Driely Meira 01/03/2018
Um tesouro que deve ser lido por todos <3
Ela vai conseguir o que quiser. Vai fazer tudo o que puder, mas companheiros, sempre vai ser mulher! – página 305
Criadas pela tia, as irmãs Emília e Luzia não poderiam ser mais diferentes. Bela, morena e moderna para a época. Emília só queria se casar com algum cavalheiro (e não com os rapazes locais brutos e sujos) e se mudar para a capital (Recife). Já Luzia não tinha tantos objetivos na vida; sofrera um acidente quando criança e aleijara um de seus braços, o que significava que nunca iria se casar, então ela não se esforçava como a irmã. Na verdade, Luzia simplesmente fazia o que sentia vontade de fazer, era livre.
Tudo muda quando o grupo de cangaceiros do temido Carcará (conhecido por arrancar os olhos de suas vítimas) aparece em Taquaritinga do Norte e humilha o coronel local, além de levarem Luzia consigo. Ela havia chamado a atenção do capitão daquele grupo, e como logo a tia morreria e Emília iria embora, o que sobraria para ela? Sendo assim, Luzia aceita seu destino e acaba indo para o meio da caatinga com aqueles desconhecidos temidos por todos.
Por mais que eu estivesse doida para ler este livro quando ele foi relançado pela editora, enrolei MUITO para lê-lo, o que me dá até vergonha, pois a editora havia me dado um e-book de cortesia, mas eu queria porque queria ter o livro em mãos, então acabei comprando-o e só então o li. O início demorou um pouquinho para me envolver; a história começa no ano de 1935, quando Emília já está vivendo “outra” vida, e se preocupa com o destino da irmã. Depois voltamos no tempo e acompanhamos as meninas durante a infância, e como a história apresenta o ponto de vista de ambas (em terceira pessoa) é muito fácil perceber que uma inveja a outra.
Ao longo do livro, vamos acompanhando Emília vivendo em Recife, no meio de famílias tradicionais e novas, tentando se encaixar numa sociedade que a vê apenas como a garota que veio do interior, e que poderia ter morrido por causa da seca. Ela sofre num casamento sem amor (haviam se casado porque ambos precisavam daquele casamento), vive com pessoas que a criticam o tempo todo, e pensa na irmã perdida para o cangaço, imaginando o que Luzia estaria fazendo, e se ainda estava viva. Depois que a irmã se foi, a tia de ambas (Sofia) morrera de desgosto, deixando Emília sozinha e desamparada.
“Uma boa costureira tem de ser corajosa. ”
Já Luzia passa fome, cansaço e sede no meio da seca da caatinga, onde aprende o que pode beber, comer e usar para curar doenças e infecções. Ao mesmo tempo em que tem a afeição e o interesse do Carcará, ela também possui o ódio e desgosto de outros cangaceiros que acreditavam que ter uma mulher no grupo dava azar, e mesmo após conquista-los aos poucos com seus bordados e sua coragem, ela ainda precisava mascarar seus sentimentos e não deixar transparecer muitas coisas, ou seria deixada de lado.
Eu custei a gostar de Emília, enquanto Luzia me conquistou desde o início. Talvez seja por ter se machucado e depois ter sido tachada de “Vitrola” – por causa da deformação do braço, - mas eu sentia uma afeição muito grande por Luzia, e gostava até mesmo de alguns dos cangaceiros. Acho que isso pode ter a ver com o fato de eu ter adorado a novela Cordel Encantado (rede Globo, 2011) e ter gostado dos cangaceiros de lá...haha’ mas eu simplesmente adorava os momentos em que a história focava em Luzia, e torcia muito para que ela conseguisse levar uma vida tranquila e decente depois de tudo aquilo.
Já com Emília foi um pouco mais difícil. Entendi que ela queria deixar a cidade fofoqueira para trás e recomeçar num lugar grande, onde seus sonhos coubessem, mas no início ela me pareceu um pouco fútil, e eu só fui começar a gostar dela quando vi que Emília lutava pelo o que acreditava, e até sufragista virou, participando de movimentos que lutavam pelos direitos femininos ao voto, e também tentou criar um negócio só seu, o que me deixou orgulhosa. Além disso, era ela quem se preocupava com os atos do marido (Degas) infiel e da irmã (conhecida agora como Costureira, tanto por ser ela quem fazia bordados nas roupas de seus companheiros como por ser ótima atiradora) cangaceira, o que era um fardo e tanto.
Sentiu um estremecimento de raiva. Estava habituada a ser objeto de falatórios – tanto em Taquaritinga quanto no Recife, as pessoas faziam fofocas a seu respeito. De um modo geral, porém, era por causa dos seus próprios atos, não dos de outra pessoa. Agora parecia que Degas e a Costureira podiam fazer o que bem entendessem, ao passo que a ela só restava se preocupar com as consequências. – página 480
Esse livro é simplesmente incrível, não acredito que haja outra palavra para descrevê-lo. Eu não sou fã de muitas descrições, mas Frances me conquistou com sua escrita, e eu me apaixonei pela história. Além de mostrar a relação linda (e verdadeira) entre as irmãs, o livro também mostra a pobreza e os problemas causados pela seca no Nordeste, passa pela Revolução de 30, a ditadura Vargas, a seca de 1932, a quebra da bolsa de NY em 1930 e alcança até mesmo o início da Segunda Guerra Mundial, quando Vargas se aproximou de Hitler, e depois seu suicídio. O livro traz também o movimento feminista sufragista, além de um costume horrível da época que consistia em cortar a cabeça de cangaceiros para medir seus crânios – acreditava-se que quando a pessoa possuía um crânio maior, isso demonstrava sua criminalidade.
Me afeiçoei tanto às personagens que, quando o livro estava acabando, comecei a me sentir angustiada e melancólica, pois não queria me despedir das irmãs, e não queria aceitar que uma delas não conseguiria alcançar tudo aquilo que merecia, mas assim como fez com o restante do livro, a autora criou um final maravilhoso. Se eu chorei? Claro. Quis ler tudo de novo e torcer para que o desfecho houvesse mudado? Ô se queria, mas consegui aceitar e até vi um pouco de poesia na maneira como a história de uma delas acabou, foi um desfecho maravilhoso, e Entre Irmãs entrou para os livros favoritos da vida.
Me arrependo um pouco por ter enrolado tanto para lê-lo, mas acho que não poderia tê-lo feito em melhor época. Emília e Luzia me inspiraram com sua força, coragem, determinação e ambição. Elas sabiam o que queriam e foram atrás, conquistaram respeito em meio a um ambiente totalmente machista (ambas) e mostraram o que podiam fazer. Claro que não aprovei todas as ações de Luzia, principalmente depois de anos no cangaço, mas até um certo ponto, eu a entendia. Essa é uma história que eu não vou esquecer tão cedo, e é uma história que merece ser lida e apreciada por todos.
“Já que vivo das armas, vou morrer pelas armas, não é?”
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