Aione 24/09/2020O Jardim das Borboletas é o primeiro livro da série policial O Colecionador de Dot Hutchison, que acompanha casos investigados pelos agentes Victor Hanoverian, Mercedes Ramirez e Brandon Eddison. Até o momento, a editora Planeta lançou no Brasil apenas os dois primeiros volumes da série, que, nos EUA, já conta com quatro títulos publicados. Os livros em inglês, assim como os dois em português, estão disponíveis para leitura através do Kindle Unlimited.
Maya foi uma das garotas sobreviventes resgatadas do Jardim, cárcere mantido por um homem denominado Jardineiro, responsável por sequestrá-las. Ele identificava cada menina como uma diferente espécie de borboleta, e então tatuava em suas peles as asas correspondentes às do inseto. Quando o Jardim é enfim descoberto, Maya é levada para prestar depoimento, mas não parece disposta a colaborar com o relato.
A narrativa de O Jardim das Borboletas se alterna entre a perspectiva em terceira pessoa de Victor, um dos agentes responsáveis pelo caso, e em primeira pessoa por Maya, que revela de maneira não linear como foi sequestrada e a vida no Jardim. Dessa forma, a escrita de Dot Hutchison se mostra bastante habilidosa por dois motivos: em primeiro lugar, representa muito bem as divagações existentes em uma fala. Maya, por vezes, começa em um assunto e muda o foco de maneira muito natural, conduzindo e situando o leitor em diferentes acontecimentos que pouco a pouco constroem a cronologia — mas é necessária certa atenção para perceber os saltos temporais. Depois, essa não-linearidade contribui para a manutenção do suspense. Desde o início, a confiabilidade de Maya é colocada em questão. A garota esconde fatos da própria vida e não responde as perguntas de maneira direta, o que faz os investigadores — e o leitor — se questionarem se ela era parte do esquema. Assim, o romance guarda surpresas e revelações até as últimas páginas.
Não bastasse a escrita proporcionar uma leitura ágil, instigante e capaz de enredar o leitor, o fator psicológico da trama é admirável. Há camadas nos personagens que fazem de suas figuras e das situações complexas, colocando o leitor também em uma posição difícil pelos sentimentos que tais complexidades suscitam. As personalidades do Jardineiro e seus filhos, por exemplo, divergem e nos faz questionar se há algum tipo de relatividade entre as maldades doentias ali existentes. Tais sentimentos também residem nas Borboletas, e a autora soube como construir as emoções conflitantes das garotas, bem como revelar as nuances de como elas lidam com a realidade no jardim. Também, gostei muito de como a personalidade de Maya foi construída, considerando seus traumas pregressos e de como sua postura varia ao longo da trama.
Importante dizer que Jardim das Borboletas é um livro pesado. Temas como pedofilia e violência sexual perduram toda narrativa e criam desconforto pelos horrores retradados, então fica também o aviso para possíveis gatilhos. Contudo, em minha leitura, tais aspectos aparecem bem colocados na narrativa, como parte dela, e não em uma simples tentativa de causar choque pelo choque.
Por fim, O Jardim das Borboletas é um livro que o tempo todo contrapõe maldade e bondade, propondo um debate a respeito da relatividade moral, que pode variar de acordo com diferentes perspectivas. Uma leitura ao mesmo tempo chocante, mas frenética, e que me emocionou, em suas últimas páginas, pelo fim guardado à protagonista. Sem dúvida, um thriller memorável.
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