Gui 25/09/2022
Uma leitura necessária.
O livro Becos da Memória de Conceição Evaristo traz em sua narrativa marcada pelas experiências e vivências de pessoas pobres, pretas e periféricas, a complexidade das condições extremamente vulneráveis a qual estão submetidas, por conta de um sistema estruturalmente racista.
Conceição através de uma narrativa construída em cima de muitas vidas pretas, nos apresenta ao cotidiano desses personagens, que carregam em si suas histórias, que são marcadas pelo sofrimento, fome, precariedade, violência e tantas outras coisas que infligem aos corpos negros.
"Busquei escrever a ficção como se estivesse escrevendo a realidade vivida, a verdade. Na base, no fundamento da narrativa de Becos está uma vivência, que foi minha e dos meus".
Becos da Memória foi escrito a partir de uma voz que antecede a escrita, buscando a fala de quem conta, o que Conceição nomeou de escrevivência, sendo a vida que se escreve na vivência de cada pessoa.
A história nos introduz a uma personagem que é a voz narradora por trás da narrativa, uma garota chamada Maria-Nova, que mora com sua família em uma favela, cheia de dificuldades, mas que em seus becos encontram-se as memórias-lembranças de resiliência, a dor que se transforma em combustível para encarar a vida e assim modificá-la, "a dor de Tio Totó significava para ela um compromisso de busca de uma melhor forma de vida para si própria e para os outros".
Maria-Nova nos ambienta ao dia a dia dos moradores da comunidade, que além de enfrentarem uma vida árdua, por conta da falta de assistência, precisam lidar simultaneamente com o temeroso desfavelamento, que suscita o medo iminente de saírem de suas casas em direção ao desconhecido, causando-lhes a sensação de não pertencimento, "era um medo que talvez viesse de situações mais concretas, como a mudança de um local que de certa forma amávamos e criamos como nosso".
Em meio a tantos acontecimentos ruins Maria-Nova se fortalece, tomando consciência da importância de reverter aquele cenário de penúria, se preenchendo dos relatos de dor de seus antepassados, e toma a decisão de ser escritora com objetivo de reverberar "uma história viva que nascia das pessoas, do hoje, do agora".