Vanessa - @livrices 20/06/2019Necessário Calibã e a Bruxa é uma obra de não-ficção que aborda a transição de feudalismo ao capitalismo e como a caça às bruxas foi essencial para consolidação do novo sistema econômico baseado na acumulação primitiva, fato este que o Sr. Marx praticamente ignorou em suas análises.
Mais do que um livro feminista, Calibã é um livro de história e cheio de citações, dados e bibliografia. Federici inicia explicando os primórdios das relações servis na Europa, a semente da revolta e a luta pela terra comum, passando pela consagração das ~ tradições ~ inventadas pelos senhores feudais e positivadas em leis, dando origem aos cercamentos, a proletarização e o surgimento dos hereges.
Citando diversos acontecimentos que se entrelaçam e se reforçam, a autora nos explica como se deu a politização da sexualidade pelo controle de natalidade/comportamento e perseguição de mulheres livres (e da homossexualidade), que culminaria na caça às bruxas, nos séculos XV-XVII.
O Estado e a igreja movimentaram todos os seus esforços na direção da criminalização da pobreza e insubordinação das mulheres com o objetivo não só material e econômico, de exclusão e reprodução social, mas também simbólico, no sentido de perpetuação do sistema patriarcal, com a naturalização de aspectos diabólicos femininos e o reforço da família tradicional, cuja mulher era provedora de mão-de-obra (novos trabalhadores) e serviço doméstico não remunerado.
O livro é extremamente interessante justamente por ligar todas as ideologias presentes à época que culminaram na inferiorização feminina, inclusive as correntes filosóficas que faziam a separação razão X corpo. Esse capítulo (3), dialoga MUITO com o livro 24/7 Capitalismo Tardio e os Fins do Sono! Federici defende que a teoria mecanicista serviu de instrumento ao capitalismo por meio do disciplinamento dos corpos e a transformação das potencialidades do indivíduo em força de trabalho.
O ataque ao corpo como fonte de todos os males e sua consideração como ~apenas uma coleção de membros~ (Descartes - Discurso do Método, 1634), contribuiu para a assimilação, pelos dominados, da dependência de condições externas para operar e assim consolidou o controle e dominação da classe dominante sobre o mundo natural, ou melhor, sobre a natureza humana. A bruxa de ontem é o(a) comunista de hoje: aquela que se revoltava contra o sistema, que questionava seu lugar na sociedade, que assumia posturas ditas masculinas e reforçava a luta de classes. Em suma, bastava questionar a verdade absoluta ditada pelo Estado.
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