Crítica, eu? 10/09/2018
Atômica
Atômica: a cidade mais fria (2012) é uma HQ de espionagem criada e escrita por Antony Johnston e ilustrada por Sam Hart. O autor é um premiado escritor de revistas em quadrinhos, criador de títulos como Demolidor e responsável pela reinvenção do célebre Wolverine, da Marvel Comics. Sam Hart é responsável pela ilustração de diversas HQs de renome e vive no Brasil.
Antes de falar da história em si, é preciso falar da sensacional edição de 2017 da HQ produzida no Brasil pela DarkSide Books. Com uma capa dura muito bem planejada, a versão brasileira de Atômica conta com uma folha de gramatura grossa que facilita a leitura e uma contracapa muito bem feita.
Entrando no plano do enredo, Atômica se mostra um thriller de espionagem com duas reviravoltas muito importantes. A história se passa na Guerra Fria e tem seus acontecimentos ocorrendo quase que paralelamente à queda do Muro de Berlim, que é fundamental para o desenrolar da narração. Lorraine Broughton é uma veterana do MI6, agência de inteligência britânica, convocada para narrar aos seus superiores os acontecimentos de sua missão em Berlim.
A narração é, portanto, toda feita segundo a perspectiva de Lorraine e o leitor pode perceber a digressão entre o passado e o presente de acordo com a variação de cores nas páginas. Enquanto a narração de Lorraine sobre sua missão tem as bordas das páginas brancas, o momento da reunião em que ela conta a história tem as bordas pretas. Os flashbacks são colocados em tons de cinza. A narração é fria, distanciada, rápida e objetiva. Sem floreios.
Lorraine chega em Berlim para descobrir mais informações sobre a morte de um agente, Gascoine, e é auxiliada por Perceval, veterano que trabalhava com o homem assassinado. Lá, conhece figuras que se mostrarão importantes para a história, como o comerciante Merkel e o francês Pierre Lasalle. Atômica é desses thrillers em que poucos saem vivos para contar o que aconteceu, mas também em que as mortes são bem trabalhadas e não parecem forçadas, mas sim fundamentais.
Todos os envolvidos na história são superficiais, mas isso não faz com que o enredo perca em qualidade. Os personagens não são o ponto chave dos acontecimentos, é quase como se suas personalidades fossem pouco importantes para a trama. É claro que muito dessa superficialidade se deve ao fato de a HQ ser curta, possível de ler em poucas horas, e cheia de páginas sem diálogos, que mostram apenas ações. Ainda assim, é possível perceber a luta de Lorraine contra o machismo dentro do MI6, muitos agentes não a respeitam e um dos personagens chega a dizê-la que a espionagem é coisa para homens.
Antony Johnston consegue segurar as dúvidas até o final e, após uma página vazia quase no fim, um plot twist é apresentado de forma surpreendente e magnífica. A finalização do enredo é completamente imprevisível e não cai no colo do leitor como uma bomba. A reviravolta final faz sentido sem precisar de muita explicação.
A principal qualidade na história de Atômica está, com certeza, no fato de ser inteligente e, de certa forma, pouco clara. A HQ faz o leitor pensar muito se quiser entender o que está acontecendo, principalmente no final. São diversos personagens que aparecem rapidamente e vários nomes que surgem, sendo todos necessários para a plena compreensão da história. É necessário um esforço mental para juntar todas as peças e é esse o brilhantismo de Atômica: as partes do quebra-cabeça estão lá, mas o autor não se dá o trabalho de montar a imagem, o leitor deve fazer isso para entender completamente o enredo.
Não é possível falar de quadrinhos sem falar, claro, da sua ilustração. Em perfeita sintonia com o título Atômica: a cidade mais fria, a composição imagética da HQ é quase impecável. Toda em preto e branco, a identidade visual da graphic novel representa muito bem a frieza do título, da Guerra Fria, de Berlim e dos personagens. A velocidade da história e a distância emocional dos protagonistas está clara nos desenhos bicolores. O grande problema da estratégia se encontra na dificuldade de identificação dos personagens. Sam Hart tem um traço muito característico e forte, mesmo assim fica difícil, em alguns momentos, perceber entre alguns caracteres, o que pode atrapalhar a plena compreensão da história.
Atômica: a cidade mais fria tem um ritmo rápido para quem gosta de obras que podem ser lidas em pouco tempo, mas também oferece grande qualidade narrativa e é um excelente e surpreender thriller de espionagem. É preciso, no entanto, ler com atenção. Atômica não é uma dessas HQs que se lê enquanto realiza outra atividade. A história demanda atenção completa ou o leitor precisará ler mais de uma vez para compreender (ou simplesmente não fisgar todas as nuances do enredo). Inteligente, bem ilustrada e com reviravoltas espetaculares, a graphic novel realmente vale a pena. Para quem gosta de profundidade, no entanto, esta não é a melhor opção.
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