Toni 16/03/2023
A muralha [1954]
Dinah Silveira de Queiroz (SP, 1911-1982)
Instante, 2020, 400 pág.
Após encantar-me com aquele belíssimo “Margarida La Rocque” ano passado, não demorei muito até comprar “Floradas na Serra” e “A muralha”. Finalizada a leitura deste último, é muito difícil não concordar com outra escritora querida — a Maria Valéria Rezende — que prefacia a presente edição: estamos diante de uma obra que surpreende pela rica linguagem e pela “maneira tão equilibrada e sedutora com que entremeia a descrição das pessoas, dos objetos, dos processos de trabalho, das ações, das paisagens – feita sempre do ponto de vista das personagens.”
O livro narra a chegada de uma noiva portuguesa, Cristina, à Lagoa Serena, propriedade da família de seu noivo próxima à vila de São Paulo de Piratininga, e a luta de paulistas e estrangeiros pelo domínio da exploração do ouro na região das Minas Gerais (conflito que ficará conhecido como Guerra dos Emboabas). Suas personagens são criações complexas, contraditórias e atormentadas por escolhas que movimentam quase sempre de maneira trágica o enredo. Longe de apenas enaltecer os bandeirantes (ainda que certo ufanismo paulista pareça inevitável), Queiroz consegue trazer ao proscênio de sua ficção também a miséria, a carnificina, a crueldade com indígenas e escravizados e, mais importante, o protagonismo feminino quando os “homens da casa” embrenhavam-se nas matas.
Publicado em 1954, o romance ainda consegue nos surpreender em muitos dos desdobramentos do enredo. Como eu nunca vi qualquer adaptação televisiva do texto, a obra passou bem longe de tudo o que eu pudesse imaginar. Até mesmo a relação entre Cristina e Tiago, seu noivo prometido, é desde o princípio anticlimática (quando ela descobre que não está sendo esperada no porto) e se desenvolve de maneira ambivalente até seu desfecho inconclusivo. Leitura envolvente e de atmosfera angustiante, A muralha é um romance que reclama a capacidade de luta e a força das mulheres como fatores indissociáveis — em pé de igualdade com o trabalho dos homens — da construção de um povo e de sua história.
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