OgaiT 24/09/2019
Um tiro que ecoou pelo mundo
Zuenir Ventura neste livro, narra a tragédia responsável pela morte de Chico Mendes - grande responsável por voltar as atenções do mundo para a Amazônia. Resiliente, Chico foi um dos poucos a enfrentar os grandes latifundiários, madeireiros e os grandes projetos agropecuários à época.Apesar de ter sido advertido sobre sua possível morte, a mesma que o presidente da república havia ciência, foi pego de surpresa, com sua morte antecedida 8 dias (22 de Dezembro de 1988) antes da data: 30 de Dezembro daquele ano.
Nunca antes no Brasil, uma morte causou tanto burburinho no mundo quanto a deste seringueiro, anos mais tarde, o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco provocou um efeito similar, diria que até maior.
Chico Mendes, assim como qualquer outro ser humano, é composto também por defeitos, o que nesta obra, a depender de quem a leia, pode se surpreender. Zuenir descreve o seguinte "Não foi por certo um pai de família exemplar, a julgar pelo que fez com sua primeira mulher e com a filha mais velha. [...] Mas mesmo que se aceite como fiel essa pintura, o que é muito discutível, ela não diminui a importância do conjunto da vida e obra de Chico Mendes." (p.229).
O garoto de Genésio, testemunha de acusação do caso, é um outro personagem "interessante", como afirma o autor. Bastante ameaçado pelos responsáveis do crime, mas que ao fim tem um destino surpreendente.
Mesmo que em grande parte da obra seja narrado o assassínio do serigueiro/ativista, temos aqui a discussão a respeito da vertiginosa devastação dos "pulmões do mundo".
Na página 223, o Jorge Viana afirma: " O Acre, que existe por causa e a partir da floresta, resolveu um dia abandoná-la em troca de uma aventura destrutiva. Deu no que deu, num fracasso social e econômico." e quem apresenta um caminho: "O açaí, o artesanato, a borracha, a castanha, a madeira, os óleos, as resinas, os medicamentos."
Um outro fator relevante é a transformação que o Acre passou, no início (1989) era um estado muito diferente dos demais, no entanto, com o retorno do repórter em 2003, visando rever as personagens, diz: "Vim ao Acre ver o que havia mudado depois da morte de Chico Mendes, e cheguei à conclusão de que não só o aeroporto internacional da capital estava em outro lugar, agora mais longe do centro, como nas grandes cidades. Muitas outras coisas pareciam também melhores. Os hotéis por exemplo [...] Sentei numa barraquinha na calçada, pedi um sanduíche e uma cerveja [...] Não era possível. onde é que nós estávamos?" (p. 181-182). Com esse viés, Ventura desmitifica e lança um novo olhar para o estado que é considerado, por grande parte dos brasileiros como Atrasado e primitivo: "Andando de canoa pela rio Acre, Júlio Barbosa vai identificando cada árvore que avista na floresta. Enumera uma, duas, três, dezenove espécies distintas, eu contei. Para mim eram todas iguais. Ele me consola: "Também eu, se olhar do mar aqueles prédios de Copacabana, vou dizer que é tudo a mesma coisa" ". (p. 116). Algo similar a este trecho é a frase do menino em Bacurau quando responde o gentílico de Bacurau: "É gente!".
Enfim, concluo a resenha com este trecho:
"A permanência de Chico Mendes quinze anos depois de sua morte só reforça um mistério que não consegui decifrar: como foi possível nascer e crescer no meio da floresta, num pequeno canto verde que cremos mais propício aos bichos e às plantas, um exemplar tão fecundo da espécie humana?" (p. 230).