Andre.Pithon 15/08/2023
Bingo de Ficção Especulativa 2023
4.4: Magia Elemental
A quinta estação é um livro que possui um par de twists muito inteligentes, e ele está muito muito orgulhoso de ter pensado neles e construído sua incomum organização narrativa. Tão orgulhoso, tão autocongratulatório, que você eventualmente percebe que, por melhor que a história seja, ela foi totalmente construída ao redor dessas viradas inteligentes, únicas e impressionantes. Nos capítulos que a surpresa bate, é sensacional. Um livro que definitivamente me faz entender a celebração, e os motivos que Jemisin aparece em toda lista de Hugo/Nebula, quase sem exceção. Entretanto, é um twist tão legal, tão importante, tão genial, tão definitivo, que todo o resto da história se curva para que ele tenha seu momento de brilhar. E eu estava gostando do resto da história.
A Quinta Estação, primeira obra em uma já completa trilogia, conta a história de uma mulher em busca de vingança após o filho ser morto pelo marido por suas capacidades de orogene, a capacidade de se conectar com a terra, mover placas tectônicas, manipular a terra, terremotos e tudo mais. Os Orogeneses são severamente regulados, usados como ferramente para equilibrar em segurança um mundo sempre ameaçando um novo apocalipse, onde centenas de civilizações já foram destruídas e substituídas. São ideias já vistas muitas vezes em outros lugares, os magos que sofrem racismo, as alegorias de fantasia sobre opressão e preconceito, a escola arcana; mas vem acompanhados de uma raiva que faz com que funcione poderosamente.
Babel é um livro para falar colonialismo ruim.
The Fifth Season diz que racismo ruim.
Concordo com ambas afirmações.
O primeiro acho péssimo, este acho excelente. E a chave para isso está na força da história, no peso da dor, nos momentos em que o livro escolhe entre ser didático e ser forte. Babel bate a mensagem na sua cara, vez após vez, sem consciência, e The Fifth Season meio que também, mas o faz através de seus temas, através da dor sentida pelo personagem, de forma que parece real, e que machuca, e que te enoja, mas que é perceptível como, infelizmente, realista. Ver o horror real na fantasia choca e machuca, e os primeiros dois terços desta história são de uma sensibilidade odiosa e revoltante.
N.K. Jemisin escreve com raiva. Sem dúvida é o sentimento mais presente aqui, e ele é perceptível, escorre pelas palavras, você sente na prosa. Dura, agressiva, uma erupção aguardando furtiva no âmago de cada pessoa, esperando apenas o toque de orogene para explodir, destruir, consumir um mundo que talvez mereça mesmo ser consumido. E fantasia é uma porta maravilhosa para denunciar a sociedade, criando o que não-é para refletir o que é. Este é um livro que não diz nada novo, mas repete aquilo que precisa ser constantemente dito, pois parece que sempre tem gente esquecendo.
A representatividade é legal. Normalmente isso não tá no topo das minhas prioridades para gostar de algo, mas aqui é bem incluído, faz sentido, e os personagens não são definidos por isso. Gosto de ler um personagem trans que não é um mero token, não só definido por sua identidade de gênero, mas que tem direito a personalidade, a objetivos, a fazer merda. Importante, bem feito.
Mas, como a primeira parte de uma trilogia, a Quinta Estação não entrega um final. Entrega a solução de seus twists (que são ótimos! Muito bons! Aplauda! O livro quer muito que você aplauda!), mas a história não tem um fim. Menos, mal tem uma conclusão digna. Você ganha respostas, você ganha uma última frase foda (mas que dá pra adivinhar antes, belo twist secundário, aplauda também o belo twist secundário!!!), mas nada realmente acontece. O status quo da protagonista é o mesmo no primeiro e no último capítulo. Irei ler o resto da trilogia eventualmente, mas como uma obra separada, Jemisin não fecha uma conclusão adequada. E, sim, esse nunca foi o objetivo. Não dava tempo de escrever um fim, pois o twist lindo e inesperado e tão original precisava ser incluído e explorado ao seu máximo.
Detalhe, grande parte do livro é escrito em segunda pessoa. Há um motivo para isso. Ainda assim, já tendo visto esse artificio ser usado com genialidade por Tamsym Muir em Harrow the Ninth, aqui parece supérfluo, e não realmente adiciona nada ao livro. Não o piora, a escrita não me distraiu, mas é sem impacto.
Por fim, The Fifth Season é uma leitura forte, poderosa, bem escrita e bem pensada, que poderia ser muito melhor caso se desse ao trabalho de contar uma história.
Talvez ainda o faça.
Por enquanto, é um truque narrativo fofo lado a lado com uma erupção de raiva contra o mundo, e eu sinto que essas duas coisas não combinam tão bem assim.