Biia Rozante | @atitudeliteraria 26/01/2018Me surpreendeu.Demorei para iniciar a leitura de ENTRE IRMÃS mesmo sendo um livro ao qual estava super ansiosa para ler. Ainda que eu seja uma leitora ávida me intimidei por seu tamanho, é aquela velha história de se ter muitos livros para ler e não querer ficar preso a apenas um por muito tempo – quanta ignorância de minha parte -, até porque mesmo contendo mais de quinhentas páginas o li em um final de semana e a leitura foi surpreendente.
O cenário é o Brasil da década de 20 e 30, mais precisamente o nordeste brasileiro, a transição da republica velha até a ascensão de Getulio Vargas. Duas irmãs que só tem uma a outra. Que após a morte de seus pais foram viver com uma tia. Ali aprenderam sobre o ofício de corte e costura, religião e economia. Emília é uma jovem de beleza encantadora, do tipo sonhadora e romântica, que sempre nutriu o desejo de se casar com o amor de sua vida e se mudar para a capital. E Luzia é a menina desengonçada, atrapalhada, religiosa e aventureira que após a queda de uma arvore ainda na infância ficou com um braço torto, ganhado o apelido de vitrola, vista por muitos como inútil e incapaz de ser “mulher de alguém”. Jovens que pouco possuem em comum, a não ser o talento pela costura e o amor que nutrem uma pela outra. Que terão seus caminhos separados, mas que jamais se esquecerão.
“Lá no alto o céu era uma imensidão escura. Luzia se sentiu pequena diante dele, e teve medo. Mas se lembrou daqueles passarinhos que libertava, tanto tempo atrás. Lembrou que, depois que ela abria a portinhola, eles sempre ficavam parados, hesitando, na beirada da gaiola. E, então, saíam voando.”
Do outro lado temos cangaceiros. Não qualquer um, o mais cruel e temido de todos, Carcará e seu bando, que por onde passam espalham medo e devastação, que ao pousar os olhos sobre Luzia se encanta e não pensa duas vezes em levá-la junto a eles – escolha que ela toma de livre e espontânea vontade, ela se junta ao bando porque quer. Emília por sua vez fica para trás e precisa lidar com a morte da tia, uma sociedade crítica e injusta, aceitando assim um casamento sem muito amor e uma partida para a cidade grande – que mesmo sendo o que ela tanto sonhava -, se revela um grande arrependimento depois. Vidas separadas pelas escolhas e o destino, onde uma se torna expectadora da outra e seguem nutrindo o carinho que sentem e torcida para que a outra esteja bem e feliz. Duas realidades completamente diferentes, onde uma tenta ser aceita e se ascender socialmente, enquanto que a outra precisa se endurecer e sobreviver em meio a um sertão cruel, imprevisível e cangaceiros. É como seguir lendo duas histórias distintas, mas que ainda assim se paralela.
Duas jovens fortes, determinadas, que muito irão sofrer e precisar enfrentar. Cada uma a seu modo, mas não por isso menos impactante e doloroso. Emília exala simplicidade, sonhos e vontade de conquistar algo que a leve além, em alguns momentos a enxerguei como a mais frágil e me enganei, porque ela se revela muito mais determinada e decidida do que eu esperava. Já Luzia, essa me deixou arrepiada, mesmo tendo um braço torto ela não se limita, muito pelo contrário, vai à luta, enfrenta, afronta, sofre muito, sobrevive a uma seca assustadora e... Só lendo para sentir.
“(...) Certas coisas, porém, nem valia a pena consertar."
ENTRE IRMÃS é mergulhar em conflitos familiares, que fazem nossas emoções duelarem, é conhecer uma realidade que mesmo sendo tão real e presente até hoje por diversas vezes fechamos os olhos e só ignoramos. O fato é que é difícil falar desta obra sem mencionar toda sua riqueza cultural, a retratação do cangaço. A autora não poupou esforços para nos situar na época e misturou ficção com fatos reais, portanto é um livro rico, que nos ajuda a compreender e conhecer um pouquinho mais sobre a nossa própria história. Preciso mencionar também o machismo tão presente, ler uma obra que retrate isso só reforça o quanto já conquistamos, o quanto essa luta é importante e o longo caminho que ainda temos a percorrer. Além claro de falar de amor, amor entre irmãs que mesmo longe uma da outra jamais se esquecem, seguem torcendo, e se questionando como a outra está. Sobre se encontrar, descobrir seu lugar e se firmar ali. Sobre as muitas reviravoltas, dificuldades e obstáculos que sempre encontraremos no caminho, independente das escolhas que fizermos.
Eu gostei muito da leitura, me surpreendeu absurdamente, mas serei honesta e direi que alguns excessos nas descrições e detalhes me incomodaram por tornar a leitura um pouco cansativa. Falando sobre famílias, direitos das mulheres, preconceito, violência exagerada, cangaço, força, política e muito mais... ENTRE IRMÃS é uma obra envolvente, um misto de emoções, intensa, densa, um retrato da sociedade da época, de atos e ações que refletem até hoje.
O enredo está muito bem construído e estruturado, é notória a quantidade de pesquisa que a autora fez. Os personagens são bem desenvolvidos e apesar do foco ser as irmãs, todos os demais também conseguem passar sua mensagem e ter certa notoriedade. Os cenários foram muito bem explorados e essa facilidade da autora em descrever o lugar e os fatos nos permite se sentir inseridos na época, vivendo aquelas emoções. Acredito que a autora tenha usado de licenças poéticas para algumas cenas o que só enriqueceu ainda mais seu enredo. É uma obra repleta de referencias históricas, cheia de reflexões e muitas emoções. Vale muito a pena a leitura.
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