Val Herondale 18/02/2018O Homem de Lata é uma história sobre o amor..."E você meu amigo galvanizado, quer um coração. Você não sabe o quão sortudo é por não ter um. Corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem..."- O Mágico de Oz
Desde que a Faro anunciou a publicação desse livro fiquei morrendo de vontade de lê-lo. Sarah Winman nunca chegou a fazer parte do meu cotidiano literário, mas, ao entender a premissa de O Homem de Lata, eu soube, instantaneamente, que precisava conhecer aquela obra. Então, quando recebi minha cópia, parei tudo o que estava fazendo e me dediquei a leitura.
O Homem de Lata é uma história sobre o amor. Do primeiro amor e também da perda. O romance de Michael, Annie e Ellis. Um conto de cura.
"Cores complementares são aquelas que fazem com que a outra se destaque [...]
Como eu e Ellis, disse Michael.
Sim, ela sorriu. Como vocês dois."
Com pouco menos de duzentas páginas, o leitor não faz ideia do impacto que esse livro terá em sua vida. Este é um romance infundido com memórias, e isso pode ser notado, claramente, no estilo de narrativa apresentada.
Logo de início, o prólogo retrata uma mulher desafiando seu marido num Centro Comunitário local quando, ao ser sorteada em uma rifa, escolhe como seu prêmio, não o uísque caríssimo que seu marido desejava, mas uma reprodução de “Os Girassóis”, de Van Gogh.
"Foi o primeiro gesto desafiador em sua vida. Como cortar uma orelha. E ela fez isso em público."
Uma cena que poderia ser denotada como sem valor ou importância, mas que adianta o poder transformador da arte; um dos temas que permeia O Homem de Lata.
O livro, dividido em duas partes, conta primeiro a história sob o ponto de vista de Ellis. Em 1996, o leitor encontra um homem absorto da vida social, vivendo sozinho e trabalhando todas as noites em uma fábrica de carros. A solidão que o envolve nessa época é palpável e nauseante.
"Você é feliz, Ell?
Feliz?
Por Cristo! Você repete a palavra como se não soubesse o significado."
A partir de uma narrativa permeada de lembranças, obtemos vislumbres do passado quando, nos anos 70, Michael e Ellis se tornam melhores amigos. Ambos crescendo sem suas mães, em Oxford, compartilhando um amor pelo ciclismo e viagens, e tornando seu relacionamento físico em algum momento. Segredos e descobertas ecoando uma história de amor e amizade que se estende por décadas. Mais tarde quando Annie entra em cena, o trio logo torna-se inseparável. Acredite em mim quando digo que esse se tornou um dos relacionamentos mais lindos que li até hoje. Uma belíssima amizade que se rompe abruptamente quando Michael se muda para Londres e desaparece das vidas de Ellis e Annie.
"A vida não era tão divertida sem Michael. Não tinha tanto colorido sem ele. A vida não era vida sem ele."
A segunda metade do romance muda para o cenário londrino onde, através da perspectiva de Michael, os espaços vão sendo preenchidos com a história de sua vida e lembranças de seu relacionamento com Ellis. Achei esse ponto da narrativa ainda mais fluido que o primeiro, elevando as emoções do leitor a um nível significativo, tornando-se impossível conter as lágrimas.
Sonhos e corações partidos, a realidade e a intensidade das amizades juvenis, a dinâmica emocional da sexualidade, um relato da assombrosa realidade da epidemia de AIDS em Londres, nos anos 80, são temas que se fundem para produzir uma história que sobrepõe emoções extremas sem tornar-se demasiadamente sentimental. Um romance curto, de leitura rápida, mas que sustenta um enredo com impacto devastador.
Sarah Winman revelou-se uma autora de grande empatia e sensibilidade sobre o efeito do sofrimento na vida humana. Ficarei atenta a futuras publicações da mesma. Sua escrita é poderosa, ainda que simples. Como apontei acima, a sensibilidade é algo tangível, que pode ser vista logo nos primeiros parágrafos. Winman tem um dom, e isso é inegável. Ela consegue transmitir, com louvor, os sentimentos dos personagens, de modo que nos apropriamos deles. No final temos, porque não dizer, uma belíssima obra de arte em mãos. Com personagens reais, que se afligem, não só pelas pessoas, mas pelos desejos que abandonaram, seja sexual, artístico ou emocional.
"Mas era minha humanidade que me levava a procurar, só isso. Que nos leva a todos. A simples necessidade de pertencer a algum lugar."
A edição está impecável, como sempre. A Faro Editorial é muito zelosa em suas publicações, e isso está muito visível desde o trabalho da capa e contra-capa, espessura das folhas, tamanho das letras. Tornando a experiência de leitura muito prazerosa.
Embora traga temas que, infelizmente, ainda podem ser considerados tabus em alguns convívios, gostaria de indicar O Homem de Lata para todas as pessoas. Sem distinção. Mas principalmente para aquelas que não se acovardam diante de algumas verdades.
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