui uma visão bem simplista sobre o artefato. Em seguida descobrimos que o conde é capaz de dividir seus poderes em extratos menores, embora não em grande quantidade, para criar outros construtos de si mesmo. Uma espécie de infecção ou possessão. Depois, o enredo deixa transparecer que o conde nem sempre foi assim e que por conta de sua obsessão em perseguir hereges, isso abriu espaço para que um demônio tomasse conta de seu corpo e de parte de sua mente. No mais, é mais a história em si e não quero contar além disso para não estragar surpresas.
Esse é um segundo volume bastante movimentado, com a pancadaria rolando solta e Guts mostrando por que é temido e conhecido como o espadachim negro. Sua força é assustadora se considerarmos que ele é apenas um ser humano. A complexa personalidade do protagonista ganha mais meandros e ele se arrepende de algumas decisões tomadas, embora mantenha uma aparente indiferença em relação ao que acontece ao seu redor. Essa história chega ao clímax e acredito que o arco com o conde deva terminar na próxima edição.
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