Ivan de Melo 14/12/2020
Alguns mortos devem permanecer enterrados: "Legião" e a improvável continuação de "O Exorcista"
Continuo a minha maratona de “O Exorcista” na qual decidi consumir todos os títulos da franquia passando pelos livros, pelos filmes e também pelas séries de TV e produções documentais. Cá estou desta vez para comentar o segundo – e último amém – livro da série escrito por William Peter Blatty em 1983.
Começo dizendo que “Legião” foi a minha pior leitura de 2020. Pois é. Eu tinha acabado de ler “O Exorcista” que tem uma série de problemas de ritmo, mas que desemboca em um bom clímax e, apesar de não ser uma leitura marcante, serve bem para passar o tempo. Lembro que algumas coisas bem pontuais me martirizavam no primeiro livro, uma delas a presença de Kinderman, o detetive que passivamente investiga o caso de possessão de Reagan pelo viés criminal do cenário, sem levar em considerável, a princípio, sua particularidade paranormal. Todas as cenas em que esse personagem evasivo, flutuante e tergiversador aparecia a minha paciência era de fato testada e qual não foi a minha surpresa quando, nesta improvável continuação que é “Legião”, encontro o mesmo Kinderman como protagonista da história (!).
Dez anos separam os eventos de “O Exorcista” e “Legião”. Do episódio de Regan MacNeil sobraram Kinderman e o padre Dyer, amigo do padre supostamente falecido Damien Karras. Os dois primeiros construíram uma relação e tudo vai bem até que uma série de assassinatos em série começa a atormentar a vida do primeiro, agora tenente de uma equipe de investigação criminal. As mortes e os detalhes que as cercam se relacionam com um serial killer dado como morto, o que faz com que questões paranormais retornem ao caso, assim como o evento de uma década atrás ao qual Kinderman fora uma cética testemunha.
Lido o primeiro livro cheguei a comentar que o Blatty parecia indeciso, em alguns momentos, se o que escrevia era uma literatura policial ou de horror. A versão que ficou famosa da história, aquela que foi aos cinemas em 1973, cortou o primeiro gênero e deu ao segundo uma nova roupagem que faria do filme um ícone. Em “Legião” Blatty decididamente escreve uma trama policialesca e o elemento de horror tenta se imiscuir – com alguns descasos - em meio aos detalhes dos crimes e na própria origem e método do assassino. Como se não bastasse uma certa obviedade nas linhas investigativas propostas pelo autor, quem as traça é o Kinderman, um personagem que já era difícil e que ganhou novos atributos nesta continuação como o peso, por vezes caricato, de suas origens judias e sua filosofia de mesa de bar que foi elevada a décima potência e que muitas vezes parece pretexto para preencher páginas.
É notável como Blatty quis replicar o sucesso de “O Exorcista” neste livro e não à toa sua sanha pode ser vista no processo que moveu contra o jornal The New York Times no ano de lançamento de “Legião” pelo fato de o veículo não ter incluído a obra na sua lista de best sellers. Blatty também quis replicar o sucesso anterior nos cinemas e tratou logo de adaptar seu texto para uma versão que inclusive dirigiu em 1990, uma versão com cortes que não tiveram efeito algum na história original. Obviamente a fórmula do sucesso não se repetiu. Além de desgastante, é um pouco forçada a forma como “Legião” procurar se unir a “O Exorcista” e talvez só não seja pior que aquela ensaiada por “O Exorcista II: O Herege” (1977), filme abominado pelo próprio Blatty. Se você está na dúvida sobre que continuação da primeira obra é a mais interessante, sugiro que pule direto para a primeira temporada da série “The Exorcist” produzida pela FOX em 2016. Pode ser uma ótima ideia também simplesmente ler o primeiro livro e se contentar com isso.