Jhon 23/02/2021
uma história incrível que deixa saudades
Só posso dizer a leitura dessa saga é uma experiência incrível! É uma imersão absurda e os livros são difíceis de parar de ler (virei madrugadas sem sono), pois a fluidez com que Érico Veríssimo conduziu essa história é impressionante. Não são todos os escritores que conseguem prender a atenção de um leitor por quase 3000 páginas meus amigos kk.
A conclusão que o autor criou para essa narrativa pra mim foi excelente e acredito que cada uma das três partes dessa saga tem sua especificidade. Falando do Arquipélago, sinto que aqui as discussões filosóficas, existenciais e políticas estão mais evidentes. Foi muito interessante o jeito como Érico incluiu diferentes posições e perspectivas em certos diálogos, dando espaço para pensar muitos achismos e opiniões referentes à religião, comunismo, masculinidades, morte e diversos outros temas que foram levantados e que mexeram comigo. As conversas entre Tio Bicho e Floriano, principalmente, são ricas fontes de análise. Você entra em parafuso várias vezes.
Também achei muito interessante a maneira como o autor caracterizou o ser-masculino e o ser-feminino tendo em vista suas transformações ao longo da história. Me pareceu que nessa longa jornada de duzentos anos marcados pelas guerras e pelo patriarcalismo, os dispositivos de gênero produziram masculinidades caracterizadas por serem violentas e esporádicas, e feminilidades fincadas em personalidades mais estáveis e sólidas. Enquanto os homens agiam segundo um caráter prático mais evidente (e na história oficial acabaram escolhidos como os heróis), acabou-se por ocultar um papel que foi de suma importância para o rumo da história, pois na verdade, foram as mulheres a rocha, a rígida terra, sob a qual as famílias estavam ancoradas. Foram elas que, em seus atos de heroísmos diários, silenciosamente garantiram a perpetuação das gerações, através de sua resistência e força diante do sofrimento em "chorar e esperar". É um contraste presente em todos os livros. Afinal, trata-se do tempo e do vento, dos terra e dos cambará, da fixidez e da volatilidade, da parcimônia e da impulsividade, da austeridade e do fortuito. Todos esses traços que fazem parte da nossa construção histórica, psicológica e social, mas que não estão isolados, pois são forças que se chocam e entrecruzam a todo momento e que continuam interferindo nas formas como agimos até hoje.
Outra coisa que eu gostei nesses livros foi observar as mudanças dos costumes e valores morais. O próprio Rodrigo que no Retrato era a figura do progresso e modernização, nessa última parte é o símbolo da decadência de uma forma de vida já ruída pelo tempo. Deu pra perceber como o que um dia é tão importante, com o tempo vai perdendo sua força para novos modos de experienciar a vida. Então foi bem legal acompanhar as passagens das gerações e ir percebendo nas atitudes dos personagens essas transformações.
E apesar de ter ficado com saudades das personagens do Continente, eu achei legal a construção que foi feita da última geração retratada nesses três tomos finais. Floriano, com quem divide o protagonismo com Rodrigo, é bastante complexo, e embora me irritasse às vezes, achei ele muito fácil de se identificar pelo espaço de incoerência e contradição que ele habitava. Sylvia foi outra personagem que me chamou atenção. Fiquei bem triste com a trajetória dela e seu diário foi um soco violento no estômago! Eduardo também foi interessante de acompanhar pelas implicações políticas que envolvem ele, e eu ria e pensava demais com as tretas que rolavam quando ele se juntava com Floriano, Tio Bicho, Zeca e Rodrigo pra conversar.
E acho que embora essa seja uma saga de caráter regionalista, sua história vai além de qualquer delimitação territorial. E digo isso não apenas do sentido de abarcar eventos históricos de tamanho nacional e amplos, mas também pelas personagens que compõem muito da história brasileira. A família Terra-Cambará e várias outras figuras que aparecem nos livros dizem respeito às tradições históricas espalhadas por todo o Brasil. Tirando as especificidades e características rio-grandenses, acho que, em geral, a ancestralidade de nosso país está marcada pelas suas ferozes Anas, seus impulsivos Rodrigos e suas tenazes Bibianas (todos eles com suas marcas regionais e estórias singulares).
Enfim, essa série é uma das melhores que já li e tenho certeza que ainda vou reler muito esses livros. Acho que até dos personagens que eu tive ranço vou sentir saudades. É difícil não se apegar ao povo de santa fé e ficar indiferente diante dessa história foi impossível pra mim.