Betinha 10/01/2018A noite escuraA resenha de hoje é sobre o magistral “A noite de espera”, romance que abre a trilogia “O lugar mais sombrio”, de Milton Hatoum. É o meu primeiro contato com a obra do autor e estou absolutamente encantada, já querendo ler todos!
Nesse romance de formação, acompanhamos Martim desde os 16 anos, quando seus pais se separam e ele precisa mudar para a recém-inaugurada Brasília. Após vários anos, o jovem está exilado em Paris e rememora trechos de sua vida por meio de anotações, diários, bilhetes e cartas trocadas com mãe, o pai, os avós e os amigos.
“Minhas anotações são um modo de conversar com ela, de pensar nela. Coloquei dentro do caderno a folha de papel dobrada e amassada, com apenas duas palavras: Querida mãe’.
Talvez não lhe conte o que aconteceu entre sexta-feira e ontem.”
Logo no início eu me perguntava: por que esse garoto meio bobo e inocente foi parar no exílio? Não consigo encontrar um momento específico da obra em que Martim desperta para a realidade da ditadura. Ao mesmo tempo em que ele parece consciente dos abusos de poder e do perigo que correm muitos de seus amigos, fica alheio ao comportamento estranho do pai.
Considero cruciais para a evolução do personagem: o motivo da separação de seus pais, seu progressivo distanciamento deles (cada um por motivos diferentes) e a sua amizade com os jovens filhos de funcionários de diversos escalões do governo.
A primeira dica sobre a personalidade do pai é dada no começo do livro.
“Na última visita do tio Dácio à Rua Tutóia, Rodolfo interromper uma conversa sobre poetas e fotógrafos, e disse que o progresso e a civilização eram um triunfo da engenharia. Tio Dácio negou essa frase com sorriso irônico, depois disse que vários engenheiros, médicos e cientistas foram também grandes artistas.”
Os jovens amigos estão envolvidos com diversas manifestações artísticas: teatro, literatura, fotografia... É revelado aos poucos quem cada um deles é e seu papel na resistência à ditadura e às violências diárias vivenciadas pelos personagens.
"Algemou-a e enganchou no pescoço dela o polegar e o indicador, feito uma forquilha. O motorista do Dauphine foi arrastado até a frente da Veraneio, o clarão dos faróis o segava enquanto ele se defendia dos socos e pontapés; a moça magra foi arrastada até o clarão, depois o corpo amolecido e ensanguentado do motorista do Dauphine foi jogado no porta-malas da caminhonete, a moça e os policiais sentaram o banco traseiro e a Veraneio tomou o rumo do bicho do Eixo Rodoviário."
Martim passa por uma prisão, manifestações e tentativas de traição, mas nada parece afetá-lo tanto quanto a ausência de sua mãe. É essa separação o fato mais recorrente na obra. Ele sente tanto sua mãe e isso parece tão incompreensível para o garoto que, até o momento, não compreende porque ela se distanciou.
"Várias vezes me perguntou por que Lina não me dizia onde morava, e essa é a pergunta que eu tenho feito o tempo todo para mim mesmo. O sítio no mato não deve ser um lugar inacessível."
Não quero revelar muito sobre a história porque a maior parte das conclusões às quais cheguei foram construídas durante a leitura e nos dias posteriores a ela. O livro voltou ao meu pensamento diversas vezes por algum tempo. Só posso dizer que mal posso esperar pelos próximos volumes e pela continuidade da história de Martim. Adoro romances de formação e romances históricos e Milton Hatoum falou diretamente comigo em cada página desse livro.
Recomendo muito, muito. Leiam e me contem o que acharam ;)
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http://pacoteliterario.blogspot.com.br/2018/01/resenha-noite-de-espera.html?m=1