Camila.Santos 25/04/2024
A favela vista por dentro, num relato verdadeiro e poético
A favela é um ambiente visto muita vezes daqui de fora, como hostil, bruto, perigoso, mas também por vezes, alegre, vivo, romantizado em obras da literatura e teledramaturgia. Sua realidade também costuma causar curiosidade e interesse, sendo frequentemente objeto de análise em estudos acadêmicos e científicos. Porém antes da publicação de Quarto de Despejo em 1960, todas as obras de ficção ou jornalísticas, acadêmicas ou literárias sobre a favela traziam a mesma perspectiva: a visão pelo lado de fora.
Carolina Maria de Jesus, vivendo sem qualquer ajuda e catando papel diariamente para sustentar, com muito custo, seus três filhos, escreveu esse diário em suas horas vagas, quase como um desabafo sobre a fome e suas dificuldades diárias, e nos presenteou com um registro incrível de sua realidade, recheado de verdade, mas também de poesia. Carolina estudou somente até o segundo ano primário, mas tinha gosto pela leitura e pela escrita, e neles encontrava refúgio para seus sofrimentos e angústias de viver na extrema pobreza, sem certeza do amanhã. Sua escrita é direta e simples, mas também delicada e muitas vezes poética, numa leitura que comove e nos desperta empatia, seja qual for a nossa realidade. Percebe-se um talento literário que me faz pensar o que poderia ter se tornado se a autora tivesse tido a oportunidade de estudar e desenvolver ainda mais o seu estilo (e em quantos outros talentos não desperdiçamos todos os dias, e os perdemos todos os dias para a fome e a miséria). Mas mesmo com o pouco estudo que teve, Carolina já figura entre os nossos maiores autores, ainda que infelizmente não tenha recebido em vida todo o reconhecimento que mereceu por sua obra, que sua filha ainda hoje luta para conseguir reunir e publicar.
Em resumo: uma obra prima, deveria ser leitura obrigatória para todos os brasileiros que desejam conhecer verdadeiramente o seu país. E especialmente para os políticos, muito citados e criticados em suas páginas por se lembrarem dos mais pobres apenas quando precisam dos seus votos, e depois esquecerem a favela por mais quatro anos.